Fraga: Entre o humor e a crítica

Humorista e frasista por excelência, ele é um misto de cartunista, publicitário, cronista e jornalista. Tudo em um só.

Fraga - Reprodução

Um sobrevivente. Assim, o humorista e frasista Fraga se define. Aproximar-se da cultura, ainda na infância, foi a maneira que encontrou de ofuscar a realidade na qual estava inserido. E por isso sua estrada é permeada de histórias de todos os tipos. Bonitas ou tristes, mas, acima de tudo, de superação. Aos 62 anos, ele analisa e reconhece que precisou arrombar muitas portas para atingir objetivos. Atualmente, é colaborador de vários veículos, como Correio de Gravataí, Diário de Cachoeirinha e Diário de Viamão, do Grupo CG de Comunicação; Jornal Já, de Porto Alegre; Revista Capilé, de São Leopoldo; jornal Extra Classe, do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul (Sinpro-RS); e Coletiva.net, entre outros. Também é um dos editores do blog Tinta China, da Grafar (Grafistas Associados do Rio Grande do Sul).

Em sua trajetória profissional, José Guaraci Fraga percorreu muitos caminhos e moradas, em Salvador, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Florianópolis. De volta a Porto Alegre desde 2005, sua meta ainda é viver do humor. "Eu gostaria que o humor garantisse a minha sobrevivência, e olha que eu não preciso de muita coisa...", lamenta. A inquietude constante é o que o leva a intrigar-se e externar, através de suas frases, questionamentos a respeito da sociedade. Crítico corrosivo e mesmo impaciente, repudia a sociedade de consumo. "Isso me incomoda, pois vejo que as pessoas estão ocupadas mais consigo mesmas do que com o convívio do todo."

Qualidade é o que não falta em seu trabalho, tanto que, entre 1974 e 1984, recebeu dez Prêmios ARI (o mais prestigiado do jornalismo no Rio Grande do Sul), todos na categoria crônica. É autor da obra "Punidos venceremos", lançada em três edições na década de 1980. No momento, está produzindo três livros, entre eles, um dicionário de humor. Fraga vive o presente e, por isso, nunca fez questão nenhuma de acumular bens. "Meu patrimônio é todo cultural. Tudo que eu fiz foi garantir o meu prazer. O passado não me interessa no sentido de que ele não me move. Ele está muito bem guardado dentro de mim... o futuro também não me interessa. Me interessa este momento exato", explica.

Se não desempenhasse todas estas atividades ligadas à área de comunicação e ao humor, Fraga pensa que seria um bom arquiteto. "Uma vez comecei a desenhar móveis, em casa, porque eu queria fazer uma estante. E descobri naquele dia que eu desenho muito bem móveis e que eu sou muito bom de perspectiva", acredita.

Infância humilde

Nasceu em Porto Alegre, em 16 de maio de 1946, filho de mãe solteira. Com apenas alguns meses, passou a ser criado pela avó materna, já que sua mãe era muito jovem, tinha apenas 16 anos. "A minha vó me deu a certeza de que eu era bem-vindo a este mundo. Ela era rude, mas tinha uma ternura... eu tenho certeza que foi a pessoa que mais me amou neste mundo e que eu também era a pessoa que mais gostou dela", diz Fraga. Aos seis anos, quando foi para o colégio, já sabia ler e escrever por conta das brincadeiras de "escolinha" propostas pela tia mais moça.

Uma forma que Fraga encontrou para superar as dificuldades vividas na infância - violência, ignorância e sujeira - foi, ao longo do tempo, buscar sempre o oposto: sensibilidade, conhecimento e limpeza. E ele garante que esta busca se completou. "Era uma pulsão interna, uma necessidade muito grande que eu tinha de descobrir coisas e me afastar do que não me trazia nenhum prazer", explica. Não por acaso, se considera um verdadeiro sobrevivente e avalia que a vivência na Vila Mato Sampaio (hoje Vila Nossa Senhora de Fátima) fez com que tivesse uma leitura muito precoce sobre o mundo.

