Um pouco do que aprendi com o processo de mudança

Por Márcia Martins

No meu quinto dia de moradora da Cidade Baixa, finalmente instalada no novo lar, que espia uma das ruas mais movimentadas do bairro, num pequeno, mas simpático, prédio, resolvi fazer um rápido balanço do meu aprendizado do processo de mudança. Quem sabe, posso repartir a experiência com alguns leitores e algumas leitoras. Pois, com esta expectativa humilde, de auxiliar aqueles e aquelas que, no futuro, necessitem trocar de endereço, opto por listar pontos que considerei positivos e negativos para ajudar na organização desta etapa tão desgastante de encaixotar, separar, rever, relembrar e, principalmente, desapegar de tudo: roupas, livros, CDs e DVDs, retratos, móveis e a mais infinita coleção de cacarecos.

Talvez porque tudo termine nos remetendo para um turbilhão de sentimentos que nem sempre queremos que troque conosco de endereço. Algumas emoções devem simplesmente ficar. Não precisam nos acompanhar em todo o lugar. Logo, o primeiro conselho ao revirar baús e gavetas a fim de organizar o que vai ou não para o novo lar, é se livrar de tudo, sem dó nem piedade, que pode continuar se associando a lembranças desagradáveis. E isto vale para roupas, livros, enfeites e não somente para as tais fotografias. Não tenha receio de picotar em vários pedaços o que lhe fez sofrer, o que causou raiva, o que provocou tristeza. Para que entrar já no apartamento ou na casa recém-escolhida com estes ranços do passado?

Uma orientação para quem se considera organizado (a) assim como eu pensava que era. Redobre, triplique, quadruplique e aperfeiçoe ao extremo o seu lado organizado e selecionador. Não poupe, por mais neurótico que isto possa parecer, a colocação de etiquetas enormes indicando o que está escondido naquele recipiente. Porque no primeiro dia de esvaziamento das caixas, depois que a empresa transportadora, por mais que seja eficiente, despeja tudo que você reuniu na sua vida inteira numa única peça do novo endereço, a gente tem uma dificuldade indescritível de encontrar justamente o que se necessita naquele momento. Onde está o remédio, o tênis mais velho, a roupa confortável ou o rádio portátil? Em que caixa? Em que embrulho?

No meu caso, como a operadora contratada só me brindaria com banda larga, televisão e fone fixo no terceiro dia após a mudança, preocupei-me em separar um som portátil com rádio AM/FM e CD Player para auxiliar, desestressar, me deixar conectada, ainda que em parte, com as notícias do mundo exterior, permitir ouvir uma música e relaxar. Seria uma opção para o final de semana até que a segunda-feira me trouxesse, de volta, as maravilhas televisivas, internéticas e afins. Ocorre que, sabe-se lá onde estavam os meus dois neurônios no final do empacotamento, quando tive tal ideia, que não coloquei junto o fio da energia elétrica do equipamento. Até tentei, desesperadamente, rasgar caixas onde ele pudesse estar. Mas foi tudo em vão.

Somente na tarde de domingo, após encontrar (ufa) a minha coleção de CDs da Elis Regina e do Chico Buarque, localizei solitário, desanimado e sem função, o tal fio elétrico do som portátil. Coitado, sem nenhuma companhia similar, ele penava numa sacola de viagem entre roupas, sapatos e enfeites de um armário da minha sala. E por que eu não coloquei o fio amarrado e enrolado no seu aparelho portátil? Sem resposta plausível para esta minha desatenção imperdoável.

E ainda, como conselho mais do que útil, mantenha até o último minuto a disposição de encaixotar CD com CD, DVD com DVD, livro com livro, roupa com roupa e produtos de uso pessoal com produtos de uso pessoal. Não ceda jamais à tentação, bem comum no final das etapas da mudança, quando o cansaço adormece qualquer sinal de bom senso e organização, de aproveitar aquele espaço que sobrou no compartimento das fotografias, por exemplo, para colocar aquelas echarpes e pashminas ou apoiar alguns livros ou DVDs. Com certeza, este pequeno descuido poderá lhe causar uma dor de cabeça insuportável.

Por fim, desenvolva junto com o dolorido, mas salutar, ato de desapegar, o verbo doar. Haverá sempre alguém precisando muito daquela panela que você nunca usou, daquela camisola que sempre ficou apertada, daquele sapato que sempre lhe machucou o pé. Não tenha vergonha (como eu tive algumas vezes) de informar que está doando, que o produto, item, roupa ou seja o que for, está em boas condições, apenas não lhe interessa mais, não ocupará mais espaço no seu roupeiro, não tem motivo para lhe seguir no novo endereço. Uma das lições mais lindas e enriquecedoras que aprendi nesta mudança desgastante foi o bem que faz uma doação. E nenhuma doação necessita aguardar uma mudança física ou emocional.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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