O mecanismo do Bananão

Quantos filmes em que um herói solitário luta contra bandidos que minam o sacrossanto modo de vida ocidental você viu? Pelo menos uns cem, imagino, já que a quase totalidade dos filmes americanos têm esse herói. Por mais que se fuja deles, uma hora ou outra acaba-se assistindo a algum. Pior, você deve ter assistido a algum feito aqui no próprio Bananão, talvez da lavra do José 'Pede pra sair' Padilha, jovem sociólogo formado pela Universidade de Hollywood.

Lá pelas tantas, durante um desses filmes, a gente sempre se pergunta: mas o que, nesse meio tempo, as instituições que garantem esse sacrossanto modo de vida estiveram fazendo pra que houvesse necessidade de um herói solitário pra botar a casa em ordem? A mensagem parece clara: o Estado, que devia garantir os interesses da sociedade, é um inferno de podridão e só você, com ou sem a máscara do Batman, com uma arma na mão, pode fazer justiça, inclusive passando por cima da Justiça.

Todos esses lugares-comuns mastigados e regurgitados há um século estão na série do José Padilha. Não é por nada que Jessé Souza a classifica como latrina fascista.

Que inumeráveis servidores do Estado são corruptos, não apenas no Bananão, note-se, qualquer criança saída da creche sabe. O que é mais complicado de saber é que o Estado garante os interesses da sociedade, quer dizer, da parte da sociedade que tem o poder real e desfruta da grande corrupção. Como diria Jessé, só porque foi legalizada não quer dizer que não seja corrupção, vide a dívida pública do Bananão, que, por sinal, na série do Padilha se considera inócua, pura balela, como também falta de educação e de saúde.

A corrupção política é muito vista e muito falada, mas é mero trocado perto da outra, sem falar que não é causa dela e sim consequência. Quer desenhado? A corrupção política é o salário dos capatazes da casa grande. Apenas as ovelhinhas do rebanho da Globo não enxergam isso. Padilha também não enxerga, mas tenho minhas dúvidas sobre a candura de sua natureza ovina.

Você não considera trocados os milhões recuperados da Petrobrás pela Lava Jato em comparação com os bilhões que causou de prejuízos em favor das petroleiras e fundos abutres gringos? Não considera trocado o que um Temer leva em comparação ao que os bancos faturam em cima da população bananense? Deve-se perguntar a Padilha o que um homem sozinho, que dá um jeitinho na investigação quando a lei assegura direitos às pessoas, que pensa que dá pra resolver tudo na porrada, pode contra esse mecanismo, conhecido pelos íntimos por um termo carinhoso e redundante: capitalismo selvagem? Será apenas sinal de impotência do herói a sanha contra os capatazes, já que não pode dar um tranco nos donos do engenho? Por falar em capatazes e donos de engenho, a série do Padilha foi financiada pela Netflix, que tem entre os sócios algumas das petroleiras que lucraram com o golpe contra Dilma. Não sei se o Padilha gosta de coincidências.

A série do José Padilha, a criminalizar toda a política e garantir que a Polícia Federal está fora da política mesmo quando faz propaganda pro Aécio Neves e jamais toca nos tucanos paulistas, sendo, portanto, a única salvação, tem tudo pra votar no avatar do capitão Nascimento, Jair Bolsonaro. O que nós vamos ter de dizer ou fazer pra poder pedir pra sair?

O clã das bolinhas de papel voadoras

José Trajano: "Ex-presidente sofre atentado a tiros e Catanhêde, Alckmin, Noblat e Merval tratam com desdém e ironia. Serra leva bolinha de papel na careca e é vítima de atentado criminoso".

Armações ilimitadas

O Sensacionalista: "Segunda temporada de O mecanismo terá Lula atirando no próprio ônibus".

Pouco depois da tirada do jornal de humor, o deputado federal Nilson Leitão, líder do PSDB na câmara, disse: "Eles são capazes de tudo, inclusive de ter armado a situação para se colocar como vítima".

Seguindo a lógica da coloração dos fatos no Bananão, tem gente à espera de que Lula se mate pra acusá-lo de plágio, na tentativa de desbancar Getúlio Vargas no papel de mártir.

O país do futebol

Nina Paduani: "A única coisa que espero do Padilha é que ele faça um filme sobre o 7 x 1. Se é pra mudar tudo na história, muda essa aí pra gente".

Lula, o analfa de pai e mãe

Jota Camelo: "'Haviam pontos positivos' (havia), 'colheita de provas' (coleta), 'câmera dos deputados' (câmara). Essas frases do Moro no Roda Viva serão colocadas na boca do Lula na próxima temporada de O mecanismo".

