Receitas do nº 10

"Atrás de um grande comilão, há sempre uma grande cozinheira."

Clementine Churchill

Um livrinho despretensioso apareceu nas listas dos best-sellers do New York Times e do The Guardian. Mais uma publicação que se ocupa de  uma das legendas da história contemporânea - o ex-primeiro ministro Winston Leonard Spencer-Churchill. Mas o livro não se dedica sobre sua fulgurante carreira política, nem sobre os charutos que fumava ou sobre champanhe favorita. Simplesmente reproduz seus pratos prediletos, que eram preparados carinhosamente por Georgina Landemare, a chef que cuidava da cozinha da Downing Street 10, durante os anos de 1940 a 1955.

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É uma leitura no mínimo, apetitosa. Churchill's Cookbook nos abre uma visão inédita da intimidade do grande estadista, que enquanto tentava manter a moral dos britânicos perante a ameaça nazista, dedicava tempo e apetite para degustar os requintados pratos preparados por Georgina Landemare. Ela não era apenas responsável pelos jantares formais oferecidos a estadistas e membros do gabinete. De sua cozinha saiam deliciosos bolos de frutas, fornadas de delicados biscoitos, sem falar nas reconfortantes sopas com que o Primeiro Ministro encerrava suas noites, entre goles de Johnny Walker Red e baforadas de puros de Havana.

Após a guerra, Winston Churchill declarou que teria sido impossível sobreviver à Batalha da Inglaterra - quando a Luftwave despejava suas bombas sobre Londres - sem as sopas e as costeletas de carneiro de Ms. Landemare.

O grande líder e estrategista político foi uma das vozes solitárias a alertar o mundo sobre a corrida armamentista que acontecia na Alemanha antes de 1940, quando a política na Europa e Estados Unidos era francamente pacifista. Mas o "Leão Britânico" sabia conservar o humor mesmo nas horas mais negras do conflito. Após reuniões com aliados e adversários políticos, promovia prolongados e refinados jantares, invocando uma fé hedonista:

"- É impossível ganhar a guerra de estômago vazio."

Mesmo durante as históricas conferências de Teerã e Yalta, Churchill aproveitava as refeições privadas para negociar estratégias com os líderes mundiais. Sempre que possível, se fazia acompanhar da fiel Georgina Landemare, pois desconfiava de toda culinária que não fosse a francesa. Ela havia sido contratada por sua mulher, a Baronesa Clementine Spencer-Churchill, que a recebeu no primeiro dia de trabalho com uma simples instrução:

"- Meu marido gosta de um bom jantar. É preciso alimentá-lo bem para que se sinta feliz. Sua felicidade é importante para o futuro do Reino Unido."

Churchill's Cookbook lista 250 receitas originais de Georgina Landemare, com entradas, pratos principais e as sobremesas que eram servidas a Winston Churchill. Está destinado a ser um sucesso de vendas, como acontece com tudo o que é publicado sobre o "Leão Britânico". O apetite de Churchill pela comida era lendário. Dizia:

"Tenho gostos muito simples, me contento simplesmente com o melhor."

Par seu desjejum matutino, Georgina Landemare peparava ovos fritos com bacon, salmão fresco, torradas com geleia de cereja negra, café com grãos da Jamaica e uma taça de champanhe, sempre da marca Pol Roger. Churchill apreciava pratos ingleses tradicionais, como o guisado irlandês e o Rosbife com Pudding de Yorkshire, que era obrigatório nos almoços dominicais. Também gostava do queijo Blue Stilton, famoso por sua consistência cremosa e suas veias azul-esverdeadas.                            

Sua segunda preferência era a culinária do outro lado do Canal da Mancha. Tinha um fraco pelos crustáceos e peixes da costa normanda e pelos pratos típicos da Borgonha: Tournedos com Cogumelos, Coq au Vin e Blanquette de Veau. A chef Georgina sabia de suas predileções e se especializou em iguarias gaulesas, como as Batatas Anne, o Consomê de carne de porco com pepinos e o Souflê de Queijo Camembert.

A lealdade à champanhe Pol Roger acompanhou Chuirchill durante toda sua vida. Ele homenageou a titular Madame Odette Pol Roger de maneira singular, emprestando seu nome à uma égua puro-sangue. Segundo as más línguas, Odette teria sido sua paixão secreta. A casa de Épernay retribuiu a devoção lançando em 1984 o champanhe brut datado Pol Roger Sir Winston Churchill, até hoje uma raridade disputada em leilões.

Na noite de 14 de outubro de 1940, o primeiro-ministro britânico quase morreu junto com Georgina Landemare, durante um bombardeio alemão. Com a Luftwafe encobrindo os céus de Londres, Churchill correu à cozinha para convencer a cozinheira a abandonar o Pudding de Yorkshire que preparava e se abrigar no abrigo subterrâneo. Poucos minutos depois, uma bomba destruiu completamente o local onde se encontravam. Acredita-se que a perda da cozinheira teria sido uma tragédia para Winston Churchill. E um mau augúrio para a Grã-Bretanha.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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