Os filhos da Projeto

Vivi um momento de doce nostalgia no sábado passado visitando a mostra de artes da escola Projeto. Circulando pela exposição com trabalhos de alunos inspirados pela obra da artista Teresa Poester e espalhados pelas salas e espaços da Unidade 2 do colégio, lembrei-me do tempo em que frequentava o local acompanhando as atividades da minha filha. Entre 2003 e 2008, a Pilar aprendeu a ler e a escrever na escola, foi introduzida ao universo da educação formal, conheceu as colegas que viriam a ser suas melhores amigas até hoje. Mas, sobretudo, encontrou por lá um ambiente de valorização e estímulo às artes que amplificou e deu novos sentidos a uma forma de ver o mundo que já conhecia de casa. A centralidade que a arte ocupa no dia a dia e nos conteúdos, aliás, foi decisiva na escolha da Projeto como o colégio de nossa filha.

Essa singularidade talvez seja o fator principal que fez da instituição - que completará 30 anos em 2018 - uma referência de escola infantil e fundamental em Porto Alegre. Caminhando novamente pelos corredores do sobrado localizado ao lado da Redenção, em meio a crianças, pais e professores, reconectei-me com o clima de prazer e intimidade com as manifestações artísticas e culturais característico daquele lugar - e que os "pais da Projeto", como somos chamados, conhecemos bem. Essa familiaridade com as artes visuais, a literatura e a música - anualmente, a escola convida criadores dessas áreas para desenvolverem trabalhos com os alunos - já é por si só louvável e altamente relevante. A influência dessa abordagem educacional, porém, extrapola e acaba reverberando em outras dimensões da experiência humana: não apenas as crianças, mas também os adultos afetados por esse contato cotidiano com a arte e a cultura aprendem a conviver melhor em sociedade, tornam-se mais curiosos e tolerantes com relação ao outro e às diferenças, despertam sensibilidades e conhecimentos latentes, aperfeiçoam-se como cidadãos.

Não é pouca coisa. Se a filosofia da Projeto e de tantas outras instituições de ensino nos mais diversos níveis no país jamais pôde ser encarada como mero diletantismo, ganha agora importância vital e reveste-se de urgência diante da censura a exposições de arte, do patrulhamento da liberdade de expressão, da tentativa de desmantelamento do sistema público de educação superior e de pesquisa, da relativização do discurso científico. Testemunhamos com perplexidade uma época na qual o obscurantismo espalha-se com preocupantes rapidez e intensidade. A luz que emana do conhecimento e da arte, portanto, precisa manter-se acesa mais do que nunca a fim de que não se interrompa nossa claudicante marcha civilizatória.

Hoje, minha filha abriu-se para o mundo, estuda Ciência Política e sonha contribuir para um planeta melhor. Estou seguro de que a experiência dela com a escola construtivista foi fundamental na caminhada de vida dela - e que é minha também. Afinal, alunos, pais e mestres são todos em alguma medida "filhos da Projeto".

Autor
Jornalista e crítico de cinema, integrante da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Editou de 1999 a 2017 a coluna Contracapa (artes, cultura e entretenimento), publicada no Segundo Caderno do jornal Zero Hora. Neste período, também atuou como repórter cultural do caderno de variedades de ZH. Apresentou o Programa do Roger na TVCOM entre 2011 e 2015 e é é autor do livro "Mauro Soares - A Luz no Protagonista" (2015), volume da coleção Gaúchos em Cena, publicada pelo festival Porto Alegre Em Cena. Foi corroteirista da minissérie "Tá no Sangue - Os Fagundes", veiculada pela RBS TV em 2016. Atua como repórter e crítico de cinema no Canal Brasil.

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