O teatro é a minha piscina

Detesto o verão. Sei que devo fazer parte de uma minoria: as pessoas em geral dizem preferir a estação quente por associarem-na a atrativos como férias, descanso, praia, viagem, Carnaval, luminosidade e, acreditem, até o famigerado calor. Também gosto de todas essas coisas - com exceção do calor. O problema é que, por mais que se possa desfrutar dessas características positivas do estio, o porto-alegrense sempre terá que enfrentar em algum momento o inferno que se transforma o lugar no qual vive. Ok, a cidade fica mais calma, o trânsito flui, há lugar nos restaurantes e bares, os cinemas raramente lotam. Mas, e a canícula, minha gente? Porto Alegre deve ser a cidade mais quente do planeta - no Senegal, quando a temperatura ferve, diz-se que está fazendo um "calor porto-alegresco". O bafão por aqui costuma não se contentar com o período que o calendário lhe reserva: não é incomum que o verão comece a dar as caras já em meados de setembro e só se despeça com abril adentrado.

Pois este preâmbulo mau humorado foi para explicar minha desconfiança por princípio quando ouvi falar pela primeira vez de um evento chamado Porto Verão Alegre - para mim, uma contradição em termos. Há quase duas décadas, porém, o festival vem provando a este espírito invernal que, sim, pode haver alegria no verão deste porto. A pioneira iniciativa enfrentou quando surgiu em 2000 não apenas a má vontade de quem não vê graça em derreter nas ruas de Forno Alegre: à exceção da já então milenar temporada veranil do espetáculo "Tangos & Tragédias" no Theatro São Pedro, a agenda cultural da Capital praticamente inexistia no começo do ano. Ao lado de um pequeno grupo de companheiros de palcos, os atores Rogério Beretta e Zé Victor Castiel - até hoje à frente do festival de teatro - encararam o desafio e colocaram de pé o Porto Verão Alegre: a primeira edição contou com seis atrações, assistidas em meia dúzia de salas de espetáculos por um público estimado de 12 mil pessoas.

A ousadia deu certo: perto de completar 20 anos, o festival cresceu para todos os lados, aumentando a cada edição o número de montagens apresentadas e os locais de exibição, além de passar a abrigar em sua grade também espetáculos de dança, música e ilusionismo, eventos literários, oficinas, performances, festas. Mais: desde 2015, o Porto Verão Alegre financia financia uma peça, que estreia na abertura da programação - a primeira montagem foi "Romeu e Julieta", com direção de Néstor Monasterio. O que era aposta virou tradição, e a 19ª edição está ocupando os teatros locais desde o último dia 5 com 81 espetáculos - 13 a mais do que no ano passado, incluindo quatro estreias.

Entre os destaques de 2018, está a ótima peça "Pequeno Trabalho para Velhos Palhaços", nova montagem cujo financiamento teve participação do festival e que abriu a programação no Theatro São Pedro, mostrando o virtuosismo em cena dos atores Arlete Cunha, Sandra Dani e Zé Adão Barbosa, dirigidos por Adriane Mottola. Além de levar espetáculos para outras localidades gaúchas - desta vez, para Esteio, Cassino e Passo Fundo -, o Porto Verão Alegre também está trazendo neste ano convidados de fora do Estado e até do país: o show de comédia "Terça Insana" e o grupo Os Mulheres Negras vêm de São Paulo, "Os Olhos que Tivemos" é de Mato Grosso, "Seu Bom Fim" é baiano e o divertidíssimo espetáculo musical "Repertório Osório" mostrou-nos o humor de Portugal. 

Até 8 de fevereiro segue o 19º Porto Verão Alegre - refrigério cultural que já entrou no calendário oficial da cidade e que nos ajuda a encarar a soalheira. Torço para que o festival vá se espraiando até cobrir o verão inteiro - que nem a temporada de piscinas dos clubes.

Autor
Jornalista e crítico de cinema, integrante da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Editou de 1999 a 2017 a coluna Contracapa (artes, cultura e entretenimento), publicada no Segundo Caderno do jornal Zero Hora. Neste período, também atuou como repórter cultural do caderno de variedades de ZH. Apresentou o Programa do Roger na TVCOM entre 2011 e 2015 e é é autor do livro "Mauro Soares - A Luz no Protagonista" (2015), volume da coleção Gaúchos em Cena, publicada pelo festival Porto Alegre Em Cena. Foi corroteirista da minissérie "Tá no Sangue - Os Fagundes", veiculada pela RBS TV em 2016. Atua como repórter e crítico de cinema no Canal Brasil.

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