O trágico mágico

É interessante notar como as pessoas gostam de uma tragediazinha. Capotou um carro na estrada? Três quilômetros de congestionamento, porque todo mundo que passa …

É interessante notar como as pessoas gostam de uma tragediazinha. Capotou um carro na estrada? Três quilômetros de congestionamento, porque todo mundo que passa quer dar uma reduzida para ver. Homem descontrolado esfaqueando a irmã? A vizinhança pára em volta da casa para assistir os detalhes sórdidos.
Confesso que não sei o que vem primeiro, como o velho dilema da Tostines (será que é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho?): se as pessoas adoram de tanto a mídia veicular, encher espaços e mais espaços editoriais com as tragédias, ou se a mídia enche muitos espaços exatamente porque há uma demanda por parte de telespectadores, ouvintes, leitores e internautas para tanto.
Me ponho a pensar que possam ser realmente as pessoas. Quando vemos uma tragédia, nos deparamos com um limite da vida. Alguém morto no asfalto nos faz lembrar da nossa finitude e, mais ainda, da nossa fragilidade nesta vida. Como os animais, ficamos admirando aquele ser estirado, que nos faz voltar aos ancestrais, nas cavernas, em torno do fogo, falando dos mortos. A morte nos une, nos iguala, nos tribaliza. Todos voltaremos ao pó. Todos somos mortais (embora alguns, como o Sr. Roberto Marinho, pensassem(e pensem) o contrário. Como ele dizia: "SE um dia eu vier a faltar?" ). A morte é democrática, atinge a todos, sem exceção.
Isto ocorrer em tempos de tanta desigualdade (econômica, social) é algo que catalisa atenções. Nos retribalizarmos, como os homens das cavernas, é algo que, de uma certa maneira, conforta. Pertencemos novamente a uma verdadeira aldeia global, unidos por um fato trágico e pela dor. E, não esqueçamos, estamos todos carentes de referências. A morte não deixa de ser uma referência.
Como sempre, podemos encarar o fato de duas maneiras: com otimismo ou com pessimismo. Mesmo os ditos realistas jamais são neutros, embora teimem em tentar sê-lo. Um realista sempre "pende" para algum lado. O pessimista, ao se deparar com a morte, pensa que a dele já está mesmo próxima, que como está morrendo gente; já o otimista pensa que, já que não foi com ele, vai aproveitar e muito a vida, se cuidando bastante e vivendo-a intensamente. Prefiro a segunda alternativa, sem dúvida.
Nossa evolução social, nossa vida em sociedade tão evoluída não conseguiu extrair de nosso interior algumas reações primitivas, como esta frente à morte. Muito menos nossos sentimentos de ódio, desejo sexual, fome e sede. Sinceramente, não sei aonde chegaríamos se nos tirassem estas características "primitivas". Não sei se seria bom ou ruim sermos tão limpos existencialmente. Acredito que, embora pudéssemos evoluir em alguns aspectos, acredito que nos robotizaríamos frente a outros, como as manifestações artísticas, por exemplo. Quantas obras fantásticas já foram feitas tendo como tema a morte? Como se diz popularmente, a morte faz parte da vida.
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