Sejamos radicais

Por Marino Boeira

Estou escrevendo essa coluna às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial, torcendo para que o segundo turno possa ser decidido entre Haddad, em que vou votar, e Bolsonaro.

Isso, que uma parte da elite intelectual brasileira e mesmo aqueles que se intitulam da esquerda democrática, lamentam, é a única alternativa para que o Brasil se resolva como nação: o início da polarização entre dois grandes projetos, o que defende a submissão do País aos interesses econômicos internacionais e o que luta por uma sociedade baseada na justiça social, integrada à comunidade latino-americana.

Não estou pregando nenhuma luta revolucionária - pelo menos não agora -, mas sim, uma divisão mais clara dos campos políticos do País.

O professor e filósofo Vladimir Saflate tem chamado a atenção para o fato de que a derrocada do projeto reformista do PT em 2013 aconteceu porque a direita foi a única força política que teve capacidade de mobilizar importantes segmentos da classe média para vir às ruas, enquanto a esquerda, principalmente aquela que se abriga sob o PT, se omitiu.

Saflate dá um exemplo histórico de que a radicalização em polos opostos é a única maneira de equilibrar forças e estabelecer um espaço para que a vida política prospere: a chamada Guerra Fria permitiu que os dois modelos em oposição tentassem conquistar seus adeptos pelo proselitismo político, tolerando apenas guerras localizadas e não um grande conflito mundial que ameaçasse a própria existência da humanidade.

Se após a Segunda Guerra a União Soviética não tivesse surgido como uma formidável máquina militar, os Estados Unidos teriam estabelecido seu poder sobre o mundo inteiro, como fez sobre as áreas sobre a sua influência, como foi o caso da América Latina.

Hoje, essa política de contra pesos, que se fez no passado, principalmente pela força militar, e se traduz mais claramente na guerra comercial entre Estados Unidos e China, o que, apesar de tudo, assegura a relativa paz em que vive o mundo.

O Brasil precisa se equilibrar também entre duas forças políticas opostas, até que uma delas tenha condições de se impor, rompendo a política de pactos que permeia nossa história.

Não tenho nenhuma certeza de que Haddad, se vencedor, terá condições políticas e mesmo vontade para avançar no projeto inacabado de Lula e Dilma de conquistas sociais ou, como fez seu mestre, se curvará à necessidade de pactos de não agressão com o centro e a direita.

De qualquer maneira, é uma nova oportunidade de oferecer ao povo brasileiro uma possibilidade de escolha, fugindo dos pactos que sempre deixaram por fazer a verdadeira revolução brasileira, seja a burguesa e nacionalista, seja a utópica revolução socialista.

Nossos grandes momentos históricos sempre foram obscurecidos por pactos impostos pelos mais fortes, para impedir que os processos de ruptura se consumassem.

A independência nasceu de um acordo entre Portugal e Inglaterra, pelo qual pagamos dois milhões de libras esterlinas para que a corte de Lisboa aceitasse a independência, dinheiro que a Inglaterra emprestou. Ou seja, um arremedo de independência, que transformou o príncipe português em nosso rei e fez com que o Brasil já nascesse endividado.

A libertação dos escravos, mesmo com todas as lutas dos negros, veio como uma graça da princesa branca.

Os 15 anos de governo de Vargas, de 30 a 45, que deveria significar uma ruptura com a República Velha, embora tenha avançado na formação de uma burguesia industrial, precisou de muitos acordos com as oligarquias, principalmente paulista para se manter e, mesmo assim foi derrubado a pretexto de uma democratização do País.

A única grande oportunidade de uma ruptura com o modelo entreguista vigente desde 1945, o movimento cívico-militar da Legalidade foi perdida novamente por um acordo envolvendo Tancredo, Jango e os militares fascistas.

O golpe de 1964 e seus governos ditatoriais nunca tiveram a unidade ideológica que pretendiam. Segmentos nacionalistas e pró-americanos travaram uma luta surda durante quase 20 anos, sufocada por acordos e mais acordos.

O fim da ditadura escancarou outro pacto - a anistia - que colocou no mesmo saco torturados e torturadores.

Fomos incapazes de nos aproximar, ao menos do que fizeram com seu passado, a Argentina, o Chile e o Uruguai.

Depois disso, o grande e definitivo pacto sobre o qual ainda estamos, a Constituição de 1988.

Dentro dela vivemos os últimos 30 anos com um razoável espaço democrático, que agora começa a mostrar sinais de cansaço.

É preciso reformá-la, todos os concordam.

O que nos divide hoje é o que reformar.

Os que, como nós, à esquerda, defendem o aprofundamento das conquistas sociais, precisam estar fortes para se impor, na luta contra a direita, cada vez mais organizada.

Por isso, vejo um futuro de lutas políticas e não mais de acordos.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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