O enigma Leonardo

"La semplicità è la sofisticazione finale."

(Leonardo Da Vinci)

Em 22 de dezembro do ano passado, um insólito agrupamento de cientistas, historiadores e estudiosos reuniu-se no Château d'Amboise no Vale do Loire. Em silêncio, os ilustres senhores aguardaram o momento exato do solstício de inverno, quando a terra se inclina 23,5 graus em direção do sol. Precisamente quando o planeta e o sol se alinham, aparentando não se deslocar, imóveis na vastidão do Universo.

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Então, os presentes se dirigiram à capela gótica do castelo, onde se localiza a tumba de Leonardo da Vinci. Tomando a palavra, o diretor da Academia de Belas Artes de Florença leu um texto do pintor e arquiteto Giorgio Vasari, que em 1568, escreveu a primeira biografia do mestre renascentista:

"No curso normal da História, alguns homens e mulheres

nascem com talentos notáveis;

mas ocasionalmente, de uma forma

que transcende a Natureza, uma única pessoa

é maravilhosamente dotada pelos céus com beleza, graça e talento

em tal abundância que deixa os demais para trás.

Todas as suas ações tem inspiração do alto e tudo o que ele faz vem de Deus ao invés da habilidade humana."

Naquela solene cerimônia havia a sombra de uma sutil ironia - que não deve ter escapado aos ilustres cientistas e acadêmicos. A austera tumba de pedra, onde devia repousar Leonardo di Ser Piero da Vinci, estava vazia havia três séculos. Um dos muitos legados misteriosos do gênio florentino a serem escrutinados pelas inteligências do século XXI.

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Mas havia um momento ainda mais aguardado em Amboise: a palestra a ser proferida pelo escritor norte-americano Dan Brown. Foi graças a seus best-sellers que a genialidade de Leonardo tornou-se conhecida do dia para a noite. Apenas o mais popular de seus romances, O Código Da Vinci vendeu cerca de 100 milhões de cópias, bem mais do que toda a literatura existente sobre a Renascença italiana.

Os estudiosos reunidos no Vale do Loire não ignoravam que, antes de lançar Robert Langdon nos mistérios leonardianos, Dan Brown dedicou meses de estudos a alguns dos 13 mil fólios deixados por Leonardo, muitos dos quais ainda não decifrados pelos acadêmicos da Biblioteca Leonardiana de Florença. Ao mesmo tempo, comenta-se que, em troca do acesso aos arquivos, o escritor teria doado um percentual de direitos autorais para a criação do arquivo digital online e-Leo. Ali estão sendo transcritos os Codex Atlanticus, Codex Madrid e o fólio Windsor, com centenas de desenhos e estudos sobre a natureza e a anatomia humana. 

Infelizmente, nem todos poderão desfrutar destes segredos, sem antes adquirir um razoável conhecimento do idioma italiano falado no século XV, já que a linguagem usada por Leonardo não pode ser transcrita para os idiomas contemporâneos.

É sabido que Leonardo era mestre em enigmas e disfarces. Escrevia ao stile specchio, ou seja, da direita para a esquerda, procurando ocultar invenções militares que, antevia ser destrutivas em mãos erradas. Mas fica a pergunta - porque outras centenas de fólios sobre anatomia, mecânica e astronomia permanecem até hoje ocultos sob criptografias e códigos secretos?

Uma das invenções mais fascinantes de Leonardo é o Cryptex, que inspirou Dan Brown, utilizando-a como objeto de crime e conspiração em O Código Da Vinci. As lendas florentinas descrevem um dispositivo criado a pedido de Lorenzo di Médici para proteger documentos de Estado. Trata-se de um tubo com vários anéis metálicos, contendo as letras do alfabeto.

Quando as letras compõem uma certa senha, o cofre se abre e revela um pergaminho que envolve uma ampola de vidro com vinagre. Eis o toque de gênio de Leonardo - se o dispositivo for violado, a ampola se rompe e o pergaminho é destruído. 

Ao receber o Cryptex das mãos de seu inventor, Lorenzo, o Magnífico, teria declarado:

"Todos devem reconhecer que os céus se manifestam

nas habilidades de Leonardo.

Este artista de extraordinários talentos,

demonstra graça infinita em tudo o que faz.

Ele cultivou seu gênio tão brilhantemente que todos os problemas

que estuda, ele resolve com facilidade."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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