Telepat ? folder turístico

Divertida regiăo, onde se chega sem partir e de onde só se volta se se pensa que năo se retorna. Os contatos se sucedem, …




















Divertida regi?o, onde se chega sem partir e de onde só se volta se se pensa que n?o se retorna. Os contatos se sucedem, à base de fruiç?es fugidias, enquanto o passaporte é carimbado, impress?es impressivas e imprecisas, e vai-se ficando por lá.

Quando nítidas, descortinam-se paisagens convidativas: vê-se o outro
na mesma cena em que estamos. Pingos daqui sincronizam e sobre a holografia imaginada desaba torrencial dejà vu. Em dias luminosos, Telepat emite closes dourados da cútis do outro, reflexo do solárium do lado de cá. A graça de freqüentar Telepat, em aproximaç?es entre recém-conhecidos, é o festival de besteiras desencontradas. As coordenadas, em ambos os visitantes desse maravilhoso território inexistente, nunca coadunam, e daí se estabelecem os desajustes mais que necessários à manutenç?o do sincronismo.


Pessoas que se infiltram sem querer em Telepat relatam que, assim, usufruem dos efeitos do lugar muito melhor do quando querem por que querem ter acesso à localidade mágica. Telepat produz alucinaç?es variadas, dependendo da capacidade de suspens?o da descrença ou do sucesso com a falta de lógica. Escutar alguém dá direito a convênio impronunciável. Sintonizar pensamentos leva pessoas distantes a se situarem ilusoriamente em âmbitos próximos, descascando frutos fora de estaç?o ou ouvindo poemas que ainda nem foram escritos. Também s?o descritas vis?es claríssimas de endereços n?o sabidos, ecos de diálogos de dupla origem fictícia e menç?es a cheiros ardentemente pressupostos.


Quem tenta visitar Telepat por auto-sugest?o enfrenta congestionamentos, que nunca levam a ela, aliás. Quem se desloca na direç?o de Telepat por insinuaç?o de terceiros, tangencia a trilha que parece que talvez passe perto de um rumo que, suspeita-se, quem sabe possa se assemelhar a uma vaga idéia de contato extra-corpóreo. Ou nada disso, que é o atalho perfeito para Telepat. Recepç?o e transmiss?o lá s?o incontroláveis, e por isso mesmo acontecem as sinapses involuntárias que conduzem a trechos assombrosos, pleno de vislumbres das figuras pensadas, antevistas nas fímbrias das penumbras produzidas por alfombras. Um deslumbre.


Há de tudo igual a tudo aqui lá em Telepat. Na hora de céu azul ou céu estrelado, idem um, ibidem outro. Pessoas sem bichos de estimaç?o sentem bichanos roçarem as pernas, ou trinados intra-paredes. Músicas favoritas reverberam nos confins opostos em busca de reconhecimento auditivo, ignorando o gosto, a ojeriza a decibéis, a duplicidade eventual de outros equipamentos ligados acolá. Sabores s?o servidos, independentemente se se combinam ou n?o refeiç?es e apetites dos turistas simultâneos. Ainda n?o se sabe se a delivery de iguarias metafóricas é ou n?o é possibilidade imaginária.


Em Telepat, absurdos e inconvenientes traçam cotidianos. Seres despertos contatam seres dorminhocos, e uns se transformam em pesadelos - ou sonhos - de outros. Mentalizaç?es em locais ou circunstâncias indesejáveis. Comportamento inadequado - gestos, palavras, intenç?es - causa espanto em corredores no lusco-fusco, em espelhos embaçados, vultos impensáveis em horas inadmissíveis. Os telefones tocam, e n?o é nem um dos dois pensantes, desconectando desejos. A telefonia em Telepat é um caso sério de insuficiência dos sentidos. Uma xícara de chá eleva seu calor, quase a formar iniciais. Mas, é apenas a síndrome da pareidolia. Há enganos que, na verdade, n?o s?o nada enganosos, pois contêm as sementes de lembranças que ir?o germinar na dispers?o da fixaç?o no outro.


Muitos mais fenômenos surgem e encantam ou enlouquecem os que pernoitam ou descansam em Telepat. Cada pessoa acumula sensaç?es que só s?o passíveis de descriç?o com vocabulário ininteligível. E a troca entre elas depende dum esperanto que só funciona durante delírio mútuo. Enfim, n?o há como ter certeza de quando nos encontramos em Telepat. Certo é, porém, o incerto: quando quaisquer duas pessoas n?o se impedem de pensar uma na outra, aí já é meio caminho andado para Telepat.


(A V., por inspirar sem querer)







DOS MAUS MODOS ÀS MÁS MANEIRAS.


Respeite o cerimonial.
Dê a ele sempre o mais alto nível de indiferença.


Se você quer mesmo ser contra o formalismo,
atenç?o: n?o o seja formalmente.


No jogo das aparências, ganha aquele que
aparenta mais aquilo que menos é ou vence aquele
que aparenta menos aquilo que mais é?


Vamos convencionar o seguinte:
chega de convenç?es!


Pessoas solenes deviam ser banidas da sociedade,
mas jamais através de uma solenidade.


Ar grave. T?o irrespirável quanto a gravidade
do ar que se respira.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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