Nas querências da minha terra

As nossas façanhas deviam servir de modelo a toda terra para que ninguém jamais tenha vergonha de defender os seus princípios. E o colorido …

As nossas façanhas deviam servir de modelo a toda terra para que ninguém jamais tenha vergonha de defender os seus princípios. E o colorido da Semana Farroupilha também. As ruas de todo o pampa gaúcho se inundam de vermelho, amarelo e verde (cores da bandeira) deixando transpirar o orgulho de nascer nessa terra, onde tudo que se planta cresce e o que mais floresce é o amor. Amor confessável aqui pelo hino riograndense, que poderia inspirar a imaginação de novos compositores. É realmente muito emocionante e bonito, mesmo para quem desconhece a Revolução Farroupilha.


Para quem não tem correndo pelas veias o sangue gaudério, quem não sabe cavalgar, ordenhar uma vaca, laçar um animal ou mesmo dançar em fandango e não encontra graça nenhuma no amargo do chimarrão. E não precisa necessariamente não ser gaúcho para ser desprovido dessas características. Basta ser urbana demais, jamais ter experimentado mais do que duas semanas em alguma cidade do interior e amar demais a capital do Rio Grande do Sul. Como essa que vos escreve.


No meu caso particular, impossível não se render à beleza da letra e da música do hino riograndense. Sua principal característica é exaltar as nossas virtudes, em poucas frases e sem cansar. E a parte mais arrepiante é lembrar que povo que não tem virtude, acaba por ser escravo.


Nesta cobertura de Semana Farroupilha que fiz como jornalista, pisando no barro, caçando os piquetes e galpões para ver as novidades e sentindo a barriga roncar com o cheiro da costela, enxerguei em muitos olhares a honra e o orgulho de ser gaúcho, de habitar a terra dos farrapos, a história de Pedro Missioneiro e Ana Terra. Nas mini prendas, com suas flores nos cabelos cuidadosamente preparados para o evento, que ainda nem conhecem o romance de Bibiana e Rodrigo Cambará.


Foi ao encontrar tanta prenda enfeitada com seus vestidos rodados, gaúcho pilchado de faca na cintura, tanta memória viva no Acampamento Farroupilha, tantas lições de batalhas travadas entre 1835 e 1845, no Parque da Harmonia, que consegui compreender o orgulho de nossa gente. Um povo que entendeu cedo demais que não basta para ser livre, ser forte, aguerrido e bravo. Que em terras de Santa Fé, da valente Ana Terra, é preciso mostrar valor constância, porque toda guerra sempre será ímpia e injusta, não importa saber as causas.


Em todas as cerimônias em que estive para cumprir pautas sobre a Semana Farroupilha e os 170 anos de revolução, escutei o hino riograndense e comecei a entender porque ele não me enjoava. Quando terminava, eu ainda gostaria de ouvir mais e mais. Tentei entender o motivo.


Talvez exatamente porque ele fala de uma gente com muita coragem para defender o que ama. E quando a nossa principal arma chama-se coragem é muito difícil não se conseguir os resultados esperados. A coragem nos leva a locais sem descrição, sem mapa de chegada, onde jamais pensamos que fosse possível alcançar. Talvez porque o hino exalta um povo que lutou prematuramente por um ideal de liberdade ainda utópico na época do Brasil monárquico. E a liberdade é a razão de viver de todos os humanos. Não carece de maiores explicações.


É como se uma aurora, um farol da divindade brilhasse no Acampamento Farroupilha, avisando quem sabe, que  ao término dos festejos, a cidade se abre sorridente para receber a primavera. Ou um prenúncio de que no próximo mês, a Praça da Alfândega é que ficará colorida com a inteligência e a cultura que os livros nos trazem. Quem sabe um lembrete de que ainda é tempo de acender uma vela para o Negrinho do Pastoreio e pedir que ele traga de suas andanças algo que se perdeu nas querências da minha terra.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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