Nelson Matzenbacher Ferrão, "Mola": Da era Continental

O jornalista considera que o talento para esta profissão tem que estar expresso no "brilho do olhar"

Porto-alegrense de origem e de coração, Nelson Matzenbacher Ferrão, muito mais conhecido como Mola, conta que nasceu em pleno Carnaval, numa noite de fevereiro de 1950. "Um garoto do pós-guerra", define. O jornalismo e a música sempre estiveram presentes. Morador do bairro Cidade Baixa, desde garoto já fazia um jornalzinho, "de fofocas da rua", no mimeógrafo, datilografado à máquina. Aos 14  anos, ele e um amigo montaram uma rádio pirata na casa de outro amigo, João Batista Schüller, o "Megatom" da Continental. "A gente transmitia em cima do sinal da Guaíba. Botava música: Beatles, claro!", lembra. De garoto também recebeu o eterno apelido: "Estavam dando apelidos e me identificaram com uma "molinha", porque não paro quieto", assume, até porque é uma evidência. Durante esta entrevista, não parava de saltitar na cadeira, em uma sala de entrevistas do Grupo Sinos, em Novo Hamburgo.


Nos tempos do Ie-ie-ie


Após estudar no Colégio Rosário e no Cruzeiro do Sul, Mola conta que terminou o 2º grau em uma escola pública do Menino Deus, chamada "Infante Dom Henrique": "Gratas recordações. Como as escolas públicas eram interessantes nessa época. Saí duma escola particular para uma pública e me senti melhor", lembra. Foi nessa escola que o jornalista descobriu o prazer pela música: "Comecei a tocar meu violão e a participar de festivais, isso era 1967, 1968", explica.


Da época, guarda recordações, para ele memoráveis, como a vez em que tocou guitarra na primeira missa "Ie-ie-ie" de Porto Alegre: "a terceira do mundo", assegura ele, garantindo que a primeira foi em Roma e a segunda no Rio de Janeiro. A missa ocorreu na Igreja Sagrada Família e, quando começaram a tocar, a rua foi fechada pela Brigada MIlitar, tal a multidão de gente que foi para lá para acompanhar a atividade, enquanto as carolas se manifestaram em repúdio à iniciativa. No dia seguinte, a banda estava em todos os jornais da capital. Mola estava com 16 anos e confessa que não esperava tanta repercussão: "Dei até autógrafo no centro", diverte-se.


Depois prestou vestibular para Direito na PUC e, ao mesmo tempo, para Jornalismo na Ufrgs, este por influência do amigo Carlos Paim Falseta, já falecido. Passou nas duas e optou pelo segundo curso. "Tinha uma certa facilidade para me comunicar, apesar de ser um cara tímido", constata. Na faculdade, conheceu a estudante Scheila Ruschel, com quem casou e teve dois filhos: Samoa, 26 anos, advogada que vive com o marido nos Estados Unidos, e Ian, 22, formando de Realização Audiovisual na Unisinos. "São duas obras-primas", derrete-se Mola.


20 anos de experiência


Ainda antes de se formar, em 1971, Mola foi para a equipe da rádio Continental - emissora que integrava o Sistema Globo de Rádio e seguia o estilo da rádio Mundial, do Rio de Janeiro. Lá, ele trabalhou com profissionais que admira, como Fernando "Judeu" Westphalen e Marcus Aurélio Wesendonk. Mola e o amigo "Megatom", que também estava na rádio, procuravam realizar uma redação diferenciada, após fazer "escuta" de rádio e olhar os jornais do dia: "Na época eu não tinha dimensão do que seria aquilo. Percebi depois, quando universitários passaram a nos entrevistar para seus trabalhos de conclusão de curso", orgulha-se.


Em 1973, sua mulher, que trabalhava na área de pesquisa da Zero Hora, o levou para a subeditoria de Polícia: "Maravilha!, disse. Tinha 22 anos, era garotão. Gostava de música e de namorar. Então entrei no mundo do jornal e foi uma coisa reveladora", relembra. Recém havia ocorrido o incêndio da ZH e a redação estava improvisada num canto do primeiro piso do prédio da Ipiranga. Mola conta que no momento em que chegou lá, era como se estivesse entrado na redação de um grande jornal do mundo.


