Um português que faz pensar

Por Cris de Luca

Normalmente, quando vou escrever a coluna tem algo na semana que me pegou de jeito e que preciso refletir sobre ou desabafar mesmo. Sim, algumas vezes uso esse espaço como terapia! Quem nunca, né? Tem hora que tem uma zilhão de assuntos em pauta, tem hora que parece que nada me faz escrever, nada dá quentinho no coração ou desassossega a alma. Ou a alma está tão ansiosa que não consegue aquietar para colocar para fora.

No meio dessa loucura toda que estamos vivendo no País, principalmente, no que está relacionado a parte política (nem é bom entrar em muitos detalhes, todos sabemos), ter sido convidada para estar na abertura da exposição Saramago: Os Pontos e a Vida, no Farol Santander, me aqueceu a alma. Fui encontrar eco em algumas formas de pensar nas palavras do escritor português, ganhador de um Nobel, comunista, ateu e o companheiro de Pilar del Río.

A mostra está incrível (não percam! fica até 29 de setembro), bem visual e parece que Saramago fala com a gente o tempo todo. Segundo o próprio curador Marcelo Dantas, essa é uma exposição "em primeira pessoa", até mesmo por ter sido elaborada usando objetos pessoais representativos do autor e recortes selecionados de horas de depoimentos gravados em vídeo durante os cinco anos em que o diretor Miguel Gonçalves Mendes o acompanhou rodando o que seria o premiado documentário José e Pilar.

Mas o que sempre me chamou a atenção no Saramago, além da sua forma peculiar de escrita, que algumas vezes faz a gente respirar mil vezes lendo um único parágrafo sem ter pontuação alguma, foi sua forma de pensar. Nunca achei que o jeito que eu pensava fosse tão parecido com o dele. Ainda mais nos últimos tempos.

Em um dos trechos de uma entrevista que o autor deu em Montevidéu, em 2003, que está na exposição, ele mostra a importância de questionar tudo que está posto, mesmo tendo uma posição política bem definida. Defender a liberdade de pensamento sempre foi algo caro para esse português (e para mim também). "Sou um comunista libertário, alguém que defende a liberdade de não aceitar tudo o que vir, mas que assume o compromisso juntamente com três perguntas que devem ser nossos guias de vida: Por quê? Para quê? Para quem? São essas as três perguntas básicas e, efetivamente, uma pessoa pode aceitar um conjunto de regras e acatá-las disciplinarmente, mas tem que manter a liberdade de perguntar: Por quê? Para quê? Para quem?".

Questionar, questionar sempre. Mesmo que já se tenha uma opinião pra lá de formada. Acho que foi uma das coisas mais importantes que aprendi na escola e na faculdade de jornalismo. A querer saber cada vez mais, principalmente, o motivo das coisas estarem como estão. Observar o que acontece ao redor e tentar interferir sempre que for possível e quando não parecer possível também. Exercitar o olhar e também a empatia. Talvez seja por isso que eu fique tão frustrada em voltar para minha cidade natal e ver muita gente que esteve na mesma sala de aula que eu, levando a vida sem questionar nadica de nada, nem mesmo levantar hipóteses distintas. Mas como diz o próprio Saramago: "somos muito mais da terra onde nascemos (e onde fomos criados) do que imaginamos". Eu continuo por aqui me questionando, algumas vezes até demais (ou não). Vai saber, né?

Uma certeza que Saramago, esse português incrível que nos deixou em 2010 e que faz pensar, me dá é que "a palavra mais necessária nos tempos em que vivemos é a palavra 'não'". E alguém discorda?

 

 

 

 

 

Autor
Jornalista, formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Marketing e mestre em Comunicação - e futura relações-públicas. Possui experiência em assessoria de imprensa, comunicação corporativa, produção de conteúdo e relacionamento. Apaixonada por Marketing de Influência, também integra a diretoria da ABRP RS/SC e é professora visitante na Unisinos e no Senac RS.

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