Cláudio Dienstmann: Pedagogia coisa nenhuma

O jornalista pensava em ser professor, mas uma amiga mudou sua inscrição no vestibular e ele se tornou uma referência do jornalismo esportivo.

"As histórias que eu conto não são lembranças, não são passado, é o meu currículo", diz o jornalista Cláudio Dienstmann, que, ao longo de uma extensa carreira no jornalismo esportivo, acumula inúmeros fatos memoráveis. Nascido em 4 de novembro de 1943, no município de Teutônia, quando ainda pertencia a Estrela, Cláudio foi aluno de colégio interno, onde aprendia, além das disciplinas elementares, Inglês, Francês, Alemão e Latim. Sua primeira tentativa de vir a Porto Alegre aconteceu em 1962, "cheguei com uma mala e um saco de roupa de cama, eu não tinha lugar pra morar, não tinha trabalho, não tinha nem colégio para continuar estudando. Foi meio complicado". 



Depois, corria o ano de 1963, foi morar com o pai, que possuía uma plantação de café no norte do Paraná, num local chamado Cidade Gaúcha. Ele estudou na cidade de Paranavaí, onde também teve sua primeira experiência em jornal. "Eu tinha 19 anos e trabalhava no jornal Diário do Noroeste, que é de um gringo aqui do interior do Rio Grande do Sul, de Nova Prata, o Alcides Bogoni". Anos mais tarde, Cláudio se arrependeria de não ter permanecido no Paraná. 



"Em 64 voltei a Porto Alegre, me ferrei de novo, mas consegui terminar o curso Clássico, terceiro ano no Julinho". No ano seguinte, o jornalista retornou ao interior, estava cansado de não ter boas condições de vida. "Pensei em não fazer mais nada, em 65 decidi ser vagabundo, mas como um vagabundo de 21 anos não era uma coisa bem-aceita na família, fui ser professor no interior de Lajeado".  Seguida a esta experiência, ele trabalhou na Cooperativa Languiru, em Teutônia.



Foi só na terceira tentativa de se mudar para Porto Alegre que tudo começou a dar certo. Cláudio fez vestibular para Jornalismo em 1966, na PUC. "Eu estava inscrito para Pedagogia no vestibular, porque era uma coisa que acreditava dar mais garantia de emprego. Mas aí contei a uma colega de Estrela, a Maria Luiza, que ia fazer este vestibular e ela disse: "Pedagogia coisa nenhuma, tu vai é fazer Jornalismo". Eu já estava inscrito, mas ela conseguiu mudar a minha inscrição e eu acabei fazendo mesmo o Jornalismo". Mudar de opção não foi difícil, pois o jovem tinha interesse pela área desde os tempos do ginásio, quando ele e seus colegas produziam um jornalzinho interno.



Estabilizando-se



Na capital gaúcha, o primeiro emprego que conseguiu como jornalista foi um estágio na Folha da Tarde, em 1968, na editoria de esportes. "Meu editor de esportes lá na Caldas Júnior era um cara que me torturou muito, nem vou citar o nome". Agüentou no osso, como diz, já que seu interesse sempre foi o jornalismo esportivo desde os tempos em que gostava de jogar futebol com o irmão mais velho, Milton. Ele conta que quando estava começando a ler, o irmão tinha assinatura do jornal Folha da Tarde Esportiva e desde então ele quis conhecer os jogadores que via nas fotografias. "Até hoje eu acho aquelas fotos as melhores fotografias esportivas do mundo. Eles botavam na capa goleiro voando, a bola assinalada pra mostrar onde estava, jogador cabeceando, lance de jogo. Hoje, 50 anos depois, temos mais recursos tecnológicos, mas nossas fotos perdem para a qualidade daquelas. Agora é uma coisa mais plástica: jogador de costa, levando tombo, mas não aparece realmente a expressão do jogador de futebol". 



Um dos jogadores que Cláudio queria conhecer era o centroavante do Internacional, Larri Pinto de Faria, que foi campeão Pan-Americano em 1956, no México. Uns 15 anos mais tarde, ele conversaria com o ídolo pela primeira vez. Em 1986, em comemoração aos 30 anos do campeonato, foi feita uma homenagem aos campeões do Pan-Americano e cada jogador recebeu uma medalha. "A medalha do Larri fui eu que entreguei", relembra Cláudio, todo orgulhoso do feito. 



O jornalista se formou em 1970 e permaneceu trabalhando na Folha da Tarde até início de 1972, agora como profissional contratado e não estagiário. Pela manhã, trabalhava na Folha da Tarde, e à tarde, na sucursal do Jornal do Brasil em Porto Alegre. "No JB eu fazia Geral e não gostava muito, em algumas ocasiões tinha que usar gravata para fazer entrevistas e eu achei aquilo um horror". Ele pediu demissão da sucursal do JB para trabalhar na Folha da Manhã, então renovada. Nesta época, Cláudio registra que integrou uma equipe que marcou época no jornalismo do Estado: contava, entre outros nomes, com Ruy Carlos Ostermann, Caco Barcellos e Jorge Escosteguy. 



