Marco Bocardi: Vontade e oportunidade

As dificuldades na infância e juventude não impediram que ele se tornasse chefe de reportagem da Record TV e professor universitário

Marco Bocardi - Divulgação

"Sou um vencedor e estufo o peito porque tenho orgulho da minha caminhada." A frase é dita logo no começo da conversa, quando, com voz calma e jeito sereno, Marco Bocardi relata sua trajetória. As dificuldades que permearam sua infância e juventude não foram um impedimento para que ele enxergasse as oportunidades e corresse atrás de um futuro diferente de seu passado. Hoje, aos 42 anos, é chefe de reportagem da Record TV e professor na Uniritter.

Marco, ou Marquito, para alguns, vem de uma família muito pobre, conforme suas palavras. Nascido em Gravataí, dividia uma cama de casal com a mãe, Lucinda, e os três irmãos mais velhos, André Luís, Adriano Augusto e Silvana. A mãe, que faleceu de câncer há mais de 20 anos, fazia faxina para sustentar os filhos. "Passamos muita necessidade e chegamos ao extremo de passar fome", recorda, complementando: "Eu era um invisível para a sociedade".

Inconformado com a situação, foi em busca de trabalho e estudo. "Se estava escrito que eu tinha que nascer pobre, ok. Mas se está escrito em algum lugar que tenho que morrer assim, vou lá e mudo, pois isso depende de mim", sentencia. Hoje, mora no mesmo lugar, no entanto, em uma nova residência. Solteiro, divide o lar com o irmão Adriano, que se separou e voltou para casa. Sem filhos, Marco se diverte com os sobrinhos e com as cachorrinhas de Silvana, resgatadas da rua.

Ao longo de sua trajetória, contou com a ajuda de algumas pessoas, as quais, segundo ele, serviram de degrau: "Não para pisar em cima, mas para ajudar a levantar". Esses "ajudantes" apareceram já na época da escola, de onde o hoje jornalista ia e voltava a pé. Sem dinheiro para comprar passagem de ônibus, às vezes ganhava carona de professores. Nessa época, trabalhava fazendo bicos como limpeza de banheiro e capina para os vizinhos.

O primeiro emprego de carteira assinada foi em uma fábrica em Gravataí, como auxiliar de limpeza e, logo que entrou, pensou no que poderia fazer para ascender. Já tinha em mente, mesmo sem saber, que queria atuar em algo relacionado à área da Comunicação, pois gostava muito de falar em público. Contudo, sabia também que, para isso, ainda tinha um belo caminho para percorrer.

Logo no primeiro ano de trabalho, se inscreveu em um curso técnico de mecânica de manutenção. Depois de formado, foi promovido e o salário dobrou. Em 2004, lembra, trabalhou todos os dias, pausando somente no Natal e no Ano Novo. Não pensava em folga, queria mesmo era fazer serão para juntar dinheiro. Mas o que ganhava não era o suficiente para pagar uma faculdade.

É coisa pra rico

Estudar na Ufrgs, por ser gratuita, surgiu como uma possibilidade, mas, sem ter conhecimento sobre como funcionava para conseguir ingressar na universidade pública, deixou a ideia de lado. Aliás, pouco foi incentivado por quem estava à sua volta, e a frase "é coisa pra rico" era ouvida constantemente. Começou, então, a estudar inglês em Porto Alegre, e se matriculou na Feplam, onde tirou registro de radialista e apresentador de TV. Lá, conta, rindo, que se meteu na conversa de dois professores que falavam sobre um tal de Prouni e Enem. "Ali, foi outro indício de que eu tinha oportunidade", recorda.

Com bolsa integral, ingressou no curso de Jornalismo da Ulbra. E foi lá que começou sua real história com a profissão, da qual tem muito orgulho de estar seguindo. Aos 31 anos de idade, percebeu a necessidade de buscar estágio na área para adquirir experiência antes de pegar o diploma. A primeira chance apareceu dentro da própria universidade, na produtora Projedis, responsável pelas videoaulas das graduações a distância. Além de se aproximar do Jornalismo, a função despertou em Marco o lado da docência.

Conquistou o canudo quando estava com 33 anos de idade. Nesse período, já tinha saído da fábrica, na qual ficou por 10 anos e olhava para trás com satisfação: "Entrei na limpeza e saí formado em mecânica de manutenção e falando inglês". Da produção das videoaulas, Marco se tornou apresentador. Sem saber seu destino, naquela época já tinha o desejo de trabalhar na Record TV, que recém havia chegado ao Rio Grande do Sul. A vontade era tanta que, para se inspirar, colocou o logo da emissora como fundo de tela no computador da produtora.

