Walter Galvani: O patrono devorador de livros

“Disso tudo nasci eu”, comenta o jornalista e escritor Walter Galvani, ao mencionar seus ascendentes de origem açoriana, alemã, italiana e indígena. Hoje este …

"Disso tudo nasci eu", comenta o jornalista e escritor Walter Galvani, ao mencionar seus ascendentes de origem açoriana, alemã, italiana e indígena. Hoje este canoense de quase 70 anos está explodindo de contentamento, ainda comemorando a conquista do título de patrono da 49ª Feira do Livro de Porto Alegre, depois de percorrer uma "árdua" trajetória de 49 anos de jornalismo e 32 de literatura. O pai marceneiro e a mãe que costurava para fora, a fim de completar o orçamento da família humilde, fizeram muitos esforços para poder custear os estudos do filho no Centro Educacional La Salle. O próprio Galvani destaca que estudar em escola particular, naquela época, era um sonho muito caro, mas foi graças àquele educandário que ele se sentiu estimulado para atividades como a leitura. Ali ele participou do Grêmio Literário, espaço em que os alunos realizavam reuniões e produziam seus primeiros "ensaios". Galvani relembra que sua turma deixava de jogar futebol para participar das reuniões do Grêmio. "Uma coisa maravilhosa, quando me recordo, eu penso: que pretensão nós já tínhamos quando éramos meninos. Minha infância foi marcada por isso". Seu primeiro emprego na área de jornalismo foi no jornal interno do La Salle, o "Ecos de São Luiz". "Foi aí que eu tomei o gosto pelo papel impresso", revela Galvani, que já nesta época era um leitor infatigável. "Eu simplesmente devorava os livros".
A autobiografia
Para relatar sua carreira jornalística seriam necessárias dezenas das velhas laudas de jornal. Ou daria até mesmo para escrever um livro - um dos planos de Galvani para o próximo ano, quando completar 50 anos de carreira e 70 de idade. O marco desta trajetória está fincado em 1955, quando Galvani veio para Porto Alegre, indicado por um amigo para trabalhar na redação do Correio do Povo, onde atuou por 12 anos. Paralelamente a isso, o jornalista começou a escrever também, em 1958, na redação da extinta Folha da Tarde. Meio século de carreira é tempo mais do que suficiente para ter atuado na maioria dos veículos gaúchos: Expressão, Correio do Povo, Folha da Tarde, Folha da Tarde Esportiva, Folha da Manhã, O Momento, O Timoneiro, Jornal da Semana, Diário de Canoas, ABC Domingo, Jornal da Semana, Revista do Globo, revista Rua Grande (de São Leopoldo) e rádios Pampa (1986) e Guaíba (a partir de 1991). Com isto, exerceu a maioria das funções dentro de uma redação: já foi repórter, redator, subchefe de reportagem, chefe de reportagem, subsecretário e secretário de redação e diretor de redação - Galvani foi o último diretor de redação do jornal Folha da Tarde, no período de 1981 a 1984. Com uma carreira como esta, prêmios, homenagens e reconhecimentos são uma conseqüência lógica. Entre tantos, destaca-se o Prêmio ARI de Jornalismo na categoria Crônicas, Troféus Amigo do Livro, Amigo do Teatro, Destaque em Cultura e Jornalismo. Ocupa a Cadeira 25 da Academia Riograndense de Letras, recebeu o título de "Cidadão Emérito de Porto Alegre", o Prêmio Literário "Érico Veríssimo", da Câmara Municipal de Porto Alegre, e o prêmio "Casa de Las Américas", de Cuba, pelo livro "Nau Capitânia", editado inclusive em Portugal. Tem outros livros publicados, e agora está lançando mais um, "Anacoluto do princípio ao fim". Para escrever o Nau Capitânia, fez antes uma investigação histórica de temas relativos ao descobrimento do Brasil em Portugal. Com a ajuda de sua esposa e jornalista Carla Irigaray, fez uma extensa pesquisa durante um ano nas terras portuguesas. Resultado disto foi o livro, que é a primeira biografia de Pedro Álvares Cabral em 500 anos de história, segundo registrou o jornal "O Estado de São Paulo".
