Renata Rubim: Os paradoxos da superfície

A designer desde criança é ligada em cores e superfícies e atribui suas conquistas ao prazer que tem ao realizar seu trabalho e aos valores herdados da família.

"Desde pequena, eu sabia exatamente o que queria fazer. Cada dia da semana e cada estação eram, simbolicamente, representados por cores. Mas, tudo isso era tão natural quanto respirar." É assim que Renata Rubim, 58 anos, justifica a opção profissional, designer de superfícies e consultora de cores. Até hoje, ela guarda e mostra com orgulho seus desenhos de criança, feitos na época de escolinha. Como se fossem fotos, as pinturas retratam o início do caminho de Renata e confirmam que, desde menina, ela já era uma designer. As temáticas também revelam que os desenhos tinham um destino traçado. Eram croquis de pisos, paredes, tapetes. "As pinturas da minha infância são exatamente o que eu faço hoje", observa.


Natural do Rio de Janeiro, Renata veio para Porto Alegre ainda pré-adolescente, no ano de 1960. Com o fim do colégio, chegava a hora de trilhar um caminho profissional e, como na época ainda não havia cursos de graduação em Design, ela mudou-se para São Paulo, em 1967. Lá, ficou por três anos, período de conclusão do curso do Iade-SP (Instituto de Artes e Decoração). "Era um curso completamente vanguarda. Ao invés de História da Arte, a gente aprendia História e Sociologia do Design", lembra. Em 1969, Renata foi visitar uma amiga no Rio e acabou conhecendo o pai de seus dois filhos, Gabriel, hoje com 34 anos, e Bernardo, com 32. Durante a estada que durou menos de um ano, ela trabalhou na joalheria de Haroldo Burle-Marx, só não conseguiu realizar seu desejo ali. "Eu achava que ia poder desenhar jóias, mas acabei como balconista, em um trabalho que não tinha nada a ver comigo, mas eu tinha que ganhar dinheiro", ri.        


Em seguida, o casal mudou-se para Gramado, onde morou por sete anos, até a separação. Na Serra, Renata tinha uma tecelagem e uma fábrica de móveis. Lá, além de desenhar objetos ela pintava tecidos. "Mesmo assim, não estava satisfeita", comenta. Sem lembrar de seus desenhos de criança, que por muito tempo ficaram guardados em um baú, a designer fala da necessidade que sentia na época de desenhar tapetes diferentes das linhas existentes. Foi aí que descobriu anelinas guardadas na estante de sua casa.


Reencontro com a infância


Começou então a aplicar as novas ferramentas em tapetes. Misturava cores de famílias diversas e de maneira não-convencional. O resultado era diferente, mas positivo. "Eu fiz cores louquíssimas e tapetes muito contemporâneos." Por achar que fugia da proposta de seu negócio e sem nenhum outro canal para vender, Renata organizou exposições para mostrar as peças. "Nunca me considerei uma artista plástica nem tenho objetivo de ser, mas como não havia maneira de mostrar meu trabalho, fiz a primeira exposição, em 1974", conta. Para se certificar de que os tapetes realmente mereciam ser expostos mundo afora, ela pediu que o crítico de arte Valmir Ayala avaliasse as peças. Dado o primeiro passo e em busca de parcialidade do público, Renata realizou a exposição, no Rio de Janeiro. "Lá, ninguém me conhecia, e nem conhecia a minha família, não iam comprar pra ser gentil", exclama.  


Com o reconhecimento do público, peças vendidas e encomendas, ela organizou uma segunda mostra, dessa vez em Porto Alegre . Um ano depois, em 1975, um adido cultural da Embaixada do Brasil nos Estados Unidos convidou Renata para participar de exposição em Washington. Alguns meses depois, lá estava Renata com seus tapetes na embaixada.


