Toró de parpite

Dizem que é assim que os caipiras chamam a prática do brainstorm. A tradução simplória não deixa de ter um fundo de verdade. Um …

Dizem que é assim que os caipiras chamam a prática do brainstorm. A tradução simplória não deixa de ter um fundo de verdade. Um brainstorm pode ser algo muito produtivo e gerar novas descobertas ou, dependendo dos participantes e da maneira que for conduzido, se tornar só isto: um toró de parpite.
Pois nesta seca terrível que assola o Rio Grande, encontramos uma chuva de boas iniciativas. A seca trouxe o desespero para agricultores e pecuaristas, que viram suas terras minguarem, bem como seus animais. Porém, como em tudo na vida, estão aparecendo coisas boas no meio das ruins.
A primeira delas, claro, é o sentimento de solidariedade do povo. Agricultores vizinhos, em que um está sem água mas o outro tem poço artesiano, dividem o pouco que resta (ao que parece, este cenário vai começar a melhorar com o final do verão, no dia 20 de março). Isto mostra que, em situações de grande necessidade, os seres humanos voltam a poder ser chamados desta forma: humanos. A solidariedade brota da terra árida. A grandeza do homem (espécie) viceja, como uma árvore irrigada no meio do deserto, num fenômeno semelhante ao da Rosa de Hiroshima.
Outra coisa boa surgida da desgraça da seca é a limpeza dos rios. Em Porto Alegre, no interior, em vários pontos deste estado, as pessoas aproveitam o baixo nível dos rios para retirar todo o lixo ali jogado (pela má educação e falta de consciência), que não é pouco. De outra forma, aquele lixo continuaria ali, poluindo nossas águas e matando peixes e toda a vida existente. Mais uma vez, as pessoas encontraram uma maneira de fazer algo útil e nobre, mesmo nestas trágicas circunstâncias. Do limão, a limonada.
Neste caso, da limpeza dos rios, é muito bom notar que as pessoas estão aumentando sua consciência de preservação ambiental. E aumentando muito mesmo. Aliás, a seca está servindo também a este propósito. Embora não se possa afirmar que esta seca foi originada pela destruição da natureza, por parte do homem (já que apareceram os registros de uma seca tão grave quanto esta, em 1943), há um pensamento no ar de que sim, nós somos os responsáveis e de que é preciso parar. Nem que seja para pensar um pouco.
Para finalizar, outro aspecto que considero positivo. Estamos sendo obrigados a nos deparar com nossa enorme fragilidade frente às forças da natureza. Já temos celulares, Internet, transplantes de órgãos, células-tronco, visitas à Lua, Marte, nos sentimos brincando de Deus. Mas a verdade é que ainda somos reféns indefesos quando o assunto é natureza. Ela faz o que quer, nós obedecemos. Ou tentamos. Recentemente, em dezembro, foram as ondas gigantes que nos mostraram isto. Agora, aqui mesmo, ao nosso lado, notamos que somos um nada em muitos momentos. Mas isto é bom, para que sejamos um pouco mais humildes e não achemos que nossas máquinas e descobertas, nossos laptops e aviões, nossa grana e nosso conforto tenham nos tornado deuses. Embora haja tantos que "se achem" por aí. Mas então somos obrigados a ver que este nosso poder é limitado. E muito.
Como se vê e se diz, sempre há um lado bom em uma dificuldade. Tentei mostrar que há, neste caso, mais de um. Isto não modifica a situação de angústia dos agricultores. Mas nos faz ter um pouco mais de otimismo, em tempos tão duros.
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