‘Negro de merda’

O jogador Grafite vai entrar para a história do combate à discriminação racial. O jogador argentino Leandro Desábato não, pois o que ele fez …

O jogador Grafite vai entrar para a história do combate à discriminação racial. O jogador argentino Leandro Desábato não, pois o que ele fez (infelizmente) é algo corriqueiro. Mas Grafite teve a coragem e a hombridade de procurar uma delegacia. Mais do que isto, a inteligência para fazê-lo.
Talvez, como o colunista Paulo Sant´Anna (do jornal Zero Hora), está colocando, este assunto devesse ser julgado pela Justiça Desportiva, já que o que ocorre dentro de um gramado de futebol, com os jogadores em contato físico direto e com as emoções à flor da pele, é matéria para esta Justiça. Porém, analisando sob outro aspecto, este evento servirá de exemplo para muitos outros atletas e cidadãos (se é que posso chamar alguém com um comportamento destes assim). Ofender alguém como "negro de merda" não é ofender somente aquele indivíduo, mas toda uma raça.
Este evento servirá para pontuar uma reflexão sobre o tema. Acredito que vá ser um divisor de águas. Porque está nos fazendo refletir (e escrever) a respeito: por que um jogador pode se dar o direito de chamar um colega seu de profissão desta forma? Certamente uma das explicações é a garantia da impunidade. Mas, além da impunidade, há outra razão, mais grave. O jogador que ofende acredita mesmo que aquele ser humano a sua frente pertença a uma raça inferior. É inacreditável que em pleno século XXI existam pessoas que pensem assim, embora tanto a ciência quanto os fatos tenham demonstrado que não há qualquer razão minimamente razoável para isto. Pelo contrário.
Em especial nos esportes, os negros são infinitamente superiores aos brancos. No futebol, o maior jogador de todos os tempos, Pelé, é negro. E sucedem-se casos de jogadores/atletas de exceção, todos negros: Ronaldinho Gaúcho, Daiane dos Santos, Tiger Woods. Todos, o melhor da humanidade naquela modalidade esportiva. Quando eles atingem este patamar de superioridade, toda a nação quer ser "irmã" destes. Não importa que não tenha feito absolutamente nada para que o atleta chegasse onde está. A glória é solidária, a desgraça solitária, como sempre.
Na música, temos outra área de supremacia negra, principalmente quando falamos em blues, gospel, funk. Ray Charles, BB King, Nat King Cole, o grupo Mount Moriah, Keb Mo, são tantos nomes que fica impossível citar a todos. No Brasil, Jorge Benjor, Tim Maia, Ed Motta, Djavan, Luiz Melodia. Há na musicalidade e na voz do negro algo diferente. E superior.
Outra coisa que vai ocorrer a partir do episódio da prisão do jogador argentino é que, certamente, outros jogadores vão pensar duas vezes antes de sair por aí ofendendo os negros, ao menos no Brasil. Este episódio marca a briga que Grafite comprou. Mais que briga, uma causa. Quando todos seguiam como gado, ele ergueu sua voz. Pelo que li, fez o que achou que deveria ser feito. E não está repleto de ódio, não. Suas declarações pós-prisão do argentino são serenas. Ele afirma que fez o que deveria fazer e que julgar é com a Justiça. Perfeito.
Este episódio vai servir ainda para acordar o Brasil de vez para a questão racial. Deixar de tratá-la em tom jocoso, na brincadeira, para passar a encarar a questão de frente. O primeiro passo para resolver uma questão é escancará-la, assumi-la. Vamos assumir, como país, que somos sim, muito racistas. Que discriminamos, que ofendemos. Se assumirmos este comportamento, teremos dado um primeiro passo, gigante para a humanidade, como diria o astronauta pisando na Lua.
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