Querido Papai Noel da comunicação

Como sou uma pessoa muito precavida e preocupada com os ritos das festas de final de ano, já escrevi, nos últimos dias de novembro, uma cartinha bem meiga e afetuosa para o Papai Noel com pedidos totalmente particulares e pessoais. Acho, sinceramente, que, a despeito do meu excelente comportamento, dificilmente serei atendida nas minhas demandas, mas 'não tá morto quem peleia', ou melhor, quem tenta. Pois, às vésperas da comemoração de 24 de dezembro, quando aqui nestas terras o Natal é celebrado, pensei em escrever uma carta mais segmentada para o velhinho que habita o Polo Norte e, desta vez, pedir umas coisinhas, nada assim tão complicado, para melhorar o cenário da comunicação social. Sei lá, vai que o Noel percebe que a situação deste mercado está mesmo em maus lençóis e dá uma ajudinha.

Quem sabe o Papai Noel consegue iluminar a mente dos empresários do setor da comunicação no Rio Grande do Sul para que eles fechem o dissídio coletivo dos jornalistas em maio (se é que a tal reforma trabalhista permitirá) com um piso mais digno para os bravos e bravas jornalistas deste Estado? Porque, convenhamos, é ultrajante que a categoria receba um piso para quem trabalha na capital de R$ 2.350,42 e, para quem trabalha no Interior, de R$ 2.001,45. E uma vez que pedi um pouco de luz, não custa solicitar que seja direcionada para a direção da maior empresa jornalística do RGS que rompeu com uma das cláusulas do Acordo Coletivo de Trabalho e deixou de repassar a taxa negocial, o que gerou um rombo superior a R$ 160 mil nas finanças do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul.

Podia o velhinho do Polo Norte estancar um pouco as demissões crescentes nos veículos de comunicação do Estado. Independentemente do motivo alegado pelo empregador para dispensar. É mandado embora o repórter com quase 30 anos de casa sob a alegação de que vai dedicar-se a projetos pessoais. Mentira feia e uma das mais usadas pelas grandes empresas. É demitida a apresentadora de televisão que apresenta um peso um pouco acima dos padrões televisivos com a desculpa de que irá atuar em outro setor. Mentira deslavada. Não raro, a apresentadora inicia uma carreira na emissora concorrente. É dispensado o repórter fotográfico que ousa, vez ou outra, emitir opinião política nas redes sociais. É afastado o editor com um salário mais alto e contratado um com menos tempo para a mesma função. E segue a dança das cadeiras.

Compreendo perfeitamente que cabe à iniciativa privada a decisão de demitir, mas vai que o Papai Noel consegue jogar o pó de felicidade que move a confraternização natalina nos donos da comunicação gaúcha e, com isso, estagnar um pouco essa sangria de demissões. Não custa acreditar. O Papai Noel podia aproveitar e estacionar seu trenó puxado pelas renas lá na frente da Fundação Piratini, no prédio que abriga a TVE e a FM Cultura, ameaçada há um ano de extinção pelo governo de José Ivo Sartori, e despejar um pouco de esperança nestes heroicos trabalhadores e trabalhadoras que resistem desde então, vivendo no cenário da instabilidade de uma administração que não valoriza a comunicação pública e a cultura local.

Penso que tem lugar naquele saco de presentes que o Papai Noel carrega arduamente nas suas costas cansadas pela idade alguns itens que poderiam melhorar sensivelmente o produto que as empresas de comunicação entregam ao leitor e ao ouvinte do Rio Grande do Sul. É urgente mais cuidado no momento crucial da hora da edição dos jornais impressos. Sem falar na reportagem, é claro. Assim, o leitor não teria que ler palavras repetidas nos títulos, nem catar, no meio do texto, quando o essencial é ter a informação no lead, onde ocorreu tal evento, como, quando e tal e tal. Nem o leitor seria erroneamente informado que o concorrente do The Voice cantou a música "Qua, quara, quaquá, quem riu", da Maria Rita, quando o nome da música é "Vou deitar e rolar" e a autoria é de Baden Powell e Paulo César Pinheiro.

Seria interessante que o Papai Noel inspirasse também os donos das rádios a contratar redatores mais qualificados para escrever os noticiários das emissoras. Num correspondente das 12h50, num dia qualquer de dezembro, o locutor leu: "presidente Temer anunciou a criação para criar". Juro, por Deus, pelo sangue de Jesus, por São Francisco de Assis e todas as reencarnações de Allan Kardec.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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