Marcelo Firpo: O trêfego

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 Ele nasceu e cresceu na capital gaúcha. Criado no centro da cidade, vivia perto de tudo e, ao mesmo tempo, saboreava a tranqüilidade interiorana de uma rua calma, a João Manoel, no trecho quase sem trânsito, que termina junto a uma escadaria. "É uma rua que não possui saída para carros. Conseguíamos jogar futebol e fazer muitas brincadeiras nela", recorda hoje o publicitário Marcelo Firpo. A paixão pelos livros herdou do pai, o jornalista e escritor Liberato Figueiredo Vieira da Cunha. Entre as fortes lembranças que tem da infância estão as de acompanhar a mãe ao seu trabalho. Ela era professora e o colocava em uma classe com folhas e lápis de cor para desenhar. Resultado óbvio: sua curiosidade fez com que aprendesse a ler sozinho aos cinco anos de idade. Era realmente um 'trêfego', um inquieto. O mundo mágico da literatura encantava o pequeno menino e o despertava para uma nova etapa em sua vida. A família de classe média vivia uma situação confortável e não tinha o costume de esbanjar dinheiro. No entanto, esta regra era quebrada quando aconteciam as Feiras do Livro de Porto Alegre. "Meu pai dizia: aqui vocês podem comprar o que quiserem. Esta 'barbada' nós não tínhamos para roupas e brinquedos", recorda com bom-humor e carinho. O cuidado e a importância com a leitura, Marcelo carrega até hoje. "A coisa do texto me influenciou muito. Teve uma época em que trocávamos livros, eu descobria um autor interessante e repassava para meu pai. Às vezes, não entregava diretamente, deixava em algum lugar da casa onde sabia que chamaria sua atenção e assim nós íamos nos comunicando".
Dois mundos
O ingresso na escola representou para o menino a descoberta de um 'outro mundo'. Estudou da primeira série ao final do segundo grau no Colégio Anchieta e atravessava a cidade para chegar lá. "Foi uma experiência diferente, pois estava acostumado com o microcosmo do Centro, todos os meus amigos estudavam no Sévigné ou no Nossa Senhora das Dores. Entrei em contato com outras pessoas, outra turma. Era uma realidade sócio-econômica bem diferente da que tínhamos e, por um período, tive a sensação de que minha vida era dividida entre o tempo em que passava no colégio e o que passava em casa." Mas foi uma experiência positiva. Ele conseguiu absorver tudo de bom que encontrou nos 'dois mundos' e do introspectivo garoto que gostava de brincar de carrinhos e dedicar horas na montagem de fantásticas histórias com o playmobil, começou a surgir o adolescente crítico. "Depois de passar pela fase em que tudo é difícil, complicado, em que até mesmo conversar com uma pessoa pela qual estejas interessado é uma epopéia, percebi que tudo era experiência e, posso dizer, que entre mortos e feridos, salvaram-se todos", brinca. Ainda no colégio, Marcelo começou a perceber uma predileção pela propaganda. A publicidade brasileira estava ganhando força e os comerciais da W/Brasil estavam no auge. "Pensava: deve ser muito divertido fazer isso. No colégio, sempre fui o cara que inventava bilhetinhos de passar adiante. Inconscientemente, sabia que tinha muito de criação naquilo. Estava sempre pensando em algo novo que os colegas gostassem e achassem divertido." Mas ele ainda não havia definido qual caminho iria seguir, só tinha a certeza de que não queria fazer nada que envolvesse ciências exatas. "Sempre me interessei por resultados que não são certos, que não são nem preto nem branco, e que admitam uma certa variação e interpretações diferentes. Queria fazer algo que a sensibilidade humana fizesse a diferença", explica. Na fila de inscrição para o vestibular da PUC, Marcelo começou a eliminar possibilidades. O Jornalismo estava descartado de pleno, não queria ficar à sombra do pai: "No início de minha carreira, não teria a certeza de que estava sendo contratado pelo meu talento ou por ser o filho do Liberato. Queria vencer por meus próprios méritos". Então, foi eliminando até ficar apenas com publicidade e propaganda. Como já tinha simpatia pela profissão e achava - como telespectador - os comerciais da TV muito divertidos, resolveu encarar e aos 18 anos ingressou na Famecos.
Desde cedo?
