Dulce Helfer: Máquina de fotografar

“O fotógrafo tem a mesma função do poeta: eternizar o momento que passa…” A frase está em um dos muitos originais de Mario Quintana …

"O fotógrafo tem a mesma função do poeta: eternizar o momento que passa." A frase está em um dos muitos originais de Mario Quintana que a fotógrafa Dulce Helfer, que foi uma grande amiga do poeta, guarda em sua casa. Dulce Jungblut Helfer, 48 anos, natural de Santa Cruz do Sul, fez amizade com Quintana quando chegou a Porto Alegre, há quase 20 anos. A partir de então, traçou uma carreira de sucesso e muitos acasos no mundo dos flashes. De ascendência alemã, a fotógrafa faz jus ao seu talento e simpatia, virtudes que até hoje impulsionam a trajetória desta que figura entre as principais fotógrafas da equipe do jornal Zero Hora.

Dulce descobriu o prazer de fotografar aos 16 anos. Ela namorava um fotógrafo - e futuro marido Luis Fernando Helfer -, e tinha diversos amigos que cursavam Jornalismo e Arquitetura em Porto Alegre, todos aficionados por fotografia. Na época, participava da divulgação da Fenaf (Festa Nacional do Fumo), viajando pelo Brasil, e levou emprestada uma câmera do namorado para fotografar. De volta a Santa Cruz, inscreveu uma delas em um concurso local, que rendeu o primeiro dos muitos prêmios que viria a receber.

Com a repercussão, logo ela estava trabalhando no jornal Rio Vale, onde, com apenas 17 anos, tinha uma coluna com seu nome. Dulce escrevia sobre cinema e música e por isso vinha freqüentemente à capital para cobrir os shows que aconteciam no Teatro Leopoldina (atual Teatro da OSPA). Lá, teve a oportunidade de entrevistar ícones da música brasileira, como Chico Buarque, Ney Matogrosso e Gilberto Gil, o que fez com que ganhasse um programa na Rádio Santa Cruz, pertencente ao mesmo grupo do jornal. Aos 19 anos, aconteceram muitas coisas em sua vida: casou, abriu um estúdio em parceria com o marido e teve seu primeiro filho: Alexandre.

O casamento acabou quando este tinha quatro anos e o mais novo um. Dulce nunca quis ganhar pensão e sustentou sozinha seus filhos, só fez questão de ficar com o estúdio, porque, segundo conta, "os lucros eram divididos, mas o trabalho quem fazia sempre era eu".

Atrás da goleira do Inter

Passada essa fase conturbada, Dulce passou a trabalhar na Gazeta do Sul, onde fazia de tudo um pouco: "Jornal do interior é assim mesmo". E um dos diversos temas que cobria era o futebol. Foi atrás da goleira do Internacional, por volta de 1983, que conheceu o então editor de fotografia da Zero Hora. Gerson Schirmer, segundo ela própria conta, ficou impressionado ao ver aquela bela moça com sua teleobjetiva, a única mulher fotografando o jogo. Na mesma hora fez o convite para que ela integrasse a equipe do jornal. Dulce declinou, pois seus filhos eram muito pequenos para encarar a mudança - o mais velho tinha apenas sete anos -, mas prometeu que cobraria o convite caso viesse a trocar Santa Cruz por Porto Alegre. A troca de cidades ocorreu dois anos depois. Embora se declare sedentária,

Dulce, que estudou na Escola de Educação Física da Unisc, dava aula da disciplina em escolas estaduais da cidade há cinco anos. Sendo contratada do Estado, ela foi chamada para trabalhar na Secretaria da Cultura, em Porto Alegre, ao lado de Luiz Antônio Assis Brasil. Fotografava o patrimônio histórico do Rio Grande do Sul e, assim, teve a oportunidade de fazer amizade com diversas personalidades gaúchas, como o próprio Mario Quintana, Iberê Camargo, Eva Sopher e Luís Fernando Veríssimo. Mais tarde também produziu um jornal cultural com Tabajara Ruas e Carlos Urbim: "O Continente". Eles escreviam e ela fazia as fotos.

