Ozíris Marins: Um repórter sob fogo cruzado

Mesmo que a mania de meter o nariz onde não é chamado faça parte do espírito de um bom jornalista, nem todos topariam cobrir uma guerra

Oziris Marins - Reprodução

Mesmo que a mania de meter o nariz onde não é chamado faça parte do espírito de um bom jornalista, nem todos topariam cobrir uma guerra. Passar 40 dias na Jordânia, como correspondente da RBS, foi até agora o maior desafio da carreira de Ozíris Marins. Aos 38 anos de idade, o mais jovem repórter no front enfrentou uma sucessão de dificuldades, a começar pelo idioma e pela rigidez das normas do país, passando pelas oscilações climáticas, sem falar na guerra em si, com bombardeios, mortes e tensão constante no ar. "A saudade que eu senti do meu filho também foi uma barra, cheguei a gravar um vídeo para mandar para ele", revela Ozíris, referindo-se a Dudu, de 6 anos.

Sua rotina era viajar 420 km, da base em Amã até a fronteira da Jordânia com o Iraque, dormindo em barraca no meio do deserto enquanto acompanhava os acontecimentos e coletava informações e depoimentos. Prejudicado pelo fuso horário, dormindo não mais do que duas horas por noite, tinha a missão de mandar notícias para rádio, televisão e jornal. "O excesso de adrenalina me impedia de relaxar, e eu ainda dormia com dois aparelhos de TV ligados no quarto do hotel".

De volta a Porto Alegre, são e salvo e com um invejável adendo no currículo, Oziris só quis saber de descanso. Tirou 15 dias de folga para curtir o filho, organizar suas coisas pessoais, olhar vitrines, enfim "tomar um banho de ocidentalidade". As caminhadas na beira do Guaíba e os passeios pelo shopping volta e meia são interrompidos por algum popular disposto a comentar as últimas da guerra ou curioso por um 'depoimento exclusivo'. "Fico muito feliz quando alguém me aborda na rua e recebo o carinho e os elogios de pessoas que nem me conhecem, mas que de alguma forma estiveram comigo enquanto eu estive sozinho na guerra".

Um repórter de farda

Por muito tempo ele também usou farda. Até se formar em Jornalismo, em 1990, Oziris era cabo-desenhista da Força Área Brasileira. Depois de quase 11 anos de caserna, decidiu se afastar da carreira militar. Sem nenhuma experiência anterior, sua estréia foi na produção do Plantão Gaúcha, que ele considera sua primeira grande escola. "Começar trabalhando com o Macedo de noite na Gaúcha foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido".

A segunda grande escola foi com Armindo Antônio Ranzolin, na produção do Gaúcha Atualidade. Como repórter, iniciou fazendo reportagens especiais para os programas 'Chamada Geral', 'Gaúcha Hoje' e 'Plantão Gaúcha', passando depois a setorista da Assembléia Legislativa. Pela aproximação com o cenário político local, foi convidado pelo então editor de Zero Hora, Augusto Nunes, a trabalhar em Zero Hora. Sua tarefa era auxiliar José Barrionuevo com notas e pesquisas e, em cinco anos, substituiu o colunista em diversas oportunidades. "Foi a minha terceira grande escola", completa Oziris.

O perfil multimídia se completou quando a TVCom entrou no ar: começou a fazer participações para o quadro 'Notícias', direto do estúdio de Zero Hora, e mais tarde conquistou a bancada do Jornal TVCom, onde está até hoje. Chegou a conciliar os três veículos, mas quando teve que optar, deixou o jornal. "Tomava muito tempo, apesar de dar uma qualidade muito grande. Nos meios eletrônicos, consegui desenvolver melhor o meu trabalho, e assim venho mantendo há cerca de quatro anos."

Após anos no posto de primeiro substituto da emissora, ganhou o comando das edições de sábado dos programas 'Chamada Geral' e 'Gaúcha Hoje'. No final do ano passado, passou a titular da segunda edição do 'Chamada Geral', que vai ao ar diariamente às 17 horas. Em meio a isso tudo, participou de diversas coberturas de rádio e algumas multimídia. Cita duas eleições no Uruguai, duas na Argentina, missões internacionais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do ex-governador Olívio Dutra como algumas das mais relevantes.

Em âmbito local, destaca o seqüestro do lotação em Porto Alegre, em 2002, e a fuga do presidiário Melara, em 1994. "Transmitimos durante três dias sem parar a perseguição que se desencadeou pela cidade, e foi a primeira vez que se utilizou um celular numa grande cobertura. O caso do lotação me marcou também, foram 27 horas sem parar." Seu reconhecido talento descritivo conta muito em horas como essas, enquanto seus olhos fazem as vezes de duas câmeras movidas à adrenalina. A técnica, segundo ele é "inspirada nas escolas do Macedo e do Ranzolin, com o detalhismo do Barrionuevo".

É objetivo ao falar de si mesmo: "Eu sou um homem de rádio, muito mais do que de qualquer outro veículo. Tenho o rádio no sangue, acho que faço relativamente bem TV e não tenho tanto talento para escrever, meus textos são salvos pelos editores, mas eu tenho a capacidade de captar e transmitir a informação, o que em rádio é uma virtude fundamental", resume.

Exército de um homem só

A vida pessoal está em fase de transição. A viagem para o outro lado do mundo aconteceu pouco mais de um mês depois da separação, justamente quando ele estava se adaptando à condição de solteiro. "Deixei muitas coisas por fazer, e na volta me deparei com um apartamento semi-mobiliado, telefone cortado, carro sem bateria na garagem, um caos esperando por soluções". Seu grande parceiro é o Dudu, com quem procura passar todo o tempo livre.

Assistir aos treinos do Internacional e compartilhar um sorvete/chope enquanto admiram o pôr-do-sol são os programas preferidos da dupla. No dia-a-dia, as caminhadas matutinas na beira no Guaíba são sucedidas pela leitura dos jornais na internet, sempre ligado no rádio. Após a jornada que se inicia no começo da tarde, na preparação do 'Chamada Geral', e se encerra depois da apresentação do Jornal TVCom, seu programa é caseiro, geralmente na companhia de um livro ou DVD.

Gosta de ouvir jazz, sobretudo BB King e Diana Crowl. Na cabeceira, histórias de guerras, crise mundial e relações internacionais. "Eu não leio romance, deixo para ver isso em filme", revela, citando 'Bird', 'Por Volta da Meia-Noite', 'O Morro dos Ventos Uivantes' e 'Cidadão Kane' como seus clássicos.

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