Descobrindo o seu mundo


Insatisfeita porque queria trabalhar com todas as superfícies, a designer, que já estava separada e de volta a Porto Alegre, se inscreveu, em 1984, para uma bolsa, na Rhode Island School of Design, nos Estados Unidos. Foi selecionada junto com outros nove brasileiros e, no ano seguinte, seguiu rumo aos Estados Unidos, com os dois filhos. "Foi uma experiência muito, muito legal". Tanto que a bolsa que deveria durar dois semestres foi prolongada por mais um. Tudo por insistência dela. "Me recusei a voltar porque achava que era muito importante o que eu estava aprendendo e queria aprender mais para poder compartilhar através dos meus cursos", explica. Hoje, os cursos ministrados por ela são dirigidos para várias áreas, do design, passando pela arquitetura e decoração, até o setor de desenvolvimento de produtos.   


Além dos cursos, Renata mantém o escritório de consultoria, que existe desde a época em que voltou para Porto Alegre, no início da década de 80. Fazendo uma comparação entre os tempos atuais e o início da carreira, conclui que, hoje, está mais fácil abrir caminhos na área do design, pois há uma tendência de se trabalhar com superfícies, "não só pelo viés estético e das formas, mas também através de pesquisas de produtos e materiais", comenta. Para ela, a internet também facilita, "porque tu não precisas sair de onde estás para te comunicar com o mundo", acredita. Um exemplo dos benefícios da rede é a matéria sobre ela que será publicada na edição de novembro em uma revista israelense. "Eles acharam meu trabalho pela internet", conta.


Filha de judeus que saíram da Alemanha ainda adolescentes em função do nazismo, Renata acredita que, além da influência artística da família, o gosto por cores e texturas é genético, já que seu avô paterno era escultor. Sua mãe também é uma figura conhecida, a diretora da Fundação Theatro São Pedro, Eva Sopher. Renata é avó de três netos e apaixonada por crianças, é ela agora quem tenta repassar o gosto pelas artes para a nova geração. "É uma relação bastante lúdica, a gente ri muito juntos, mas tento passar valores meus pra eles", aponta.


De designer a budista


Adepta da meditação há 20 anos, ela revela que, se não pudesse atuar como designer, seguiria para o lado mais esotérico da vida: "Trabalharia em um retiro, ou em um mosteiro". Desde que começou com a prática, Renata se considera uma pessoa mais feliz. "É devido ao estado de consciência elevado que a meditação proporciona. Eu trabalho com superfícies, mas não sou superficial", se explica.


Das muitas viagens realizadas, são as visitas à comunidade de Esalen, na Califórnia, na década de 90, que mais lhe despertam saudade. "É um lugar fantástico e maluco que começou nos anos 70." Também fala com paixão da última estada em Nova Iorque , em maio deste ano. "Fui sozinha, algo inédito na minha vida, e mesmo assim, não vivi nenhum momento de solidão", revela. Mais madura e "com um domínio maior sobre minhas fraquezas", diz ser uma pessoa impaciente, mas revela que a vida a ensinou a cultivar calma e paciência. "Não nasci com elas, mas foram aprendidas", brinca.


Solidária com o mundo, a designer diz que, em um futuro próximo, pretende dedicar mais do seu tempo para assuntos de âmbito social e ambiental. "Já era voluntária antes da onda", ironiza. Um de seus desejos nessa área é trabalhar com as crianças do Instituto do Câncer Infantil. Depois de duas tentativas frustradas, revela: "Eu não sei, mas acho que eles viram algo na minha personalidade que indicou que eu não ia agüentar a barra", reflete.


Cores, texturas, crianças, vida. São esses elementos que fazem de Renata uma pessoa feliz. "Tenho paixão pelo que faço. Sou interessada e adoro aprender. Preciso descobrir coisas novas diariamente", diz. Além disso, Renata ressalta que o exemplo deixado pelos pais foi fundamental. "Eles lutaram e conseguiram tudo do nada. Então, tive o exemplo de persistência em casa".

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