O seio da Janet e o Joãosinho Trinta

Tem certas coisas que não dá mais para agüentar nos dias de hoje. Primeiro, foi o acesso puritano americano com o seio da cantora …

Tem certas coisas que não dá mais para agüentar nos dias de hoje. Primeiro, foi o acesso puritano americano com o seio da cantora Janet Jackson, que ficou de fora durante 3 segundos no intervalo do Superbowl. Os americanos (claro que não todos, me refiro àqueles que se indignaram com o seio da Janet Jackson) pensaram o seguinte: tudo bem termos Klu Klux Klan. Tudo bem vermos a imagem daquele menino que perdeu os dois braços na guerra do Iraque. Isto pode. Mas um seio à mostra(o que é raríssimo hoje em dia, não? Basta dar uma navegada na Internet, ir até uma banca de jornais ou mesmo ligar a televisão)? Não, de jeito nenhum!
Agora, no Rio de Janeiro, terra do carnaval, a Justiça acaba de intervir para que o carnavalesco Joãosinho Trinta tenha que cobrir duas alegorias da escola de samba Grande Rio. Uma, que representava o ato sexual de Adão e Eva(que os teria levado a serem expulsos do paraíso, história mais do que conhecida no mundo todo); outro, que mostra uma cena de sexo do Kama Sutra. Então tá. Não falta mais nada. O Carnaval, como se sabe, é a festa da carne, não do espírito. As pessoas(e as mulheres, em especial) desfilam cada vez mais despidas. Mulheres de topless já não atraem muita atenção. A televisão nos enche de imagens de mulheres seminuas (ou às vezes, nuas) nas transmissões de Carnaval. Além disto, o Rio de Janeiro é a capital do Carnaval mundial e todos os turistas que chegam por lá esperam ver muita mulata, samba, praia e bunda. Não concordo que a imagem do Rio de Janeiro tenha que ser esta, no exterior, pois temos coisas muito interessantes para mostrar além de bunda e praia(que eu gosto muito, diga-se de passagem). Mas não há como negar os fatos.
Aí, quando todos estão prontos para a grande festa da carne, o Joãosinho Trinta é barrado. Sexo, não pode. Sim, mas qual a atmosfera que envolve o Carnaval, senão a do sexo e dos instintos primitivos? Dizem que Joãosinho Trinta é polêmico. Não acho que ele seja polêmico, não. Acho que ele é realista.
O que me deixa mais indignado nesta história é que o raciocínio é o seguinte(seja no RJ ou nos EUA): tudo bem, matar pode. Explorar trabalho infantil, pode. Esposas serem espancadas, pode. Tráfico de drogas, pode. Ser um dos países mais racistas do mundo(agora você deve estar se perguntando se estou falando dos EUA ou do Brasil. Diria que falo de ambos, com a diferença que em um dos países, o racismo é declarado; em outro, ele é escondido, disfarçado), pode. Mutilar(como no caso do menino ferido na guerra do Iraque), pode. Deixar milhares de famílias devastadas, porque perderam seus membros(pai, mãe, irmãos), pode.
Agora, a Janet Jackson mostrar o seio por 3 segundos(e mal mostrou, vejam a foto acima), o que é isto??? Isto choca profundamente os americanos. Nós, no Brasil, que temos trabalho escravo, racismo, miséria(gente que toma sopa de papelão, lembram?), isto tudo pode. Mas, imaginem só, querer mostrar sexo? Aonde já se viu?
Posturas deste tipo, ainda mais quando no caso do Rio de Janeiro, avalizadas pela Justiça, irritam profundamente. Fazem a gente pensar que, realmente, não deve ter nada mais importante para a Justiça se preocupar.
Antes que me acusem de defensor da libertinagem,esclareço: não sou libertino, sou até bem careta em muitas coisas. O que não dá mais para agüentar é hipocrisia. Enche o saco. Cansa. E irrita.
Sei que muitas outras pessoas se manifestaram na época do seio da Janet Jackson, que o tema que escolhi não é exatamente original e nem é o foco que costumo dar à minha coluna. Mas queria registrar minha indignação com esta hipocrisia ridícula, com esta distorção de conceitos.
Apesar da coluna ter um tom meio irritado, este colunista não o é. E gostaria de desejar a todos um ótimo Carnaval!
Livros: como imagino que meus leitores, quando lerem esta coluna, estarão cantando Skindô, skindô, pararatimbum, com colar de havaiano no pescoço, vou deixar as dicas de livros para a coluna da outra semana (5 de março, pois na semana que vem estaremos de folga).
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