Reflexões sob a ditadura da toga e da touca ninja

Diante dos graves e grotescos acontecimentos da semana passada, quando o Bananão parece ter sido mais Bananão que nunca, comecei a me incomodar com este nome, Bananão. Não é que o Bananão não mereça as piores coisas que a gente possa dizer sobre ele. Não, não. É que o aumentativo parece nos botar no topo da lista da injustiça e do ridículo. Sim, tipo medalha de ouro em matéria de canalhas e bufões.

Certo que estamos numa fase sensacional. Se não fossem o Trump na terra dos gringos e a ressureição de Berlusconi na Itália, poderíamos vestir a camisa amarela e ir bater panela na rua de pura alegria por nossas glórias. Na hora do automenosprezo o bananense prefere não se informar. É que se informar dificulta a idolatria da pátria dos outros.

Como disse na primeira vez que chamei o Bananão de Bananão, quem inventou o apelido foi o Ivan Lessa, num momento de alto nível de deboche. Em meio a tantas republiquetas bananeiras, nós somos a maior ou não? Acho que o Lessa pensava na extensão territorial, porque ele conhecia de sobra a escrotidão das demais. Mas, claro, o Lessa estava brincando com essa mania de grandeza do bananense: nossas mulheres são as mais bonitas, nosso futebol é o melhor, nossa corrupção é a mais hedionda e nossa goiabada é a verdadeira ambrosia dos deuses. Só nós temos jabuticaba e butiá, só nós temos a palavra saudade. Enfim, Deus é bananense.

O vira-lata, como tudo, tem dois lados: é o melhor e o pior. Daí que o aumentativo pode ser o suprassumo do desprezo e o orgulho de ser a escória da terra. Menas, Bananão, menas.

Qualquer pessoa razoável sabe que país nenhum tem o monopólio da violência e da escrotidão. Mas, incrivelmente, algumas dessas pessoas razoáveis pensam que alguns países têm o monopólio da honestidade e da seriedade.

Conheço muita gente que acha que os Estados Unidos, por exemplo, são a filial do paraíso. Basta você assistir a alguns episódios do programa do John Oliver, Last week tonigh, pra você ver políticos e comentaristas políticos tão cretinos e fascistas como os nossos, às vezes, até piores. Mas isso não é nada comparado com uma grande parte da população satisfeita e até mesmo orgulhosa de ter a vida determinada por uma dúzia de grandes corporações, a fabricante de armas sendo uma das primeiras.

Bush e Trump são a prova de que bufões limítrofes podem surgir em qualquer lugar dito civilizado. Mais: provam que a pose dos brancos de olho azul de estarem acima do ridículo não tem fundamento. Como se a gente precisasse de provas depois de Hitler. Só porque Hitler carrega nas costas alguns milhões de pessoas chacinadas não anula o fato de que era um personagem caricato. Mas, na hora de fazer piadinhas, é mais fácil pegar no pé de um Idi Amin. Afinal é só um preto selvagem lidando com outros pretos selvagens. Nessas horas ninguém se lembra que a Alemanha que caiu de quatro pro Hitler era quase cem por cento alfabetizada e oficiais da SS ouviam música clássica e liam Goethe, Schiller e Nietzsche.

Na verdade me preocupo mais com governantes simpáticos e discretos, de seriedade comprovada. Governantes que são tratados como heróis pelos historiadores. Veja o Henry Truman, veja Churchill, pra não irmos muito longe. Dois genocidas. Mas quando você fala em genocídio o pessoal só lembra dos Maos e Stalins da vida.

Muitos países que hoje estão na boa fazem de conta que não têm um passado de miséria, corrupção, sangueira e ridículos. Também fazem de conta, ou vai ver acreditam mesmo, que estão a salvo pra sempre. Mas. Nos países nórdicos, talvez os mais organizados e coisa e tal atualmente, se vê o ressurgimento de supremacistas brancos vociferando. Sim, mau sinal. Mas não é mau sinal que a grande corrupção, aquela que foi legalizada sob o uniforme de camuflagem do mercado livre, continue agindo por lá? Pior, seja justamente quem ameaça o equilíbrio duramente alcançado? Lá, a grande corrupção não é escancarada como a do Bananão, claro, nem chega perto dos mesmos níveis de impiedade - não foi a troco de nada que aqui se alforriou os escravos pra se melhorar o desemprenho da escravidão. Mais, eles conseguiram dar a volta no corrupto do varejo, tipo Temer e seus asseclas, o que acalmou a classe média. Considerando-se o prontuário da raça humana, é um grande avanço, não é mesmo? Espero que o Bananão chegue a algo parecido, mesmo que seja séculos depois de eu ter batido as botas.

Alguém pode estranhar que eu venha dizer essas coisas justo agora, quando a ditatura da toga e da touca ninja da federal soltou a franga de vez. Acho que a gente sempre deve apostar na lucidez. Se é mais difícil nos momentos de crise, mais razão pra se dobrar a aposta. Se acertamos ou não, são outros quinhentos.

Eu passei a adolescência sob a ditadura dos militares. Estou ressentido até hoje por tudo que perdi. Agora essa. É foda. Mas o pior é que os patrões dos militares são os mesmos das togas e toucas ninjas.

Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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