Ricardo Barão: Fome e sede de cultura

Ele foi um dos fundadores da Rádio Ipanema FM e hoje levanta a bandeira da world music

Se a vida de Ricardo Barão tivesse uma trilha sonora, ela seria embalada pela world music, chamada pelo jornalista de "música-arte". Barão, que nasceu em Porto Alegre no dia 9 de agosto de 1954, antes mesmo de tornar-se radialista, já tinha um elo com as notas musicais. Seus irmãos integravam uma banda, e ele estava sempre os acompanhando. Mais tarde, tornou-se produtor musical, foi um dos fundadores da Ipanema FM e, hoje, levanta a bandeira da "Música do Mundo". "Se, no passado, o rock serviu de fundo musical para uma revolução de comportamento, hoje existe uma nova revolução acontecendo no planeta: é a revolução social, embalada pela world music, que fala dos problemas dos países de Terceiro Mundo. Eles resolveram mostrar a cara e fazem isso não tocando rock, mas, sim, o som típico de cada região".


A irritabilidade e o anarquismo foram características que fizeram com que Barão obtivesse diversas conquistas em sua carreira profissional."A irritabilidade que me refiro é em relação à mesmice, com a imitação de coisas já feitas, ou seja, com a falta de criatividade. Grupos musicais têm que criar e não ficar copiando dos outros. Cada região do Brasil é riquíssima em ritmo, e as bandas ficam imitando os americanos. Isso me irrita! Esta irritabilidade me fez criar um espaço para divulgar as bandas talentosas e que não seriam contratadas por gravadoras aqui no Brasil". Já o anarquismo, ele explica como uma espécie de inquietação com a acomodação das pessoas quanto ao governo. "Se todo mundo diz que o governo está bom, eu sou contra, pois tem uma série de coisas que estão erradas. O tratamento, por exemplo, que dão para a cultura aqui no Estado é péssimo!"


O radialista vê a música como uma forma de derrubar as muralhas dos ódios, dos preconceitos e da intolerância. Para ele, a música une os povos e tem uma energia muito forte. "São sete notas musicais e são sete cores do arco-íris. A música tem um poder muito grande, pois ela move multidões. Tem que ter muito cuidado ao mexer com ela, porque ela mexe com o inconsciente das pessoas. É por isso que eu brigo pela música-arte, pela música-mantra, pela música que realmente toca a alma dos seres humanos: a world music".


De pai para filho


Raros são os conhecidos de Ricardo Barão que sabem que seu nome verdadeiro é Ricardo Espinosa Kurtz e que o "Barão" veio de um apelido de adolescência. "Eu tinha um carro vermelho com o painel cheio de relógios e, por causa disso, me apelidaram de "Barão Vermelho". Como no rádio eu achava estranho me anunciarem como "Ricardo Espinosa na produção", acabei aproveitando a deixa", conta. E a jogada deu tão certo que o apelido virou sinônimo de "pai": o próprio filho mais velho o chama de Barão.  Erick Krau, 26 anos, fruto do primeiro relacionamento, de certa forma, seguiu os rumos do pai: a música também é uma de suas ferramentas de trabalho, porém de uma forma diferente. Ele é responsável por harmonizar o impacto sonoro com o impacto visual e fazer com que a música e a iluminação de uma rave entrem na mesma batida. É um LJ, especialista em iluminação computadorizada. "Ele é iluminador de todas as raves grandes que vêm a Porto Alegre. Os profissionais da área dizem que ele é um dos melhores LJs do Brasil", repetia o pai orgulhoso.


Depois de um casamento e três relacionamentos estáveis, o jornalista conta vive há um ano com Raquel Leão, que, além de ser cantora, é redatora do site Música do Mundo. O casal se conheceu durante uma palestra onde Barão era ministrante, e hoje tem um filho, Arthur Leão Kurtz, de três meses. "Era ela quem fazia as perguntas mais revolucionárias. Acabamos trocando idéias no final do evento e, então, trocamos até hoje."


Um guri na Universidade


Barão começou a trabalhar no rádio muito jovem. Na década de 70, com apenas 17 anos, foi convidado a atuar como produtor musical do "Programa do Cascalho", apresentado por Antônio Carlos Contursi, na Rádio Continental AM. "Eu era um guri no meio de grandes figurões. Foi uma oportunidade bárbara ter entrado numa das melhores rádios da época. A emissora fazia parte do sistema Globo de rádio e, em plena época de ditadura, conseguia fazer coisas incríveis. A Continental foi a minha Universidade", lembra. O radialista, que desistiu de cursar Jornalismo por já trabalhar na área e ser beneficiado pela Lei Sarney, conta que o convite para integrar a equipe da Continental surgiu pelo fato de estar sempre viajando para a Argentina, comprando discos. "Trazia discos importados e os vendia para DJs , lojas e para rádios aqui no Brasil.  Entrei como produtor do programa pelo volume de novidades que eu tinha e pela indicação do Claudinho Pereira, que foi um dos meus mestres, uma figura com quem até hoje tenho um relacionamento de irmão", afirma.


Depois de quatro anos, saiu da Continental para trabalhar na Cultura Pop, que foi a primeira rádio FM voltada para o público jovem. Mais tarde, atuou na Rádio Cidade e na Rádio Bandeirantes, onde comandava o programa Estúdio 576 e, depois, exerceu a direção da programação musical da emissora. O jornalista também teve uma passagem pelo Teatro Leopoldina, atual Teatro da Ospa, como produtor executivo. "Foi uma escola muito interessante em termos de show business, produção, música ao vivo e eventos. Minha função era viabilizar para os artistas o que estava no contrato, como camarim, equipamentos de som, microfones e era também uma espécie de pai e mãe para os músicos que vinham a Porto Alegre. Meu conhecimento cultural foi ampliado nesta época", diz ele.