No começo do caminho

O professor Ricardo Azeredo foi outro degrau na carreira de Marco. O então presidente da TVE lhe chamou para estagiar na produção da emissora e, chegando lá, percebeu que havia escassez de repórter. Mesmo sem poder assinar as reportagens, ia para a rua com as equipes. "Foi uma imersão total no telejornalismo, porque saía com cinegrafistas que tinham mais de 30 anos de experiência. Aproveitei muito as dicas de texto e vídeo", agradece.

Foi na Feira do Livro de 2009 que teve seu primeiro contato com o Grupo Record, quando participou da oficina de TV que a empresa proporciona durante o evento literário. Mas ainda levou um tempo até conseguir, de fato, entrar na emissora, quando foi indicado por uma profissional que estava na TVE. "Sou grato àqueles que me fizeram ser quem sou hoje", declara ele, que contabiliza oito anos de empresa.

Começou como produtor, função que exerceu por três anos. Depois, recebeu uma proposta para trabalhar na Comunicação da prefeitura de Canoas, na gestão de Jairo Jorge. Sentindo-se estagnado no grupo de mídia, conversou com a gestão e disse que aceitaria o convite do órgão público, principalmente por causa do salário, que era maior. Como resultado, ganhou um mês de férias na Record TV e uma promoção na volta. Há cinco anos, é chefe de reportagem.

Na sala de aula

Embora o desejo se lecionar tenha nascido durante a faculdade, sua história com a academia surgiu anos mais tarde, por incentivo de uma estagiária na TV. Para começar a se candidatar, fez uma pós-graduação em Docência no Ensino Superior na Uniasselvi. Soube, então, de uma vaga na Uniritter, na qual não teve êxito na primeira tentativa, pois a apresentação prática, conta, "foi horrível". Um ano depois, tentou novamente, e, para sua felicidade, foi aprovado.

"Um novo mundo se abriu para mim na docência. Ver os alunos tendo as oportunidades que eu não tive é fantástico. E isso se renova a cada semestre", analisa, completando que planeja fazer um mestrado em um futuro próximo. Em sala de aula, leciona as disciplinas de 'Assessoria de Imprensa', 'Jornalismo e Prática', e foi chamado para dar Marketing e Serviços no curso de Administração. Com isso, declara: "Não tenho tempo para quase nada, pois aproveito os finais de semana para preparar as aulas e corrigir provas e trabalho".

Mesmo assim, define-se como uma pessoa caseira e, nos raros momentos de folga, assiste de tudo um pouco na Netflix e, quando dá, sintoniza na Globonews. Confessa que não é uma pessoa muito conectada no mundo online, pois não tem paciência de postar e interagir nas redes sociais.

Escolhas próprias

Foi batizado aos 19 anos, pois a mãe permitiu que os filhos escolhessem a própria religião. Mas com Marco não foi bem assim. Uma vizinha, costureira, era inconformada com a situação e prometeu que, se ele se batizasse, o presentearia com roupas. Sem ver problema na proposta, fez o ritual na Igreja Católica e, em troca, ganhou uma única camiseta de viscose verde, que usou na cerimônia.

Por conta dessa não identificação com a religião, nunca foi praticante. "Para mim, a fé não se compartilha, ela se pratica", comenta, dizendo que, por anos, seguiu a doutrina Espírita, porém, com algumas ressalvas. O que mudou em sua vida, mesmo, foi a prática da Mecânica Quântica, teoria física que estuda os sistemas físicos, cujas dimensões são próximas ou abaixo da escala atômica. "Se, antes, eu era esse cara que criava as minhas oportunidades, me tornei uma pessoa melhor a partir do momento que comecei a estudar isso, há três anos", relaciona e logo explica: "Não é sincretismo religioso, apenas acredito que estamos conectados com tudo e com nós mesmos".

Na cozinha, busca seguir uma alimentação saudável, depois de revelar que chegou a pesar 80 quilos, distribuídos em seu 1,60m de altura. Na cozinha, não entra margarina nem pão branco, por exemplo, e confessa que não domina a arte de cozinhar, por isso, compra tudo congelado.

É gremista, mas acha futebol completamente fútil. "Nasci no Rio Grande do Sul, então sou obrigado a ter um time de futebol", resume, acrescentando que acha perda de tempo assistir a um jogo, por isso, não o faz, tampouco torce em dias de partida.

Assim como acredita ser um vencedor, define-se como uma pessoa de paz e do bem. Com uma trajetória de superação, encontrou nas oportunidades a chance de reescrever sua história, por isso, afirma: "Eu tinha a vontade e me surgiram chances".

Devido às condições de vida, diz que nunca teve ídolos e que essa história de ter pôster de artistas na parede do quarto não fez parte de sua realidade. Desse modo, é sucinto ao falar de suas preferências musicais. Limita-se a dizer que escuta o programa Love Songs, na rádio Continental, da Pampa, e que a frase que mais o define é da música Sólo le pido a Diós (Eu só peço a Deus), interpretada por Mercedes Sosa: "Que a justiça não me seja indiferente".

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