Ainda recém chegada à Capital, Dulce ganhou um ingresso para uma peça no Teatro Renascença, próximo à sua casa - ela sempre morou na Cidade Baixa e diz que não troca o bairro por nada nesse mundo. Para sua surpresa, a sala lotou e ela não pôde entrar. Nem ela, nem muitas outras pessoas, inclusive Gerson Schirmer. Ao reconhecê-la, Schirmer foi cobrar a promessa de que, se ela viesse para Porto Alegre, trabalharia na Zero Hora. O que ela não esperava é que teria que começar a trabalhar já no dia seguinte. O setorista de Economia da época, "Goiano", adoecera e ela poderia substituí-lo. Assim começou a longa carreira da fotógrafa no jornal, onde completa 20 anos de atuação agora em 2004.

Mais de trezentos mortos

Da Economia foi para o Segundo Caderno, onde pôde cobrir shows e ter contato com diversos nomes da música e que hoje são muitos amigos do ramo. Tantos que nem ela mesma consegue lembrar todos. Amizades que renderam outros trabalhos, como produzir fotos para capas de discos. Mas com o fim dos setoristas em ZH, Dulce passou a fazer um pouco de cada editoria. Porém, como era plantonista da noite, o que mais aparecia para fotografar eram acidentes, assaltos, rebeliões. Enfim, suas fotos iam parar nas páginas policiais, ora motim no presídio central (no qual quase levou um tiro), ora em assalto a farmácia em Canoas. "Devo ter mais de trezentos mortos só no arquivo da Zero Hora. Para mim dá no mesmo fazer mortes, futebol ou eventos sociais. Me dão a pauta e eu vou."

Mas foram justamente as fotos de Polícia que lhe renderam prêmios. Foram cinco só no ano passado e três internacionais ao longo de sua carreira. Os de Miami e Caracas, Jaime Sirotsky, diretor de jornal na época, foi buscar. Mas quando Dulce recebeu o terceiro, de Guadalajara - pelo assalto da farmácia -, há seis anos, ganhou da RBS a viagem ao México, que ela deveria aproveitar para descansar. Porém, como não desgruda de sua câmera, o passeio virou trabalho.

As fotos do México estarão numa exposição que ela agora está organizando. Dulce já expôs suas fotos em mais de 30 mostras, entre individuais e coletivas. Outras fotografias tiveram destaque isoladamente, como a do Ed Motta, considerada pela revista Imprensa uma das dez melhores do fotojornalismo brasileiro, e a de um homem falando ao celular na chuva, que foi comprada pela Telefonica Celular dos arquivos da Zero Hora para ser usada em publicidade. "Quando o anúncio foi premiado e nos créditos da foto só constava 'Arquivo ZH', ameacei processar a agência. Mas foi só para deixar eles com medo, porque eram meus amigos."

Excelência tatuada no braço

Dulce é sinônimo de trabalho. No momento, ela não cumpre horário no jornal, pois está cobrindo eventos sociais com a jornalista Fernanda Zaffari, especialmente para a coluna RS VIP, de ZH. Quando sobra tempo, monta uma exposição, faz capas de discos, fotos para livros. Os raros momentos em que se dá folga, aproveita para curtir os filhos, André, 26 anos, e Alexandre, 29, a cadelinha cocker-spaniel Manchinha e a horta que tem nos fundos de casa. Apesar de muito caseira, Dulce confessa que adora ir no cinema (freqüenta o Cine Guion, pois não gosta de shopping centers) e sair para dançar nas danceterias das redondezas.

Ela nunca acorda antes do meio-dia, almoça pelas 14h, desde que seja frango ou peixe. Abandonou a carne vermelha depois de fotografar matadouros. Se nos fundos da casa tem uma horta, na entrada tem? um estúdio de tatuagem! André, seu caçula, é tatuador e exerce o ofício em casa. A mamãe coruja tem no braço esquerdo um desenho feito pelo filho, a palavra "excelente" em ideograma japonês. André também deu a Dulce seu primeiro neto, Henrique, de apenas duas semanas. Dulce é muito tranqüila em certos momentos, porém ao mesmo tempo demonstra uma inquietude constante de viver.

E ela própria admite que além de agitada, é totalmente " avoada": "Cara, eu não sou muito de lembrar datas, eu sou muito desligada para detalhes". Muito apegada às memórias de amigos antigos, a fotógrafa garante que "sua praia" é somente viver em paz e não esperar muitos ganhos da vida. "Não espero nada de ninguém, não crio expectativas, então, tudo que vem é lucro." Ainda assim, ela tem seus momentos de estresse: "Não tenho paciência, sou muito crítica, se alguém fala uma bobagem, eu não agüento". E justifica que por isso ela prefere sair para dançar a conversar em barzinhos: evita diálogos indesejáveis.

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