O que é do bicho a fome não come

O trato da Natureza com o Homem foi o seguinte: – Eu te dou um polegar opositor, um cérebro antenadão, uma linguagem. Em troca, …





















O trato da Natureza com o Homem foi o seguinte:
- Eu te dou um polegar opositor, um cérebro antenadão, uma linguagem. Em troca, você me ajuda num frete genético: leva pro futuro a voracidade dos sáurios. Quer dizer, além de dominar a vida na Terra, você ganha um apetite insaciável. No início, nem vai precisar de boas maneiras e guardanapo no pescoço.


O que a Natureza não disse é que, embora o maior restaurante do universo tenha cardápio pra todo gosto, nem tudo é palatável ou digerível no planeta. O que o Homem demorou milênios pra descobrir é que esse monstro chamado Metabolismo tem delicadas incompatibilidades com a cadeia alimentar,  inclusive as cadeias de supermercados e as cadeias prisionais (onde a gororoba seria um desafio até para os dinossauros). Engolir sapos no escritório, tudo bem, mas certas substâncias à mesa nem pensar.


Hoje em dia o pessoal já conhece bem o temperamental Metabolismo: sabe das suas ojerizas e tenta superar as vulnerabilidades dele. Especialistas faturam com orientação sobre o uso adequado desse tubo excretor chamado Ser Humano. Listas do que pode ou não descer goela abaixo desse faminto ancestral - que tem seu ninho mais aconchegante no estômago da espécie - circulam por aí.


PhD em bobagens, seria inaceitável uma omissão diante de tão visceral assunto. As principais observações do dr. Fragen a respeito são as seguintes:


Glúten. Como o nome sugere, faz mal aos glutões, sobretudo a quem padece da doença celíaca, herdada de antepassados que devoravam trigais. O sujeito pode até ser um daqueles que arrebentam um restaurante se algo o desagradar mas não consegue quebrar a tal proteína; e essa, acaba por destruir as mucosas do intestino delgado. Assim, o maior freqüentador de refeitórios que já existiu deixa de absorver nutrientes e ruma para um jejum radical, vulgo inanição. Como as plantações de cereais (trigo, cevada, centeio, aveia), os moinhos de grãos e as padarias estão por toda a parte, os hipersensíveis ao glúten não têm saída. O aviso nas embalagens devia ser mais abrangente: "O mundo contém glúten". (Para ler mais, clique aqui)


Lactose. Esta é uma das grandes contradições do mundo animal: mamíferos que não podem mamar. Não importa se o leite vem embalado na teta materna ou em tetra pak, a intolerância a este açúcar leiteiro causa cólicas, diarréias, gases e pragas à indústria de laticínios. Como somos lactentes a vida toda, o suplício vai do berço à cova.


Caseína. O que vale para a proteína acima, vale para esta. Do úbere ao tarro, do tambo à usina de beneficiamento, a caseína se homogeiniza e se pausteriza, pra depois aparecer disfarçada de queijo da colônia, de iogurte caseiro, de manteiga extra, de nata fresca. Só o mal-estar que ela causa não
é possível disfarçar.


Sacarose. Uma das sacanagens mais bem boladas da Natureza é adoçar tudo à nossa volta, até que, de tanto ingerir guloseimas e gulodices, acabamos com um açucareiro nas veias. Apesar disso, a glicose no sangue não nos faz um doce de pessoa, perguntem à glicemia dos estúpidos. A sacarose é inimiga figadal do pâncreas, que segrega a insulina, controlador dos índices açucarados dos diabéticos. Além de nos pacotes, somos abastecidos de açúcar com a cana, a beterraba, a cenoura, a maçã, a banana e o pirulito de brinde em lojas de botinhas ortopédicas.


Carne. Tem gente que não pode comer carne, em duas categorias: os vegetarianos e os assexuados. Para os primeiros, todos os animais são sagrados, mesmo que já estejam nos menus. Suas reações à carne são de fundo filosófico (embora um delicioso tratado de filosofia não se compare a um bom filé grelhado), de fundo psicanalítico (traumas diante de galináceos sacrificados no quintal e bois em abatedouros clandestinos), de fundo financeiro (hortifrutigranjeiros assustam menos na hora da conta) etc.


Já os que não comem carne humana (nem em receitas bíblicas nem em banquetes antropofágicos), esses são alérgicos a alguma coisa ainda não detectada na carne humana nua e crua. Se quiser, a Natureza que explique.

Etc.


O céu e o purgatório ninguém sabe onde ficam.
O inferno se localiza fácil: é na saúde pública.


Muitos adultos se tornam desclassificados
porque quando crianças em idade escolar
não tinham classe.


Para entender a espiral inflacionária,
só comparando os preços dos cigarros
do ano passado com os custos deste ano.


A pressa pode ser inimiga da perfeição,
mas a lentidão é amicíssima da improdutividade.


Predador é qualquer animal que seja
tão animalesco quanto o homem.


Chama-se Centro de Convenções esse lugar
onde os convencionais e os anti-convencionais
se confundem.


Etc.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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