Aos 12 anos, José Guaraci, que estudava na Escola Nossa Senhora de Fátima, conheceu a família Menda, de judeus, que fazia benemerência na vila. Ele, apesar de não ser um aluno de comportamento exemplar, era o que tinha as melhores notas, e por isso foi um dos escolhidos para receber uma bolsa de estudos no internato do Colégio Cruzeiro do Sul, em 1960, onde ficou durante três anos, até ser reprovado em matemática. Antes disso, viveu durante um ano na casa da família Menda.

Com eles, Fraga teve acesso à cultura, através de uma infinidade de livros, assim como aprendeu a sentar corretamente à mesa para as refeições, a usar copos e talheres. "Eles eram bondosos comigo, sem nunca me tratar com inferioridade. A afetividade que eu recebia era igual a que eles davam aos seus filhos", relembra. Na família Menda nada era imposto, e isso influenciou Fraga na hora de educar seus filhos. "Eu sabia que podia oferecer a eles uma atmosfera assim...", conta. Descasado algumas vezes, Fraga tem três filhos do primeiro casamento: Marcelo, 36 anos, engenheiro mecânico; Letícia, 34, lingüista; e Luciano, 31, astrônomo. Da filha, tem três netos, de 14, 11 e 7 anos.

De balconista a humorista

Começou a trabalhar com apenas 16 anos, fazendo alguns "bicos", o que incluía desde colocar antena de TV em prédios até a ser cartazista de supermercado e vitrinista de loja. E ainda tentou ser jardineiro por algum tempo. Mas o que ele queria mesmo era ser office-boy do Correio do Povo, jornal em evidência na época, ou de alguma agência de propaganda. Até que, diante da necessidade, temporariamente abriu mão do seu objetivo quando um vizinho, que trabalhava nas Farmácias Panitz (atual Panvel), o aconselhou a tentar uma vaga por lá. "Eu achava pouco aquilo pra mim, mas precisava ganhar dinheiro e ajudar minha família, de dez irmãos. Então, aceitei a oportunidade como algo provisório na minha vida... só que este provisório durou muito tempo", relembra Fraga, que atuou durante oito anos atrás do balcão de várias redes de farmácia.

Mesmo assim, ele avalia a fase como muito positiva por dois motivos. Um deles porque foi neste período que conheceu a mulher que seria a mãe dos seus filhos, Maria da Glória Fraga. Outro fator positivo foi o conhecimento que trabalhar atrás do balcão lhe trouxe. "Uma das coisas mais divertidas era prestar atenção no comportamento humano, afinal, é um laboratório sobre a vida. E acho que isso me ajudou muito numa coisa que ainda estava se preparando dentro de mim e eu não sabia...", destaca Fraga, pois foi justamente nesta época que ele começou a escrever. Com o salário que recebia na farmácia, já podia fazer mais coisas que desejasse. Então, frequentava cinemas e livrarias para tentar se abastecer, ao máximo, de coisas "mais exigentes", de um nível mais elevado, pra descobrir coisas novas.

"Eu sempre gostei muito de frases, sempre colecionei muito pensamento inteligente e lia tudo que podia. Tanto que quando eu era pequeno, a minha necessidade básica era conseguir algo pra ler, pois era o que me acalmava naquele ambiente", relembra Fraga, referindo-se à sua infância, vivida sem conforto algum e com muitas dificuldades. Ele gosta de lembrar que saía pra rua pra juntar ferro velho, vidro e ossos pra vender e juntar algum trocado pra poder comprar livros e revistas. "Eu também comprava querosene para abastecer meu lampião... ficava lendo da meia-noite até às cinco da manhã", conta, definindo esta atitude como um escapismo, para que não estivesse sempre em choque com o mundo que o cercava.