Marcelo estipulou para sua carreira alguns objetivos, como o de entrar para o mercado o mais rápido possível, e conseguiu. Já no segundo semestre estava trabalhando na Martins Andrade, como redator, onde permaneceu por nove meses. "Desde o início consegui entrar na área em que queria atuar. Na agência, comecei a me interessar ainda mais pela propaganda e conheci pessoas muito legais". Em 1992, começou a trabalhar em duas agências pequenas, a Praz e Borges e a Mercado Loja, nas quais foi efetivado. "Elas não existem mais. Fiquei pouco tempo, menos de três meses. Era complicado, não tinha ninguém para me ensinar e fazia as coisas pelo que achava que era o certo. Não estava aprendendo nada e as limitações eram grandes, então, resolvi voltar a ser um estagiário", conta. Conseguiu um estágio na Escala, agência que considera sua grande escola. "Entrei numa época em que havia grandes criadores como o Eduardo Axelrud, que hoje é diretor de criação, o Vitor Knijnik, Mauro Dorfman, Carlos Saul Duque, Cláudio Cardoso e Zico, e todos muito próximos a mim. Foi quando comecei a entender o que era a propaganda e o que deveria fazer para ser um bom profissional." Um ano depois, decidiu apostar. Mauro Dorfman e Paulo Guerchfeld saíram da Escala para fundar a Dez Propaganda e Marcelo os acompanhou nesta empreitada, mesmo com a Dez nascendo pequena e com apenas um cliente, a Massey Ferguson. "Senti que valia a pena acreditar", registra Marcelo. E valeu! Ficou cinco anos e acompanhou todo crescimento da empresa. "Ela deixou de ser 'a agência dos guris da Dez' para tornar-se uma das mais premiadas do Rio Grande do Sul, Agência do Ano no Prêmio Colunistas de 1995 e superpremiada no Salão da Propaganda. Conseguimos levantar a agência, praticamente, com a criação, com a exuberância criativa de seus profissionais." Apesar de viver um bom momento, a velha inquietude o fez trilhar novos caminhos. Partiu para Florianópolis e, no final de 1998, entrou para a Artplan Prime. Não deu certo, como ele relembra: "Passei quatro meses lá. A cidade estava vazia, era uma época muito chuvosa e havia deixado meus amigos e contatos em Porto Alegre. Mesmo ganhando um bom salário, decidi voltar". Marcelo foi para a Centro Propaganda e, depois, voltou para a Escala, onde ficou até 2000. "Surgiu uma proposta para ser diretor de criação da Parla e aceitei. O objetivo era o de mudar o perfil criativo da agência, tornando-a mais atraente e reconhecida, e tivemos sucesso. Conquistamos muitos prêmios no Salão da Propaganda e no Colunistas do Ano de 2002." Saiu da Parla em 2002 e decidiu tirar férias, descansar. Passou mais de um mês viajando pela Europa, se abastecendo de conhecimento e novas experiências. Ao voltar para o Brasil, recebeu uma ligação do diretor da Overcom, Philipe Rocha. "Já estava engatilhado com outra agência, mas a conversa que tivemos foi tão boa, com uma sintonia tão grande em termos de projetos e coisas que queríamos para uma agência que decidi trabalhar com ele", recorda com a certeza de que tomou a decisão certa. Há um ano na Overcom, Marcelo é um dos sócios da empresa, além de diretor de criação. A equipe motivada com a qual trabalha é um dos motivos da felicidade do jovem, porém experiente, publicitário. "Estamos fazendo um trabalho que está se destacando. Todos procuram acertar sempre e existe uma torcida interna muito grande para que isso aconteça. Existe uma competição muito saudável entre os profissionais, ninguém quer puxar o tapete do outro". Bom capricorniano que é, para ele, estar em um ambiente agradável, que possua boa atmosfera, é fundamental para viver. Até mesmo na hora de formar a sua equipe, prioriza isso. "Sempre dou preferência para o profissional que tem caráter, mais do que para o que possui um ótimo texto e um ótimo layout porque estas coisas você consegue ensinar, já outras?".
