Porto: alegre e inquieta

Minha vida profissional foi, na sua maior parte, pautada por: morar em São Paulo e viver em Porto Alegre. São Paulo me quer, mas é Porto Alegre que me tem. Foram muitos anos na ponte-aérea e muitas milhas.

Há exatos dois anos, decidi que me divorciaria de São Paulo para morar e viver definitivamente em Porto Alegre. Cansei um pouco "da poesia concreta de tuas esquinas". Agora, quando muito, permito-me uma rápida visita a São Paulo, um ou outro carinho, mas nada fixo, nada que tangencie a ideia de permanência.

No final de 2015, retornando à rotina de Porto Alegre, reencontrei uma cidade diferente. Percebi uma cidade assustada pela violência e adornado por uma atmosfera derrotista com muitos conflitos, sendo os enfrentamentos de taxistas e "uberistas", o mais noticioso deles. Nesse contexto, o mercado da Comunicação local parecia estar derretendo e as alternativas de negócios se estreitando.

Numa primeira impressão, pareceu-me uma cidade cinza e sufocada pela crise e pelos problemas. Mas aí, decidi mergulhar em águas um pouco mais profundas. Primeiro, fui conversar com as pessoas que, entre os tons de cinza, pareciam ter luz própria e vibrar muito acima do padrão de 60 hertz. Nessa jornada, conheci empreendedores com projetos inovadores e me abracei com seis deles. Caminhei muito pelo 4º Distrito, fiz muitas reuniões no Agridoce Café, conversei com as aceleradoras, com os coletivos criativos, fui fazer curadoria, voltei para a academia como aluno e participei de todos os fóruns e debates sobre inovação e criatividade que pude. Ouvi e falei.

Aceitei, também, todos os convites para grupos de whatsapp que falassem sobre transformação, aceitei o convite para ser professor e acho que não neguei nenhum convite para palestrar. Falei sobre os novos modelos de Comunicação, sobre a economia da experiência e sobre o empreender coletivo e humano. Enfim, depois de dois curtos anos, posso, realmente, dizer que dialoguei com Porto Alegre.

Bom, mas e aí? O que eu aprendi nesses dois anos que estou morando e vivendo novamente em Porto Alegre?

Primeiro, que é uma cidade inquieta e que existe uma infinidade de expressões da economia criativa pipocando por todo lado. Segundo, que todas essas iniciativas são muito pouco articuladas e dependem da energia visceral, e sempre limitada, de alguns heróis da resistência sofrivelmente organizados em pequenos grupos (inclusive de whatsapp).

Ok, embora as definições sobre a economia criativa ainda sejam genéricas e amplas, podemos afirmar que ela se caracteriza por ter na criatividade e no capital intelectual seus valores referenciais. Em seu escopo de atividades poderíamos incluir as artes, o design, a produção de conteúdo audiovisual, os jogos, a tecnologia, a comunicação, a gastronomia, a moda, entre outras tantas atividades que se estruturam a partir da criatividade, incluindo, nisso, a própria ação empreendedora.

Pois é, Porto Alegre está cheia de expressões de todas essas atividades citadas, só que em coletivos 'nichados' com diques que represam a sua integração ao coletivo maior. Nos meus tempos de engenharia e termodinâmica, a gente diria que são sistemas adiabáticos, ou seja, sistemas que não trocam calor com o meio.

Pois bem, apenas para materializar, vamos pegar os exemplos dos festivais que acontecem em Porto Alegre e que, definitivamente, são uma expressão dessa economia criativa. Temos pelo menos cinco, em datas diferentes, e todos brigando pelos mesmos apoios, patrocínios, palestrantes e venda de credenciais. Por que não pensam em se unir? Por que não se articulam e ganham força para fazer em Porto Alegre o que há poucas décadas alguns visionários fizeram em Austin no final dos anos 1980?

Eu realmente penso que a economia criativa é o grande amalgama que pode unir os diferentes coletivos e interesses de Porto Alegre em favor de um salto na construção de uma cidade melhor, tanto na perspectiva econômica quanto na social. Quem sabe não é por aí que podemos construir uma cidade alegre e inquieta, para morar e para viver. Vocação eu já aprendi que não nos falta.

Autor
Engenheiro, fundador, ex-CEO e ex-presidente do Conselho de Administração da AG2, fundador e ex-presidente da Associação Brasileira de Agências Digitais (AbradiRS) em duas gestões. Presidente do Conselho de Administração da Seekr de Blumenau e também sócio e membro do Advisory Board das seguintes empresas: Alright, MPQuatro, Delta, Zeeng, DEx01 e Minovelt. Foi eleito pela plataforma Proxxima um dos 10 profissionais mais inovadores do mercado brasileiro, em 2011. É professor do curso de Comunicação Digital da Unisinos e mestrando em Design Estratégico. Já trabalhou com estratégia digital para as principais marcas do mercado brasileiro incluindo Bradesco, Toyota, GM, Natura, Rio2016, Vale, Embraer, C&A, entre outras.

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