A virada

"A minha vida ficou boa depois que eu entrei para o jornalismo e a publicidade. Então, eu pude dar para os meus filhos tudo que eu não tive", avalia Fraga. Isso aconteceu quando resolveu fazer cursinho pré-vestibular e foi aluno de um dos diretores da agência de propaganda Exitus. "Eu comecei a colecionar anúncios dele e opinar", lembra. Assim, começou a trabalhar na empresa como contato, e depois de três meses tornou-se produtor gráfico. Seu talento rodou por outras agências até que, em 1977, surgiu a proposta para atuar na MPM, a maior e mais desejada do Rio Grande do Sul nos anos 70 e 80. Depois disso, trabalhou durante um ano, em 1980, na Bahia.

Quando retornou a Porto Alegre, depois de passar por outra agência, em 1982 ingressou no Grupo RBS com duas funções: ganhou uma página de humor toda quarta-feira, chamada "Ti Fraga", e se tornou assessor da diretoria para discursos e eventos. Em 1985, a convite de Ruy Carlos Ostermann, na época deputado, foi para Assembleia Legislativa atuar como assessor de gabinete. A experiência foi rápida, já que neste mesmo ano surgiu a oportunidade de retornar à MPM, só que desta vez no Rio de Janeiro. Lá ele ficou durante 12 anos, passando por diversas outras agências.

Em 1997, foi para São Paulo, onde ficou até 2004. No ano seguinte, morou brevemente em Florianópolis, quando resolveu retornar à capital gaúcha. Embora a atuação na publicidade tenha sido, na maior parte do tempo, uma forma de sobrevivência para Fraga, ele garante que sempre desempenhou seu trabalho com muito gosto. "Sempre muito satisfeito, muito feliz de ter algo pra dar para aquela profissão", afirma ele, que nunca gostou de ostentar a vaidade e badalação, comum aos profissionais da área.

O ingresso no Jornalismo

Antes de ter ingressado na área da Propaganda, Fraga tentou muito viver de humor. Foi quando, em 1971, surgiu, em Porto Alegre, o jornal Pato Macho, iniciativa de Luis Fernando Veríssimo e outros profissionais que o futuro chargista tinha vontade de aproximar-se e conhecer. Tratou logo de produzir uma colaboração para entregar, mas chegou tarde: o jornal alternativo fechou um dia antes de Fraga entregar sua contribuição. Não contente, ele enviou o material ao O Pasquim e, algum tempo depois, teve seu trabalho publicado na seção 'Picles', nome criado pelo cartunista Henfil, na época editor, e que posteriormente revelou inúmeros frasistas. Para completar, ainda recebeu em casa, pelos Correios, um cheque em reconhecimento a cada frase publicada.

Depois disso, Fraga passou a frequentar a redação da Folha da Manhã, jornal que considera altamente inovador, para conhecer pessoas e mostrar seus textos. Fez amizade com Edgar Vasques, que, certa vez, desenhou alguns roteiros que Fraga criou para seu personagem Rango e, desta forma, durante um ano, ele batalhou um espaço no impresso. Até que um dia, no início de 1974, Ruy Carlos Ostermann, então diretor de Redação, resolveu ceder. No mesmo dia em que nasceu a filha Letícia, em 28 de janeiro, Fraga ganhou um belo espaço que ocupava duas colunas na Folha da Manhã, dando-lhe o nome de 'Bugigangas do Fraga'. "Foi a minha grande escola de Jornalismo", diz. Conviveu com nomes como Osmar Trindade, Elmar Bones e Vieira, entre dezenas. Ficou lá durante um ano e meio e acabou sendo demitido por conta de uma de suas frases, contundente como muitas que produziu: "Não é difícil ser honesto, basta ser tolo".

Fraga foi idealizador do 'Quadrão', suplemento de humor que circulou encartado, aos sábados, na Folha da Manhã. Executada ao lado de Edgar Vasques, a ideia estimulou o humor gaúcho e o período ficou conhecido como o "boom do humor", movimento cultural relevante no Rio Grande do Sul, em plena Ditadura brasileira. Depois disso, os humoristas se reuniram e passaram a editar livros de humor, o primeiro deles chamado QI 14. Em seguida, um grupo de jornalistas da Folha da Manhã criou o Coojornal (Cooperativa de Jornalistas de Porto Alegre), e Fraga aderiu no primeiro instante. "Um projeto que entrou para a História da imprensa brasileira", relembra.