Amadurecendo
Marcelo está em uma fase de amadurecimento e reflexão. Já participou de fatos importantes na publicidade gaúcha e se considera um sortudo por isso. Esteve presente na criação de campanhas que ele julga memoráveis, como a do Universitário, pela Dez. "Ela foi na contramão das comunicações de cursinhos que - geralmente - fazem terrorismo e tentam passar que o aluno precisa deles, se não vai rodar. Com o conceito "Difícil mesmo é a vida, vestibular a gente dá um jeito" , o Universitário dizia, implicitamente, que o vestibular não é a pior coisa que pode acontecer, existe uma série de problemas na vida que são muito piores, mas a gente pode te ajudar a passar no vestibular. Neste problema, podemos te ajudar." O sucesso que obteve, ele credita à sinceridade. Marcelo sente muito orgulho por conseguir passar toda a paixão que o cliente tem pelo seu negócio através da propaganda e, o melhor, de uma forma real, sem tentar inventar nem criar uma falsa imagem. "Foi o que aconteceu com a STB aqui do estado. Era um cliente pronto, bem resolvido. Só tivemos que pensar uma forma de comunicar isso e conseguimos através do conceito 'Você sempre volta diferente de uma viagem', que partiu de uma grande verdade e foi complementado por um conjunto de imagens que sintetizava isso. Graças a este trabalho, conquistamos a conta da STB Brasil." Quando põe na balança tudo que já passou dentro da publicidade e propaganda, vê o quão positiva tem sido sua carreira. A nova fase na Overcom tem trazido muita satisfação pessoal e profissional e ele já faz planos para o futuro. "Estamos fazendo muitas coisas boas. Vivemos ainda a realidade de uma agência de médio porte, mas como diz o nosso slogan 'Somos uma agência média que pensa extra-grande'. As coisas estão acontecendo e queremos crescer em cima da qualidade do nosso trabalho, da nossa criatividade."
Nem só de pão vive o homem
Como pode se perceber, quando o negócio é trabalho, é com ele mesmo. Mas, da mesma forma com que se entrega totalmente à profissão, é capaz de esquecer tudo e falar cheio de entusiasmo e paixão de um hobby que cultiva há pouco tempo: ser Disc-Jóquei, 'DJ'. Há dois anos, fez um curso de mixagem com o DJ Fabrício Peçanha e começou a tocar na noite gaúcha. "Sou muito ligado à música e tenho grande interesse por ela também como objeto de pesquisa. Já toquei na Full Tronic, no Neo, no Ocidente e em muitas raves. Atualmente, toco com uma periodicidade semanal e levo muito a sério". Marcelo toca música eletrônica, estilo drum ?n bass. Seu interesse está se estendendo agora para outros caminhos. "Comecei a fazer aulas de produção, pois tenho o objetivo de compor minhas próprias músicas", revela. O desejo de aprender é tão grande que já utilizou férias para fazer um curto estágio em uma gravadora. "Queria saber e entender como era o funcionamento. Não ganhei nada, mas aprendi muito". Com todas as atividades que tem, o publicitário não deixou de lado o gosto pela leitura e pela escrita. Ele não descarta a possibilidade de, no futuro, também vir a desenvolver algum trabalho nestas áreas. Seguidor da religião zen budista, gosta de deixar as coisas acontecerem para depois tomar as decisões. Às vezes, vai até o zendô, local onde ocorrem as cerimônias budistas, para meditar. "Creio que a filosofia deles se encaixa mais comigo, pois entendem que o mundo está em constante movimento, nada permanece nunca do jeito que está, a sensação de permanência é pura ilusão e todo o sofrimento vem do apego ao ego, de você se achar grande coisa. Quando as pessoas pararem de achar que seus dramas são grande coisa, vão sofrer bem menos". Sua filosofia é crer que as coisas que acontecem na vida são boas. Quando não se consegue perceber isso, é preciso mudar para descobrir o lado positivo.
Sem medo de errar
Ao mesmo tempo em que aceita o que o mundo lhe oferece, Marcelo é um homem que não tem medo de mudanças. Aos 31 anos, na hora de avaliar sua carreira, o publicitário joga alto e diz que se começasse hoje, faria tudo - completamente - diferente. "Começaria a trabalhar mais tarde, viajaria mais, teria mais experiências fora da propaganda, me interessaria por outras coisas, pois o grande risco que corre quem entra no mercado, hoje, é fazer apenas parte do rebanho, é ser um diretor de criação em um mar de diretores de criação, é ser um redator em um mar de redatores". Para ele, quanto mais experiência a pessoa tiver, quanto mais aberta for a sua visão de mundo, não só na propaganda, mas em tudo, mais rica será e mais interessante serão os trabalhos que sairão de dentro dela. "Sei que não se dá conselhos, mas se eu estivesse iniciando agora, não faria o caminho que todo mundo faz, porque todo mundo faz e acabaria não chamando a atenção. Eu faria diferente." Paradas para analisar se está trabalhando no local certo, na função certa, no país certo, são uma constante em sua vida. A inquietação de menino permanece até hoje e pode ser percebida nos olhos de Marcelo, na curiosidade que sente por todas as coisas. Questionar-se, reafirmar posições ou mudar todos os seus conceitos não são problema para Firpo, 'um camaleão', pois ele conseguiu fazer com que a sensibilidade humana fizesse a diferença na sua vida. "Estou aberto a todas as possibilidades que a vida pode me oferecer. Minha única preocupação é parar de me divertir com isso".

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