Márcio Neves: Vestindo a camisa

Há 19 anos no Grêmio, a trajetória do assessor de imprensa vem de berço

Créditos: Luciano Amoretti/Grêmio

De uma família gremista fanática, a história do menino Márcio Neves da Silva poderia ser igual à de muitos colegas do Colégio Anchieta, que passavam o intervalo jogando futebol. Ele, porém, preferiu montar uma rádio fictícia, a fim de narrar as jogadas dos amigos. O motivo? Além da paixão pelo Tricolor, carregava o DNA jornalístico. O avô, Adail Borges Fortes da Silva, foi secretário de redação do Correio do Povo e, por muitos anos, utilizou o pseudônimo 'Don Luis' para escrever sobre o Grêmio. Ele e o tio Clóvis Rezende são as maiores referências no ofício, com quem aprendeu muito sobre a profissão e, principalmente, sobre ética.

Com o Olímpico Monumental, antigo estádio do tricolor gaúcho, como sua segunda casa, além de jornalistas em quem se inspirar, não tinha como ter outra trajetória: Márcio completa 19 anos como assessor de imprensa do clube do coração. Ele, que até fez parte da equipe de futebol de mesa do Grêmio, hoje atua em uma posição primordial, a Comunicação. Ao longo dos anos, muitos foram seus gols - organizou a base do site, acompanhou o desenvolvimento das mídias sociais, aprendeu a trabalhar sendo repórter e cinegrafista ao mesmo tempo, além de abastecer o Guia da Partida (impresso distribuído em todos os jogos na Arena).

Confessa que a menina de seus olhos é a rádio iniciada na web e, hoje, graças a um patrocínio, é transmitida pelo 90.3 FM. Ele, que trabalha ao lado dos ex-jogadores e ídolos Carlos Miguel e Geraldo Pereira de Matos Filho, o Mazaroppi, teve a oportunidade de ser repórter na final vitoriosa da Copa Libertadores da América de 2017. O momento de maior satisfação da carreira foi também o que não segurou o controle emocional, que carrega nas quase duas décadas vividas dentro do clube. Mesmo conseguindo relatar os dois gols do Grêmio contra o Lanús, foi quando o juiz apitou que as lágrimas surgiram. Eram mais fortes.

Entre altos e baixos

Um dos ditados conhecidos do meio diz que "o futebol é uma gangorra, em um dia se perde e no outro se ganha". Desde 1999, Márcio viu o clube ser campeão da Copa do Brasil em 2001, mas também presenciou ser rebaixado em 2004. Por isso, o maior desafio profissional foi saber deixar a paixão de lado para trabalhar focado em resultados. Com os altos e baixos do time, amadureceu, pois foi obrigado a aprender a lidar com situações de crise. "Procuro sempre recordar do que passamos, para trabalhar tanto nos dias bons quanto nos ruins com a mesma postura", conta.

Outro desafio na carreira foi acompanhar a mudança que o Jornalismo teve na última década, com o surgimento da internet e das mídias sociais, aprendendo a gerenciar e produzir conteúdo para cada uma delas. Lidar com o torcedor, que possui um grau muito alto de exigência, além de ser a grande razão do seu trabalho, é outro ponto difícil.

Ainda que tenha muitos acertos, são dos erros que Márcio se recorda mais: foram eles que o tornaram um profissional cada vez mais capacitado, pois sempre está disposto a ouvir críticas construtivas. Dentre essas situações, está o Minuto a Minuto, que fez para o site institucional em um jogo entre Grêmio e Fluminense. Márcio escreveu que, após a falha de um zagueiro, a bola bateu na trave e o Grêmio acabou levando o gol. O presidente da época, José Alberto Guerreiro, o chamou e o advertiu salientando que não eram eles que deveriam falar que foi um erro.

Como esporte é diversão, o trabalho não poderia deixar o princípio de lado. Em um jogo na antiga casa do Tricolor, o Olímpico, o repórter correu para entrevistar o atacante Jonas, que fizera um gol, porém, como havia chovido, o tênis deslizou no campo molhado e Márcio chegou na frente do jogador de joelhos e com o microfone posicionado.

Mais do que um jogo

Seu hobby é conhecer estádios de futebol e, até o momento da conversa, havia visitado mais de 200. Outra diversão relacionada ao esporte é colecionar camisas de times. A soma, que já passa dos 580 itens, acumula a que ganhou do lateral-esquerdo do Grêmio Marcelo Oliveira, quando disputou a final da Recopa, em 2018. Além de adorar a rara camisa do colombiano Boyacá Chicó, tem um carinho especial pelas que ganha dos amigos jogadores. Os ex-gremistas Adílson Warken, Guilherme Biteco e Leonardo Lacerda, mais conhecido como Léo, foram alguns que enviaram o manto dos times pelos quais passaram.

Quando não está cobrindo partidas ou trabalhando na Arena, joga futebol com amigos e filhos - Martin, 14 anos, do primeiro relacionamento, e Pietro, oito anos, fruto do casamento com a esposa, a também jornalista Priscila Tescaro. Ainda leva os herdeiros para assistirem a jogos de outros times, até mesmo fora de Porto Alegre. O costume de acompanhar as partidas do Tricolor, o qual tinha com seu pai, o secretário do Sinduscon, Luiz Nei Rezende da Silva, normalmente não pode dar sequência, pois esta é a sua hora de trabalho. Por isso, desloca-se até Santa Catarina, por exemplo, para ter tais momentos com os meninos.