Os "amigos de papel" e as frases

Sempre apreciou um tipo de literatura que classifica como de escape, o que inclui obras de terror, ficção científica e policial. "A leitura sempre foi um meio de compensar algumas carências. Os meus melhores amigos de infância, com o tempo, foram se distanciando, pois não aproveitaram as oportunidades que tiveram... Então, eu descobri que os meus melhores amigos, alguns deles eram de papel. Eu encontrava personagens, que me agradava estar com eles", reflete Fraga, analisando que isso fez tão bem que o incentivou a começar a escrever.

No humor, ele não acredita ter sido influenciado por nomes consagrados, exceto o pensador Millôr Fernandes, "que me marcou e me transformou no humorista que eu acho que sou". Quando 'guri', Fraga costumava acompanhar Millôr na O Cruzeiro, conceituada revista nos anos 60. "Era a coisa mais inteligente do País naquela época", descreve. Assim começou, inspirado por Millôr, a tentar fazer frases.

Afetuoso, preza pelas grandes amizades. "Eu sou capaz de viver sozinho, mas não abro mão de conviver e procurar conhecer pessoas. Eu acho que é mais importante estar bem acompanhado do que sozinho", confessa. "O bom do período que vivi na vila é que eu mantenho contato com todos", avalia Fraga, que regularmente vai visitar e tomar um café com os amigos de mais de meio século.

Preferências, lembranças e reflexões?

Com a família Menda também aprendeu a gostar, desde cedo, de música clássica. Com o aprendizado, Fraga também passou a apreciar jazz. Ainda adora artes plásticas, música de vanguarda, teatro e cinema. Quando criança, Fraga gostava de assistir às sessões do Sesi, que tinha um projeto de cinema de rua que percorria as vilas projetando filmes em paredes ou telas. Muitas vezes, ele acompanhava o trajeto percorrido pelo projeto nas vilas, tudo para assistir ao mesmo filme. "Eu lembro que um dos meus prazeres era ajudar a montar e a desmontar a tela. A sensação de estar dobrando aquela tela, por onde tinham passado as minhas emoções...", lembra.

Outra lembrança marcante da infância é ter ido a pé e sozinho, do Praia de Belas até o centro da Capital, até a primeira Feira do Livro de Porto Alegre, onde anos depois pôde lançar muitas obras. "O que mais me caracteriza como autor é fazer coisas em grupo", destaca Fraga, que organizou antologias e exposições coletivas e editou livros de Millôr, Jô Soares e Veríssimo, entre outros. Em seu acervo pessoal, já reuniu mais de 1.500 livros, além de mil discos, entre CDs e DVDs. Quando se mudou, em 1997, para São Paulo, deixou sua vida 'encaixotada' no Rio de Janeiro, e após alguns anos descobriu que, devido a um 'incêndio sem chamas' - assim ele denomina um dos acontecimentos mais dolorosos de sua vida -, o material se extraviou e Fraga perdeu todas as memórias do seu passado.

Em 2000, teve um infarto. De lá pra cá, algumas coisas mudaram, entre hábitos e pensamentos. "Descobri que eu tenho mais amor à vida do que eu tinha", constata. A frase, de sua autoria, que o guia sempre é: "Tudo vai dar certo, mesmo que não dê". Para terminar, cita seu epitáfio, que fez quando tinha pouco mais de 20 anos e ainda é o mesmo: "Pra mostrar quanto eu adoro este planeta e como eu acho que apesar dos pesares - dilemas sociais, esmagamento da sociedade, limitações para realização das massas -, ainda assim, eu digo assim: estou aqui contra a minha vontade".

 

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