Os idiotas e a arte

Em todos os tempos, em todos os lugares, a maioria dos idiotas só se interessa por arte e literatura na hora de censurar.

Os idiotas não costumam ir a museus, fora quando, ao comprarem um pacote turístico, se veem na fila pra ver a Monalisa. Aí se decepcionam porque o quadro é pequeno e não é alegre como os do Romero Britto. Diante dos nus, não dão um pio, porque no estranja o complexo de vira-lata mantém o rabo entre as pernas. Sem falar que os idiotas não sabem explicar por que um nu, num museu, é mais perigoso que a mais baixa pornografia que enche a internet e pode ser acessada por qualquer menino de 10 anos.

Raramente os idiotas leem um bom livro, porque um bom livro serve a muitas interpretações ao lidar com situações complexas e personagens ambíguos. Um bom livro não tem as certezas de um manual de como criar coelhos, como plantar nabos ou como adorar Deus acima de todas as coisas. Enfim, um bom livro está fora do alcance mental dos idiotas, que já passam trabalho pra entender os folhetins da Globo.

Mas se mesmo assim um idiota insiste em ler alguns parágrafos, ao invés de reconhecer que não entendeu patavina, reage pela lógica Tico & Teco, seus dois neurônios de estimação: sente-se ultrajado. Como o idiota não pode se orgulhar da própria idiotice, já que isso é forte demais até pra ele, se agarra à moral, única coisa em que pode pretender superioridade. É que a moral, como diria Huxley, é como a saia das mulheres, pode ser curta ou comprida, dependendo da época, ou da pessoa, ou da situação.

Em geral o idiota apenas vai na onda. É uma questão de segurança: se outros cem idiotas dizem isso ou aquilo, ele também diz, sem mais dúvidas ou remorsos. O espírito de manada é um dos traços característicos dos idiotas. Com o advento da internet, milhares e milhares de idiotas podem ficar dando tapinhas nos ombros uns dos outros e postando fotos em que babam na gravata. Em tempo: claro que esta frase será interpretada literalmente pelos idiotas, que alegarão não usar gravata.

Veja, se alguém diz que Lolita conta a história de um sujeito que gosta de meninas, pra que o idiota vai se dar ao trabalho de ler e conferir se o autor faz uma defesa da pedofilia ou não?  O idiota sai a toda com um cartaz pra esquina pra pedir a queima de todos os exemplares de Lolita e, se bobear, clama por cadeia pro Nabokov.

Nabokov? Espera aí. Com um nome desses na certa é comunista. Na dúvida, os idiotas fecham qualquer jogo com o curinga do comunismo.

A fúria moralista de um idiota é proporcional ao tamanho de sua idiotice. Daí que o idiota não tem vergonha nenhuma de ostentar em público sua idiotice. A fúria moralista é o álibi perfeito pra que o idiota faça tudo o que lhe der na veneta. Mais: a vaga suspeita que alguns idiotas poderiam ter da própria idiotice evapora na empolgação dessa fúria.

Nos últimos tempos, no Bananão, os idiotas ficaram confusos e melancólicos por alguns dias. Revelou-se algo mais extraordinário que os segredos de Fátima: a invenção e o monopólio da corrupção não eram do PT. Até a Globo teve de noticiar. Daí os idiotas foram bater panela pro Temer, pro Geddel, pro Aécio e tantas outras almas puras? Não, passado o susto, foram jogar pedra na Geni. Trata-se de um gesto automático jogar pedra na Geni. Mas, cá entre nós, a Geni não é petralha? Adeus confusão, adeus melancolia.

O futuro chegou, mas os idiotas estão no mesmo lugar. Problema deles? Não, porque querem que a gente vá fazer companhia. Querem inclusive que sua idiotice defina o currículo do ensino no Bananão.

Os idiotas não ganham nada com sua idiotice, fora, como disse, a sensação de superioridade moral que ocupa o vazio entre as orelhas. Mas tem gente faturando alto com a idiotice dos idiotas. Sempre teve, claro, mas agora escancarou de tal modo que é de admirar que até os idiotas não percebam.

Se um idiota acha que seria melhor que o David do Michelangelo usasse cueca samba-canção e a Vênus de Milo, sutiã, tudo bem. Ele tem todo o direito de ter suas opiniões idiotas e expressá-las nas frases truncadas de sempre, em caixa alta, com as três exclamações de praxe. Mas na hora que esse idiota quer forçar as demais pessoas a ver David de cueca samba-canção e a Vênus de Milo de sutiã, ele deixou o território da liberdade de expressão e entrou no da censura. Ele não percebe a diferença porque outra característica dos idiotas é não perceber diferenças.

Camelô de rico

Como se explica que o Dória, dono de uma revista chamada Caviar Lifestyle, queira dar ração de cachorro pros pobres? Depois de uma cognição sumária, decifrei o mistério: justamente por ser dono de uma revista chamada Caviar Lifestyle.

Homem de bem

"Todos os homens nascem iguais", escreveu Thomas Jefferson, um dos mais amados presidentes gringos e grande proprietário de escravos.

Lenio Luiz Streck

"Diante das manifestações de reacionarismo nas mídias sociais e na própria imprensa (e até nos meios jurídicos), como se houvesse uma conspiração contra a democracia e muita gente admitindo esse desiderato, lembro de uma frase que ouvi durante Aula Magna que ministrei no doutorado em comunicação da Unisinos: 'O Brasil sediou a Copa, a Olimpíada e agora vai sediar a Idade Média'."

Polícia

Bons tempos aqueles em que a polícia atirava antes e perguntava depois. Agora nem pergunta nada. Pior: nem perguntam nada pra ela.

Desobediência civil

Aldo Fornazieri, professor da FESPSP (Escola de Sociologia e Política): "Não se pode obedecer a um STF casuístico, que abre mão dos seus deveres constitucionais para entregá-los a antros corrompidos como a Câmara e o Senado. Não se pode obedecer a um STF de um Gilmar Mendes, que é estafeta de Aécio e conselheiro noturno de Temer. Não se pode obedecer ao governo ilegítimo de Temer. Não se pode respeitar as determinações políticas e arbitrárias de um juiz Moro, alegre conviva de Aécio e de Temer, dois quadrilheiros, segundo as investigações".

Da série "Óbvio ululante"

Para os pobres o Estado sempre foi mínimo. Quando os ricos pedem Estado mínimo, é pra diminuir mais ainda a parte do Estado que toca aos pobres.

Dicionário do mau digitador

Emocioanal. Comichão que leva evangélicos e assemelhados a reprimir nos outros o medo que sentem de se coçar.

Objetico. O tico como meta. Ou um tico que sabe exatamente o que quer?

Pacianta. Paciente sem noção.

Grande descoberta

Cabral descobriu o Brasil. Grande merda. Jessé de Souza descobriu o Bananão.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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