Savonarola

Quando Lorenzo de Médici, celebrado pelo título Lourenço, o Magnífico, pressentiu que a morte estava chegando, mandou chamar Girolamo Savonarola e lhe pediu que …


Quando Lorenzo de Médici, celebrado pelo título Lourenço, o Magnífico, pressentiu que a morte estava chegando, mandou chamar Girolamo Savonarola e lhe pediu que administrasse os últimos sacramentos. O frei dominicano aceitou, desde que Lourenço cumprisse três exigências. O diálogo entre o poderoso príncipe florentino e o implacável Reformador poderia ter sido assim:
Savonarola: "- Primeiro, deves te arrepender de verdade de todos os pecados. Concordas?"
Lorenzo: "- Sim, concordo."
Savonarola: "Segundo, deves renunciar à tua fortuna e todos os bens materiais. Concordas?"
Lorenzo: "- Sim, concordo"
Savonarola: "Terceiro, em nome dos Médicis, deves renunciar ao todo poder político sobre Florença e permitir que a cidade se torne uma república democrática"
Lorenzo: "- Não, não concordo"
Desafiado, Savonarola retirou-se, recusando conceder os sagrados sacramentos ao moribundo Lorenzo de Médici.

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Girolamo Savonarola foi um fanático puritano que se transformou em ditador moral na Florença do século XIII. Estudioso de Aristóteles e São Tomás de Aquino, percorreu a Itália causando forte impacto com suas pregações. Na cidade de Brescia, seu sermão sobre o Apocalipse de São João deixou a população à beira do pânico diante da iminência do Fim dos Tempos. Como prior do tradicional convento de São Marcos, logo se fez notar como orador e pregador inflamado. E promoveu mudanças na vida dos mosteiros da Toscana, exigindo obediência aos votos de pobreza e de estudo dos textos bíblicos. Suas ideias ganham adeptos - o número de monges em São Marcos passa de 50 para quase 250, incluindo jovens pertencentes às grandes famílias florentinas.
Era um visionário, obcecado com as fraquezas humanas e convencido que a ira de Deus estava prestes a desabar sobre a Terra. Denunciou a obra de Boccaccio e criticava a cultura humanista da Renascença Italiana. E, à medida que sua oratória empolgava os florentinos, proibiu festivais e os tradicionais carnavais na cidade, criando em 1497 a instituição da Fogueira das Vaidades, onde eram incineradas estátuas pagãs, pinturas de nus, livros obscenos, máscaras de carnaval, espelhos, roletas e cartas de jogar. Não por acaso, Savonarola criou inúmeros inimigos entre os poderosos da época. Entre eles, o temível cardeal Rodrigo Borgia, depois papa Alexandre VI, que tinha incontáveis motivos para se sentir incomodado com as denúncias do dominicano sobre os excessos da Igreja, como: apego aos bens materiais, luxúria, frivolidades e extravagâncias. E logo o conflito se instalou, na medida em que os ataques de Savonarola incomodavam a Curia romana. Em julho de 1495, uma bula papal ordena que vá a Roma se defender diante do trono de São Pedro. Ele se recusa, sob a alegação de problemas de saúde e ameaças contra a sua vida. Então é proibido de pregar e o monastério de São Marcos volta à congregação da Lombardia, retirando a autoridade eclesiástica e o púlpito de Savonarola. Inconformado, ele se dirige aos seus seguidores:
" - Quem tentar me condenar, estará condenando a Deus"
Mas a própria Florença, que acolheu e elevou Girolamo Savonarola à grande líder religioso e reformador, logo será palco de sua ruina. No Domingo de Ramos de 1498, o convento de São Marcos é atacado por uma multidão enfurecida e Savonarola é preso pelas autoridades, juntamente com dois de seus mais ardentes seguidores, Fra Salvestro e Fra Dominico da Pescia. Acusados de heresia, são cruelmente torturados e entregues aos emissários papais chegados de Roma, ao vigário-reitor dos dominicanos e ao bispo de Ilerda.
Os inquisidores anunciam que Florença vai assistir a mais espetacular Fogueira das Vaidades. E, na manhã de 23 de maio, uma multidão acorre à Piazza della Signoria, onde três forcas aguardam, cercadas por pilhas de lenha. Salvestro e Domenico são os primeiros a serem executados, estrangulados lenta e penosamente. A seguir, Girolamo Savonarola sobe as escadas e assume seu lugar entre os dois. O carrasco ateia fogo à pilha de lenha, mas quando as chamas atingem o corpo de Savonarola, vê-se que sua mão direita se movimenta entre a fumaça, como que abençoando a multidão enfurecida, que grita, dança e joga pedras nos condenados. O pouco que restou dos tres dominicanos foi jogado nas águas do Rio Arno.
Girolamo Savonarola tinha 45 anos de idade e seus escritos e sermões são incluídos no Index Prohibitorum, onde permaneceram por quase 300 anos. Reabilitados posteriormente, muitos deles podem ser lidos na Biblioteca Medicea Laurenziana, que fica a menos de 800 metros do local da execução. Entre os mais famosos, "Triumphus Crucis de fidei veritate", onde o frei fazia uma fervorosa defesa da cristandade, um tratado sobre a fé, "Dialogo della veritá" de 1497, escrito pouco antes de cair em desgraça, além dos 15 sermões que incendiaram a Itália do século XV.
Mas Florença preserva algo mais da memória de Girolamo Savonarola: quem tiver curiosidade, em plena Piazza della Signoria, diante da fonte  de Netuno, vai encontrar uma pequena placa de mármore. Ela marca o local exato da fogueira acesa naquele fatídico dia de maio de 1498.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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