Mais do que trabalho, futebol é quase um vício (o que gera desespero na esposa), pois ele também assiste, nas horas vagas, partidas desde a Série C do Campeonato Brasileiro até a Champions League - principal torneio europeu. Adora conhecer times de diversos países, como a Índia, e, para isso, utiliza a ferramenta Periscope a fim de acompanhar por meio da perspectiva do torcedor, além dos vídeos serem mais leves. Surpreendentemente, atrações de TV sobre o assunto não o conquistam. "Não gosto de programas de debates porque eles falam mais do mesmo."

Além das quatro linhas

Márcio, que antes apreciava o surfe, mas hoje gosta somente de esportes relacionados ao futebol, como de mesa e futsal, acaba mostrando que nem tudo na sua vida remete a esse esporte. Além de passar um tempo com os filhos - Maria Eduarda, 18 anos, também do primeiro casamento, completa o time -, procura ler desde crônicas até ficção. O hábito, que traz até hoje devido ao incentivo da mãe, Juçá Neves, o apresentou ao mundo da literatura por meio de 'Operação Cavalo de Troia', de Juan José Benítez, sua obra favorita. O jornalista ainda lembra da última publicação que leu: uma biografia de Nelson Mandela, escrita por um autor do qual não se recorda.

Quando possui um tempo extra, ainda tenta assistir a filmes e séries. Contudo, como são raros esses momentos, diz-se perplexo por conseguir finalizar a obra com duas temporadas 'La Casa de Papel'. Eclético, revela que o gosto musical surpreende as pessoas. Desde o grupo dos anos 90, Polegar, até sertanejo, são vários os estilos que compõem sua playlist. Entretanto, o que faz seu coração bater mais forte é o rock argentino, com o qual teve a oportunidade, neste ano, de realizar um sonho. Márcio foi até Buenos Aires para presenciar o show de 30 anos de sua banda favorita da terra dos hermanos, a 'Attaque 77'.

O gosto pelo espanhol, que começou por causa da música - os pais sempre escutavam o vinil de Julio Iglesias -, o encorajou a viajar para a Espanha e fazer um curso do idioma. Neste período, fez um 'mochilão' pela Europa, onde conheceu lugares que carrega na memória até hoje, como a Hungria. Com gosto pela língua e por desbravar o novo, Márcio ainda morou na Costa Rica, quando ficou um mês descobrindo o país com um amigo que o abrigou sem ao menos conhecê-lo pessoalmente antes do jornalista embarcar.

Trajetória de conquistas

A infância, marcada por Grêmio e jogos de futebol com os amigos, ainda o proporcionou criar laços familiares muito fortes ao lado dos irmãos mais novos, Leila e Marcos. E, desde esse tempo, é reconhecido pelas paixões. Exemplo disso é que Márcio, que morava em frente ao colégio, quando encontra os ex-colegas e professores, sempre escuta a mesma frase: "Tu não poderias trabalhar em outro lugar".

No entanto, nem sempre o caminho foi trilhado para ser jornalista. Por um breve momento, tentou cursar Arquitetura, a profissão do pai. Ao não passar pela segunda vez em uma disciplina do primeiro semestre da graduação, acabou largando o curso logo no primeiro ano. Nesse mesmo dia, resolveu buscar o que sempre almejou: inscreveu-se no vestibular para Jornalismo. Foi assim que, em 1997, formou-se na Ulbra já atuando na profissão. Ainda estudante, foi estagiário da equipe de esportes da Rádio Gaúcha e, após, produtor de um dos programas gaúchos com maior audiência nos anos 1990: o Cadeira Cativa - no ar até hoje sob o comando de Luiz Carlos Reche. O jornalista Edegar Schimidt, então apresentador, ao perceber o seu talento e disposição, o presenteou com um quadro para entrevistar pessoas na rua, o Vox Populi.

Além da passagem pela TV Guaíba e pelo Grêmio, ainda carrega no currículo o cargo de assessor de imprensa de Ronaldinho Gaúcho por dois anos. Convidado pela irmã do craque, Deise Assis, com quem trabalhou no clube, passou a responder pelo ex-jogador atuando desde Porto Alegre às demandas da imprensa brasileira. Como o jogador estava no ápice da carreira, em 2005 e 2006, quando estava no Barcelona, o trabalho começou a pesar, e Márcio precisou abdicar, pois o Grêmio sempre esteve em primeiro lugar.

Bem-humorado, mas exigente consigo próprio, acredita que se colhe o que se planta. Por isso, faz questão de não se valer da instituição representada para pleitear conquistas, tanto no âmbito profissional como no pessoal. "Me dizem para fazer um livro sobre os bastidores, mas não aceito, pois sei que venderia por eu ser funcionário do clube", argumenta. E é por isso que o discreto e dedicado jornalista é reconhecido e permanece por tanto tempo no emprego de seus sonhos.

 

 

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