Yes, nós temos banana

As pessoas - acho que todas - estão permanentemente tentando mostrar para os outros à qual classe social pertencem, ou que, pelo menos, pretendem pertencer.

Uma boa maneira de mostrar isso para os outros, é possuir um carro de luxo ou uma mansão na Vila Assunção. Mais do que o conforto e a velocidade que o carro oferece ou o prazer de viver num lugar seguro e bonito, tanto um como outro, são sinais de distinção social.

Mas, essas formas explícitas de valor social não são as únicas.

Outras são mais sutis, mas, mesmo assim, tão importantes quanto às primeiras.

A linguagem, por exemplo.

Falar corretamente a língua portuguesa é algo que devia ser obrigatório para todos, mas falar de uma forma rebuscada tem outros significados.

Desde o Brasil Colônia que os bacharéis em Direito criaram a sua língua própria para se assegurar que - data vênia - o seu domínio sobre o latifúndio das leis não fosse invadido por alguns despossuídos desse saber.

Para isso, eles não se pejam de retirar do seu túmulo o velho latim e quando precisam dizer que alguém tem o direito de resposta, quando ofendido , falam em "jus responsun", ou será que até eu estou inventando uma nova expressão latina, como alguns gaiatos já fizeram, ao falar em "jus esperniandes", algo que nem o Ludus Primus, do Padre Milton Luís Valente registrava?

Mas como o Latim é a nossa língua mãe e todas as mães devem ser respeitadas (afinal, desde criança aprendemos que, numa briga, não se bota a mãe no meio), vamos falar de outra língua, que nem nossa irmã é, como são o espanhol, o francês e o italiano, e se intrometeu, sem pedir licença, em nosso dia a dia, o Inglês.

Em algumas profissões, ele se tornou dominante e as pessoas e entidades abusam do Inglês para tentar mostrar superioridade em relação aos que ainda, de forma atrasada, se expressam em português.

O "economês", língua falada por uma casta de especialistas é uma mistura de termos de significado obscuro, com o Inglês aprendido nos filmes de Hollywood.

Veja se, por exemplo, alguns nomes dessa lista que o mercado adora: break-even, budget, beach marking, crowfunding, business to business, chairman, CEO - Chief Executive Office, feedback, coaching, follow-up, turnover, headhunter, spread.

Caso você não saiba o significado de, no mínimo uma meia dúzia desses termos, você está por fora (out) da casta de eleitos que é capaz de comunicar nessa nova linguagem e possivelmente pertence a um segmento social inferior, segundo o padrão neoliberal de repartição das classes sociais.  

Mas de todas as especialidades técnicas, hoje em dia, é a publicidade a que mais abusa dos anglicismos. Empresas e pessoas buscam se distinguir do comum dos mortais, trocando os nomes que poderiam ser escritos em português - a mais bela flor do Lácio - pelo tosco inglês dos bárbaros saxões.

Assim, duas das principais agências de Porto Alegre se chamam Moove e Competence. Aliás, numa matéria sobre essa última agência, o site Coletiva.net fala que a agência se divide em oito setores, todos com nomes em Inglês: Competence - Hub Criativo; Sunbrand, consultoria estratégica; Comp, produtora audiovisual; TWF, agência digital; Brand Design, design visual; Stronger - live marketing; G Tech, tecnologia; e G-Data, data analytics.

E se você penetrar no mundo dessas agências de propaganda, que uma das suas profissionais mais qualificadas define como sendo, o "território da interruptividade e de uma intrusividade notável", verá que quase todos os trabalhos (Jobs) são movidos com termos em língua inglesa.

Assim, o profissional de advertising (propaganda), depois de receber um briefing (relatório) com o problema do anunciante, se reúne num brainstorming (literalmente, uma tempestade cerebral), com outros colegas, em busca do approach (linha de ação) adequado ao produto ou serviço. Mais adiante, na primeira etapa da criação de um anúncio, ele vai ter em mãos um rough (rascunho) que se transformará num layout, até que vire um spot (peça gravada de áudio) ou quem sabe, um broadside (folheto). Enquanto ele trabalha na peça, outros podem estar preocupados com o budget (orçamento) do cliente, a forma de pagamento, que pode ser um fee (percentual fixo), sem nunca esquecer o share of mind (o que as pessoas pensam sobre o produto) para poder definir corretamente o público alvo, o target. Se tudo der certo e os prazos forem cumpridos na hora prevista (deadline) a campanha de divulgação da marca (brad) pode se transformar num sucesso para a agência, capaz de ser colocado em seu portfólio como um belo case de advertising.

Mas nada supera um anúncio descoberto pelo Roberto Pintaúde e divulgado no nosso programa na WNews (olha o Inglês novamente) do Hard Rock Café, que vai abrir em Gramado, oferecendo vagas de emprego em sua nova filial. Imagino que o público de Gramado, habituado a viver numa cidade que cultiva a fantasia, vai entender que 'server' significa atendente do restaurante; que 'host' é recepcionista; 'cashier', operador de caixa; 'bartender', atendente de bar; 'retail sales associate', revendedor da loja; 'barbback', assistente de bar; 'cook' - cozinheiro e 'kitchman', assistente de cozinha.

Talvez, não fosse o caso de seguir o conselho de Nelson Rodrigues de que se deve falar patrioticamente mal a língua dos outros, mas bem que poderíamos respeitar a nossa língua e não usá-la como uma forma de distinção social e quem sabe, quando nos perguntarem se temos banana, cantar como Carmen Miranda quando disseram que ela voltara americanizada: "Eu digo mesmo eu te amo, e nunca "I love you"  / Enquanto houver Brasil  / Na hora da comidas Eu sou do camarão ensopadinho com chuchu.

Carmen, como diz na letra da música, apesar do sucesso em Hollywood, não se pretendia americanizada, ao contrário dos nossos publicitários, por exemplo, que adoram o inglês e sonham sair do Morro de Santa Tereza para trabalhar na Madison Avenue.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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