O caso Sandra



O jornalista também passou pelos veículos do Grupo RBS - Rádio Gaúcha, Zero Hora, RBS TV, quando ainda se chamava TV Gaúcha -, foi assessor de imprensa do Internacional e colaborador da Revista Placar. Tem no currículo a invejável marca de ter participado da cobertura jornalística de seis Copas do Mundo e uma Olimpíada, a de Seul, em 1988.



Com tantas vivências, Cláudio não encontrou dificuldades para registrar em cinco livros tudo o que viu: ?Campeonato Gaúcho?, ?Dupla Gre-Nal?, ?Copa 94?, ?Copa 98? e ?Tóquio 95?. Entre os principais fatos que noticiou, o jornalista destaca "O caso Sandra", acontecimento noticiado no mundo inteiro. Em 1987, o Grêmio fez uma excursão pela Europa. Após um dos jogos, uma fã do time, Sandra, de 13 anos tinha pedido autógrafo aos jogadores, que a levaram para um quarto de hotel. Cláudio conta que quatro jogadores do Grêmio "faturaram a menina e acabaram enjaulados". 



Pela Zero Hora, o jornalista, que fala Alemão, foi à Suíça cobrir o acontecimento, acompanhado do fotógrafo Paulo Dias. Os jogadores estavam presos havia três dias. Os repórteres, logo ao chegarem no país, descobriram que o povo local não ia revelar de maneira nenhuma algum dado sobre o caso. "As notícias que saíam eram um negócio maluco: Jogadores de uma equipe de esportes do exterior estão presos sob acusação de relação com menor de idade. O que saía nos jornais era apenas uma nuvem, não citava nomes. Os acusados na Suíça nunca podem ter seu nome completo citado, as punições para quem fizer isso são imensas. Eu cheguei em um jornal para pedir informações e um cara escreveu num papelzinho ?Sandra?. Bom, isso eu já sabia, né? Mas eu tinha uma moeda de troca: informações sobre a seleção brasileira". O jornalista insistiu, dizendo para o repórter suíço que queria o nome completo, o endereço e o telefone da garota. 



Criando uma forma para conseguir as informações, Cláudio ameaçou o suíço: "Tu podes me dar a informação e eu não vou dizer que foi contigo que consegui, ou, eu vou conseguir sozinho e publicar no Brasil que foi tu quem me destes". Então ele conseguiu o que procurava. Cláudio e o fotógrafo Paulo Dias foram à casa da menina. "O Paulo, maluco, queria fotografar a menina, mas não tinha como fazer isso na casa dela". Com grande dificuldade, o fotógrafo conseguiu uma imagem de Sandra, na saída de um colégio. Os jornalistas permaneceram mais dez dias na cidade e encontraram a garota em um jogo de futebol local. "O Paulo fotografou ela e uns minutos depois, 150 suíços correram atrás dele", diverte-se Cláudio relembrando. 



Tranqüilidade em Gravataí



Cláudio casou em 1972. Ele e a esposa Marília moram em Gravataí há 27 anos. Foi quando o casal morava no Rio de Janeiro, no período de 76 a 78, que a filha Márcia nasceu. Hoje, ela também é jornalista e atua como freelancer em Porto Alegre. Cláudio conta que quando moravam no Rio, ele trabalhava o dia todo, sua esposa sentia falta da família que havia ficado em Gravataí, por isso resolveram voltar, até porque, acreditavam, assim os pais de Marília poderiam ajudar na criação de Márcia. 



Atualmente, Cláudio se considera aposentado compulsoriamente. "É contra minha vontade, mas estou sempre fazendo algum freela", diz. Ele está trabalhando em um livro sobre o centenário do Internacional, realizando pesquisas, acréscimos e correções. Um outro projeto do jornalista é recuperar o trabalho do colega Ronaldo Westermann, parceiro da Folha da Tarde. "É um cara genial, que merece ter seu trabalho aproveitado", acrescenta Cláudio sobre o falecido ilustrador e criador da série ?Pão e Água Futebol Clube?.



Quando não está mergulhado em suas pesquisas, Cláudio se dedica à literatura. "Gosto muito de ler, provavelmente tenho uma das melhores bibliotecas de esporte". Entre seus autores favoritos estão Gabriel García Marquez e Josué Guimarães. O jornalista releu há pouco tempo a obra ?As vinhas da Ira?, de John Steinback, e comenta: "Acho que só agora entendi o livro, que tem mais de 700 páginas e reflete uma realidade rural que está muito presente no Brasil hoje".



"Achei que eu ia me aposentar, voltar pro interior de Estrela, ter uma casa no campo, essas coisas. Mas aí descobri que não tenho temperamento para isso. Às vezes vou pra lá e no quarto ou quinto dia eu já quero voltar para os meus livros e minhas pesquisas", reflete Cláudio.



 


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