Mundo da Música


Na década de 80, quando a Rede Bandeirantes comprou a Porto Visão, que era integrada pela TV e Rádio Difusora FM, Barão ficou com a responsabilidade de colocar a casa em ordem. "Como ninguém sabia o que fazer com a rádio, que estava atirada às traças, resolvi montar um veículo que só tocasse rock".  Foi então que Ricardo Barão, Nilton Fernando, Mauro Borba e Meri Mezzari fundaram a Ipanema FM com o objetivo de que ela tivesse linguagem própria e que fosse uma espécie de "janela informativa". O radialista também se orgulha de ter lançado e produzido o Rock Garagem, uma coletânea dos melhores grupos de rock de Porto Alegre. O projeto seria responsável pelo estouro do rock gaúcho no cenário nacional. "Fiz o movimento do rock gaúcho estourar, pois consegui levar para dentro do estúdio nomes como Engenheiros do Hawaí e Nei Lisboa."


Em 1990, Barão passou uma temporada na Europa e lá trabalhou na Rádio 3, na BBC de Londres e na Radio France Internacional. Devido ao contato que teve com esta última emissora, absorveu a idéia da world music.  "Paris é a central do mundo, então, a fusão musical reunia gente de vários continentes. Foi com esta idéia que eu voltei ao Brasil e estreei o programa Música do Mundo, na Rádio Unisinos."


No ano de 2001, retorna à Rádio Ipanema FM, a convite do então diretor da emissora, Eron Dalmolin, com o programa cultural A Música do Mundo. "A atração foi líder de audiência no segmento de rádio A/B, jovem/adulto, aos domingos no horário das 18h às 20h, durante 6 anos consecutivos", conta. O jornalista também diz que as pessoas não conseguiam explicar por que um programa que não tocava músicas de sucesso e da moda mantinha bons índices de audiência. "Minha intuição radialista me diz o seguinte: eu tocava músicas árabes, indianas, européias, entre outras. Só aqui em Porto Alegre, somos descendentes de mais de 28 etnias, e a world music mexe com a memória genética e espiritual do indivíduo."


Depois de oito anos, em dezembro de 2006, Barão deixa novamente a Ipanema. "Talvez a rádio esteja perdendo a característica que sempre teve de ser uma janela informativa, pois ela sempre foi vista como uma rádio de Jornalismo musical. Entretanto, parece que não é mais assim e é por isso que eu não estou mais lá."


Colhendo frutos


O site Música do Mundo, que transmite a atração que lhe rendeu o nome, já está no ar há seis anos. "Como o programa era semanal, os ouvintes queriam gravar as músicas, então criei o portal.." Atualmente, o endereço eletrônico, que registra cerca de 120 mil visitas mensais, se apresenta como maior portal de world music da América Latina e conta com uma rádio web com programação musical por 24 horas diárias. O Música do Mundo também é transmitido para a Rádio Bemba FM do México e Rádio Antena Uno, do Equador. "Está existindo um intercâmbio muito grande de músicos árabes, indianos, asiáticos. A música latino-americana está a mil na Europa e a música brasileira também. Tem grupos misturando música indiana com brasileira, grupos alemães tocando bossa nova. Tem uma infinidade de lançamento e nada disso é tocado nas rádios, a não ser em São Paulo, na Rádio Eldorado, e no site Músicas do Mundo."


Depois de muitas tempestades, da escolha, do preparo e do plantio do terreno, chegou a hora de colher os frutos. E, pelo que tudo indica, a safra vai ser boa! O Música do Mundo foi eleito como um dos 24 melhores programas de rádio do mundo, ao lado de rádios como BBC de Londres, Kalx FM da Califórnia, Cibl FM do Canadá, Rne FM da Espanha, Wdr da Alemanha e 2 Ser FM da Austrália. A consagração foi conferida pela Francophonie Diffusion durante o congresso de rádios latino-americanas em Paris, na Rádio France Internacional, em novembro de 2005. A novidade é que a atração vai voltar às rádios gaúchas. Porém, devido a cláusulas contratuais, Barão ainda não pôde divulgar o nome da emissora.


Ele revela que, antes dos méritos que vem obtendo com a "música-arte", considera como uma das grandes conquistas ter participado da fundação da Ipanema FM. "Nós conseguimos criar um espaço para os músicos gaúchos poderem sobreviver financeiramente, pois surgiu um público para eles e se desenvolveu uma estrutura. Se a primeira conquista foi lançar os músicos gaúchos para o eixo Rio-São Paulo, a segunda vai ser lançar e criar uma ponte para os gaúchos da música-arte para a Europa."


Apesar de ter optado pelo caminho mais difícil, Barão não se arrepende. "Eu escolhi o caminho mais tortuoso, que é o da música-arte. Poderia estar trabalhando em grandes redes e tocando músicas comerciais, mas como sou um excelente visionário e tenho um sentido para captar as coisas, preferi a world music e não me arrependo, porque por dentro sou uma pessoa feliz e realizada. Não ando de Mercedes, mas ando com a minha moto que eu gosto pra caramba. Vou para a França, volto e consigo colocar a cabeça no travesseiro e dormir tranqüilo. A coisa mais legal do mundo é encontrar os músicos que ajudei no passado e ver a gratidão que eles têm por mim. Estou tranqüilo quando se trata do lado financeiro, mas não é isso que me interessa: eu tenho fome e sede de cultura, de veículos, de coisas novas e de viabilizar estas tecnologias."

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