Retiros

Caso haja alguém que a esta altura da batucada ainda não saiba onde se meter para fugir do ziriguidum, eis umas sugestões.   Retiro …

Caso haja alguém que a esta altura da batucada ainda não saiba onde se meter para fugir do ziriguidum, eis umas sugestões.  
Retiro espiritual - Bem-aventurados os espiritualizados, deles é o reino da ausência durante o tríduo momesco. Venturosos sejam os espirituosos, que se divertem sem depender de abadás, camarotes, transmissões televisivas etc. Desventurados sejam os espíritos-de-porco, para que possam se confinar entre si, bem afastados dos demais retirantes. Convém lembrar que o melhor retiro espiritual (beneficia tanto quem vai quanto quem fica) são as viagens extracorpóreas.
Retiro corporal - Um dos mais difíceis de realizar: há gastos com passagens e hospedagens para largar o corpo longe das sapucaís da vida. Em muitos casos o corpo segue, mas o pensamento não o acompanha, fica saracoteando em clubes e blocos de rua, o que atrapalha bastante o retiro. Saída extrema porém eficaz é recorrer a uma remoção com a ajuda do IML.
Retiro social - Adequado aos antissociais, que só causam confusão e desavenças na folia. Também convém aos doentes do pé, desafinados e todos aqueles desajeitados que podem tirar pontos das escolas de samba na avenida. Indicado, sobretudo, a quem sofre de antropofobia e demofobia.
Retiro cultural - Para quem quer distância de temas-enredos históricos, para os que padecem com teses sociológicas sobre o Carnaval. Recomendado ainda para aqueles que nessa época não têm mais saco para as pautas recorrentes sobre o entrudo e outras manifestações do folclore brasileiro, argh!
Retiro material - Neste retiro, quem sai de circulação é o dinheiro. Basta deixar seu money quieto onde está - no bolso, na carteira, no banco, na poupança, em aplicações - que você vai usufruir de um enorme bem-estar, esteja onde estiver. É impossível se envolver com o Carnaval sem alguma grana. Bem, só funciona com quem tem gigantesca força de vontade, isto é, quase ninguém.

Retiro verbal - O truque é adotar a mudez em todo o período festivo. Com esse comportamento anti-carnavalesco, a pessoa acaba rejeitada em qualquer grupo cantante e dançante. Assim isolado, o retiro garante paz mesmo em meio à zoeira. Imprescindível um par de protetores auriculares, claro.
Retiro ambiental - Dos mais simples de participar: da sexta-feira de Carnaval ao sábado de aleluia, os retirados se ocupam somente com a tarefa de despoluir o ambiente ao seu redor. Remover monturos na periferia, catar detritos no Arroio Dilúvio e limpar córregos, desobstruir bocas de lobo dos entulhos etc etc etc, são ações que farão esquecer completamente o repicar dos tamborins, o rebolado das peladas nos carros alegóricos, os bailes e as marchinhas etc etc etc.
Retiro fantasioso - Sem sair de casa, sem se afastar da barulheira infernal destes dias, imagine-se num retiro longe deste insensato mundo. É uma fantasia poderosa. O problema é que exige baita imaginação, enquanto o Carnaval já não requer nenhuma.



Este Carnaval não vai ser igual

àquele que passou. Confiram no HPS, nas delegacias e funerárias.



 
Em homenagem ao adorado amigo Carlos Urbim, raríssima pessoa, que nos deixa cedo demais e abre um rombo em nosso peito, republico abaixo txt duma coluna de  2009, aqui mesmo na Coletiva.net:
 

CARLOS URBIM.

UM PATRONO COMO NENHUM OUTRO.


 
Depois de tantos anos de mesmice patronal, num longo rol de figuras taciturnas e solenes, posudas e discursivas, acaba de ser lançado, nesta edição de 2009, o Padrão Urbim de Patrono da Feira do Livro. Finalmente um patrono que a gente sabe que adora ler, que a bagagem intelectual está na cara e mesmo assim não soa empostada, que é evidente que tem prazer em escrever, que consegue entusiasmar leitores por ser acessível a todos, que acrescenta energia ao dia a dia de um evento já energizado, que empolga pela sinceridade com a vida, que humaniza o negócio e o mercado livreiros, enfim, alguém que de fato faz por merecer essa efêmera homenagem sob os jacarandás. Claro, tudo isso, lá nele, é o Urbim de sempre e de todas as circunstâncias - o jornalista, o professor, o escritor, o comunicador, o amigo - e não uma atuação premeditada, momentânea. Daqui em diante, vai ser difícil manter esse espontâneo e arrebatador padrão, o de um cara adorável que deixa um rastro contagiante por onde passa, a validar a literatura e a leitura pela simples presença entre as barracas e o envolvimento natural com o público. São raros os Urbins. Mas pelo menos já fica uma referência indiscutivelmente singular para as próximas escolhas, em edições vindouras. Quem sabe essa esfuziante marca registrada do 55º patrono fica como um pré-requisito para futuros candidatos? O Carlos Urbim é o Vicente Rao da festa da Feira, o Rei Momo do Livro. Pelo brilho no cargo, merecia reinado vitalício.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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