Senador Lindbergh Farias: "Moro no Roda Viva falou em 'colheita de provas'. Pra quem acha que provas podem ser plantadas, faz sentido...".

Segunda temporada

A segunda temporada de O mecanismo, disse Padilha, vai pegar a corrupção do PSDB. Curioso pra saber quem dirá "Tem que manter isso".

Série histórica

José Padilha vai fazer uma série sobre a Inconfidência Mineira, isto é, a guerra entre uma quadrilha de brazucas contra uma quadrilha de portugas. Por motivos dramáticos, será no Ceará. Olha o spoiler: no fim o podólogo Tiradentes será fuzilado sem dó nem piedade.

Vício maldito

Deu na Veja: "Em uma área do município de Marabá, a cerca de 600 quilômetros de Belém, capital do estado, um avião pulverizador sobrevoou a região onde viviam 340 famílias do acampamento Helenira Resende, vinculado ao Movimento Sem Terra (MST), e lançou agrotóxico em direção às pessoas. A agressão aconteceu no dia 17 deste mês".

Inspirado nesses fatos, José Padilha vai fazer uma série sobre agricultores doidões, viciados em agrotóxico. A suspeita de que o avião é de uma empresa de Daniel Dantas será dramatizada: a empresa será uma filial da Friboi, que é do filho de Lula, como é de conhecimento universal. Os únicos inocentes serão os fabricantes do agrotóxico.

Mundo cão 1

A senadora Ana Amélia nega ter dito o que disse, isto é, aquele negócio de levantar o relho na defesa da elite do atraso (veja: https://jornalggn.com.br/noticia/pitaco-do-eu-nao-disse-isso-que-eu-disse). Depois, políticos da laia da Ana Amélia, ex-funcionária fantasma do marido, e a grande imprensa, que deixa essas contradições em piedoso silêncio, enchem a boca pra falar de fake news. Não se trata apenas de baixeza moral. É parte do mecanismo ignorado pelo Padilha pra manter isso, viu? E dá certo, tanto que o Bananão mudou muito pouco desde as capitanias hereditárias.

Mundo cão 2

Vi foto de Bolsonaro em Curitiba fazendo de conta que dá tiro na cabeça do Lula. Nada surpreendente - ou ele não defendeu torturador e o assassinato do FHC? Como Curitiba fica no Bananão, não vai acontecer nada. Já imaginaram Bolsonaro presidente? Meu medo aumentou vários pontos: talvez eu venha a ter saudades do Temer.

Mundo cão 3

Fernando Brito, no Tijolaço: "Verdade que não há escolas para todos, hospitais para todos, trabalho e emprego para todos, progresso para todos. Mas, que maravilha, agora temos processos para todos, prisões para todos e, quem sabe, logo tenhamos balas de fuzil para todos".

Mundo cão 4

Deltan Dallagnol e Marcelo Bretas anunciam jejum e orações pra que o STF não esmoreça, isto é, não siga a Constituição. Os 40 milhões de pessoas que o governo Lula tirou da pobreza absoluta também vão jejuar. Ou melhor, estão jejuando de novo.

Vitimismo

Li muitos políticos e comentaristas reclamando do "vitimismo do Lula". O cara é condenado sem provas, leva bala e ainda tem o desplante de não gostar? Esse torneiro mecânico tem mais é que se enxergar, porra! Pensa que é o Serra, que rouba impunemente há décadas? Pensa que é o Gilmar Mendes, por acaso? O Gilmar foi filmado por alguém na rua, em Portugal, e não gostou. A Polícia Federal vai abrir investigação e enquadrar o paparazzi por perseguição.

Quem planta vento...

O PSDB, depois de anos de privataria, depois de anos na defesa da agenda dos mais ricos, está colhendo o que plantou: não tem um candidato em condições de concorrer nem a síndico do edifício da sede do partido e vê Lula na frente em todas as pesquisas, em todos os cenários.

Magistocracia

Conrado Hübner Mendes, professor de Direito Constitucional na USP, na Época: "Nem todo juiz, obviamente, é um magistocrata, mas esse é o ethos institucional que os governa. Um Judiciário independente, competente e imparcial é indispensável à democracia. A magistocracia é adversária desse projeto. Juízes não são beneficiários passivos da desigualdade brasileira, pois ocupam lugar estratégico para sua manutenção e não desperdiçam a oportunidade".

Todo cuidado

Rodrigo Souto Lopes: "Cuidado com o que vocês vão fazer daqui pra frente, povo. Que se rolar a nossa guerra civil, quem vai pintar a nossa Guernica não é o Picasso, mas o Romero Brito".

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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