O calibre do Bananão

Sexta-feira, meu velho amigo e vizinho de coluna Guaraci Fraga me ligou e, no meio da conversa, disse que estava à espera do que eu ia escrever sobre a execução de Marielle Franco. Eu disse que não ia escrever, que estava no meio de um trabalho complicado e que muito já tinha sido escrito. Mas o Fraga acha que sempre descubro um ângulo que escapou aos demais palpiteiros. Não tenho a menor ideia de onde ele tirou isso. Está na cara que não digo nada de novo nem, na maioria das vezes, digo da melhor forma.

Então o que faço aqui? Não é segredo: tento fazer sentido em meio à balbúrdia. Quase sempre inutilmente, mas - consolo um tanto idiota, como todos - pelo menos posso dizer que tento. O que o Bananão tem de mais maligno é nos aniquilar pelo desânimo ou nos deixar com tanta raiva que acabamos dizendo coisas sem nexo.

Li dezenas de interpretações da morte de Marielle. Mas pra quê? Não há o que interpretar. Trata-se da mais deslavada rotina no Bananão. Ou você não sabe dos mortos anteriores? Sim, dos mortos apenas deste ano. Veja a lista:

1. Jefferson Marcelo, 04/01/2018, líder comunitário no RJ - assassinado;

2. Valdemir Resplandes, 09/01/2018, líder MST do Pará - assassinado;

3. Leandro Altenir Ribeiro Ribas, 19/01/2018, líder comunitário no RS - assassinado;

4. Márcio Oliveira Matos, 26/01/2018, líder do MST na Bahia - assassinado;

5. Carlos Antonio dos Santos (Carlão), 08/02/2018, líder do movimento agrário do Mato Grosso - assassinado;

6. George de Andrade Lima Rodrigues, 23/02/2018, líder comunitário do Recife - assassinado;

7. Paulo Sérgio Almeida Nascimento 13/03/2018, líder comunitário no Pará - assassinado.

A diferença é que a morte de Marielle emocionou as pessoas e teve repercussão internacional. Até a boca do Bolsonaro essa morte calou - não por ele ter se dado conta da monstruosidade de suas posições, mas por medo de perder votos. De qualquer forma, na internet, muitos outros neandertais tentaram culpar ou desqualificar a vítima, mais uma velha rotina bananense. Até a Globo, a principal insufladora do ódio que leva a mortes desse tipo, a principal usina de desinformação do Bananão e arredores, precisou fazer carinha triste e desinformar de modo menos escancarado.

Fico me perguntando: quantos dias essa emoção vai durar? Ela vai se tornar algum ato concreto? Ou, logo, logo, passa a ser normal? Como é normal sermos governados por uma quadrilha, por termos uma imprensa estupradora dos fatos, por termos um Judiciário que interpreta a Constituição conforme o réu, por termos uma polícia satisfeita em ser o leão-de-chácara da verdadeira organização criminosa que domina o Bananão, aquela integrada por cidadãos de bem donos de uma imensa senzala tropical, abençoada por Deus, bonita por natureza e sustentada pelos juros mais altos do mundo.

Me despeço com uma imagem, mais eloquente do que tudo o que eu possa dizer, criada por um grupo de humoristas argentinos:

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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