O lado desconhecido
Há seis anos Galvani trocou a agitação da capital pela tranqüilidade da cidade de Guaíba, onde mora com Carla - segundo casamento, que completa 25 anos. "Eu gostei tanto do casamento que já casei duas vezes", brinca ele. Tem duas filhas do primeiro casamento, a bióloga Ana Luisa e a engenheira de alimentos Alessandra. Como todo vovô, baba pelos três netos: Luis Felipe, Lucas e a Isabela. No seu dia-a-dia, a leitura e a escrita fazem parte da rotina. Escreve um texto aqui, outro ali, e retorna para ler. O trajeto de Guaíba a Porto Alegre (ida e volta), ele faz de ônibus justamente para praticar a leitura. Em sua agenda pessoal, marca as leituras e contabiliza os livros. Este ano, até o momento, foram 62 obras lidas, entre leituras inéditas e releituras. Em média, Galvani dedica-se à leitura três horas por dia (o que dá uma média de um livro por semana), sem contar suas "paradinhas básicas" para dar uma olhada em outras publicações. "Não poderia ser diferente, eu adoro ler", comenta, como se precisasse explicar. Na cabeceira está agora o livro "Memórias de Adriano", de Marguerite Yourcenar. Ele está relendo pela quarta vez a obra da escritora francesa para falar sobre ela em um dos inúmeros eventos da Feira do Livro. "O livro é fantástico e o considero um dos melhores que já li em todos os tempos", recomenda Galvani. Claro que todo dia sobra um tempinho para atividade física: Galvani pratica caminhadas em Guaíba, geralmente no fim de semana, sempre acompanhado de Carla. Outro lazer preferido é ir ao cinema. Para justificar que não há nada mais agradável do que ir ao cinema para namorar, ele relembra os "velhos tempos" em que para conquistar uma namorada era preciso levá-la para pegar um cineminha. Nas férias, costuma veranear em Canasvieiras, no litoral catarinense, um refúgio que também é uma de suas opções de moradia no futuro. Mas revela que Lisboa, em Portugal, é o lugar que escolheria para viver com sua família. "Uma cidade que é uma grande metrópole e ao mesmo tempo uma província, o que considero maravilhoso".
O patrono
Aos 69 anos, Walter Galvani conquista o título de patrono da 49ª Feira do Livro de Porto Alegre e consagra-se como mais um dos grandes nomes da literatura gaúcha. Sentado no café da Casa de Cultura Mário Quintana, ele recebe cumprimentos e parabéns de todos que por ali passam - até de pessoas que não conhece, mas que de alguma forma querem manifestar o carinho e admiração pelo escritor. O sonho foi concretizado no terceiro ano em que figurou na relação dos 10 candidatos a patrono, o que levou Galvani a não esperar mais o título. Muito contente com o reconhecimento, ele diz que além de ser uma honra, é um orgulho e um patamar inigualável na carreira. "Eu não preciso de mais nada na minha atividade cultural", declara. Emotivo, não esconde as lágrimas ao dizer que sua filosofia de vida é imitar o falecido pai, o humilde marceneiro cuja "arte da tolerância" é admirada e exaltada até hoje pelo filho Walter. "Eu tento seguir seus passos, a imagem que ele me deixou ao longo de seus 84 anos de vida, de uma extrema tolerância, de uma pessoa que sabia ouvir e compreender os outros". Para o futuro, o escritor planeja continuar escrevendo e adianta que já está desenvolvendo os seus novos trabalhos: um livro de ficção e uma obra com sua própria história, específica sobre seus 50 anos de jornalismo. "A obra será uma contribuição para os nossos futuros colegas", afirma. Inspiração para tudo isso? Ele explica o sentido da palavra utilizando uma frase do pintor Pablo Picasso: "Sempre quando ela chega, me encontra trabalhando".

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