Da Zero, ficaram as "figuras" que são referência em sua vida profissional, como Lauro Schirmer, Carlos Fehlberg, João Aveline: ("doce figura"), João Souza, Carlos Bastos, Ibsen Pinheiro, Carlos Alberto Kolekza, Danilo Ucha e Armando Burd, que foi seu primeiro editor-chefe e, segundo ele, o "irresponsável" pela sua formação: "São caras com quem aprendi, não desmerecendo a universidade. Nada contra a academia, mas a prática é fundamental", defende. Lá, ficou até 1992: "Talvez o meu estilo profissional venha daí. A Zero estava surgindo, então era uma gana. A gente jogava como se todo dia fosse um fechamento da edição mais importante", afirma.


Mola lembra que passou pela editoria de Polícia, fez pauta, atuou nos bastidores da TV Gaúcha (atual RBS TV), editou cadernos especiais, foi editor de esportes, chefe de reportagem, secretário de redação e editor-executivo. Ainda no Grupo RBS, mudou-se com a família para Blumenau, para dirigir o Jornal de Santa Catarina, que recém havia sido adquirido. Sua mulher foi para a editoria de Variedades: "É a melhor editora que já conheci", confessa.


Saudade dos pagos


A convite do Grupo Sinos, em 1996, Mola voltou para o Rio Grande do Sul: "Já tinha um interesse em voltar. Saudade dos pagos, aquelas coisa". Atuou como diretor em todos os jornais do Grupo. Lá, define que a força está na notícia regional.  Ficou até 2001, ano em que assumiu o projeto do jornal O Sul. Ele, junto com Núbia Silveira, montou o jornal desde o início: "Quando cheguei só havia uma rotativa. Se não fosse pela Núbia, não conseguiria fazer aquilo funcionar em três meses", declara. Mola explica que o projeto inicial não foi seguido: "Hoje é um outro tipo de jornal e tem os seus leitores também. A gente não tem que ter preconceito. Cada veículo tem o seu estilo, é dirigido a um público e cada público merece consideração. Pode não ser o jornal que tu gosta de ler, mas tem alguém que lê e isso deve ser respeitado", defende.


Ao sair do O Sul, montou uma empresa de assessoria de Imprensa, de pouca duração. Nessa mesma época, trabalhou na Secretaria de Comunicação do governo Rigotto, a convite do amigo Ibsen Pinheiro. Foram três meses até mudar para a assessoria do Banrisul, onde atuou até o final de 2006: "No Banrisul descobri uma nova alternativa para quem trabalha na área", define.


Papeleiro jogador


Neste ano, Mola voltou ao Grupo Sinos, para um projeto relacionado à Internet, com foco na região do Vale do Rio dos Sinos. O lançamento está previsto para a segunda quinzena de março: "Estou tendo a oportunidade, novamente, de fazer algo novo no momento adequado", conclui, maravilhado com as possibilidades da Internet: "Eu sou um "papeleiro" de origem. Minha história começa no jornal de papel. E descobri uma coisa: o fechamento na Internet é a todo minuto. O espaço não tem fim, Além de contar com uma coisa que é o fato de poder saber exatamente o que as pessoas estão achando do que se está fazendo. Estou no comando, na proa e vendo tudo", diverte-se.


Nelson Ferrão se define como um homem que enxerga o passado, mas que vive no presente, com olhos voltados para o que pode acontecer. E isto é descrito por ele, tanto na vida profissional quanto na pessoal. Na música, por exemplo, um de seus "eternos prazeres", ele não esquece das bandas de rock preferidas da juventude: Beatles e Rolling Stones. Mas avisa que também aprecia Oasis e Coldplay (bandas da atualidade). No âmbito profissional, Mola considera-se um privilegiado: "Costumo dizer que fui um cara de muita sorte, porque as pessoas me ofereceram oportunidades. Ao mesmo tempo, eu olho para mim e compreendo que me apresentei para o jogo. É o que eu digo para as pessoas: tu tens que aparecer para jogar". 

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