Flávio Porcello: Um professor viajante

O jornalista e docente universitário é fascinado por percorrer o mundo e conhecer novos lugares

A aptidão para a comunicação aliada à larga experiência em jornal e TV fizeram com que Flávio Porcello se descobrisse, também, um professor apaixonado pelo ofício. Com passagens por emissoras de televisão como RBS TV, Rede Globo, TV Pampa, SBT e TVE, e jornais como Zero Hora, Folha da Manhã, O Estado de S.Paulo, O Globo e Gazeta Mercantil, o jornalista atuou como repórter especial e correspondente internacional. Aos 56 anos, Flávio segue encantado pelo trabalho que faz: já são mais de 30 anos de trajetória profissional. Mestre e doutor, atualmente é professor adjunto nos cursos de graduação em Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e pesquisador da área de Televisão.


"Gosto de pensar. Atuo na área de pesquisa, tento produzir conhecimento, por isso tenho que estar com a cabeça aberta e arejada para compreender o mundo e tentar contribuir para o avanço da ciência", constata. Por isso, nas horas vagas, Flávio gosta de caminhar em Ipanema. "Fone no ouvido, cara no vento e os pensamentos voando. É a minha terapia. Ali eu me encontro comigo mesmo e tento resolver as situações", descreve. Entre as atividades de lazer, também estão muita leitura e cinema, como não poderia deixar de ser. "Gosto muito de cinema, mas no cinema mesmo. Acho sem graça ver filmes em casa, não tem o mesmo charme e a mesma emoção da tela grande. Ir ao cinema é um ritual: a gente prepara-se para concentrar toda a atenção no que está sendo projetado na tela", justifica.


Fascinado por viagens, duas vezes por ano ele se presenteia com um passeio para algum lugar do Brasil e outra para o exterior. Como gosta muito do frio, sempre acaba escolhendo países gelados, especialmente quando o verão está implacável no Rio Grande do Sul. "Existe o turista e o viajante. Eu me coloco na segunda posição. Gosto de ir a lugares onde nunca fui e lá tentar me sentir como um morador da região", conta. Já esteve na Espanha, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, França, Inglaterra e Estados Unidos. Em breve, vai fazer pós-doutorado na Universidad Pompeo Fabra, em Barcelona, onde quer aprender a falar o catalão.


Em música, aprecia especialmente a brasileira: Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Zeca Pagodinho e Martinho da Vila, entre outros. Mas também gosta de clássicos como Frank Sinatra e Louis Armstrong. Admirador do futebol, é gremista e começou carreira na área do Esporte. "Gosto mesmo é de ver um futebol bem jogado, o que é difícil de acontecer hoje, pois a TV está mudando a forma de nos fazer ver o futebol. Há muito comércio e os negócios acabam tomando o lugar que seria do esporte", lamenta.


Separado há alguns anos, o jornalista tem uma filha, Paula, de 21 anos, estudante de Jornalismo da Famecos. Natural de Porto Alegre, Flávio Antônio Camargo Porcello nasceu em 6 de outubro de 1951. Formou-se em Direito (1976) e em Jornalismo (1977) pela Ufrgs. A formação na área jurídica contribuiu para que Flávio compreendesse a imprensa sob uma ótica diferenciada. "A Justiça é lenta e a imprensa é rápida. Isso eventualmente gera conflitos entre as duas", observa, referindo-se aos casos em que a mídia faz o pré-julgamento ou até mesmo condena ao criticar evidências sem provas. "A grande lição que levei do Direito para o jornalismo é que todo mundo tem direito de defesa, é inocente até que se prove o contrário. Não existe verdade absoluta, a verdade é relativa", norteia. "Ser justo é o que me move", completa.


As redações trazem saudade ao jornalista, que sente falta da rotina de estresse e adrenalina. "Sinto falta, mas tudo tem seu tempo", ensina. "O mundo não começa e nem termina no jornalismo, mas o mundo passa pelo jornalismo", reflete.


Entre o vermelho e o azul


 "Claro que quando eu comecei a fazer as duas faculdades, eu tinha dúvidas. Eu achei que um curso complementaria o outro, mas eu não havia me decidido entre ser jornalista ou advogado", conta. Gremista de carteirinha, em 1975, quando estava na metade do curso, surgiu a oportunidade de estagiar no Esporte da Zero Hora. "O meu primeiro desafio profissional já se deu no meu primeiro dia de profissão: atuar como setorista do Internacional". Neste momento, Flávio se questionou: "Como eu, um gremista alucinado, vou entrevistar os meus "piores inimigos" e tentar ser imparcial, isento e honesto? Bom, a primeira coisa é me "despir" de cores e partidos", pensou. Mas o jornalista tirou de letra, já que a boa fase pela qual o Clube passava favoreceu a sua familiarização. Flávio, que viajou pelo Brasil e pelo mundo, acompanhou o time ser bicampeão brasileiro em 1975 e 1976.


Foi quando surgiu uma oportunidade para estagiar no Esporte da Folha da Manhã. "O jornalista acaba tendo oportunidades melhores quando está num lugar que gera notícias. Se eu estivesse num time perdedor, como era o Grêmio na época, talvez o meu trabalho não recebesse o destaque que teve?", avalia. Um ano depois, foi efetivado. De 1977 a 1979, atuou na sucursal do Estado de S.Paulo em Porto Alegre. "Neste período de mudanças no País, o fim dos anos de chumbo, eu acompanhei por um jornal que era extremamente politizado, o Estadão", conta o jornalista que ingressou no veículo na área do Esporte, mas que com a abertura do noticiário político, não demorou muito pra passar a atuar também nesta editoria. Flávio recorda que na época, com a possibilidade do advento da democracia, os principais jornais do Brasil entraram em greve por liberdade democrática. O fato ocasionou a demissão do jornalista.


"Felizmente, eu já tinha alguns anos de profissão, o mercado era bem diferente do que é hoje, as empresas estavam em expansão? era um Brasil novo, saindo da ditadura militar em busca de uma democracia, de um crescimento maior, e conseqüentemente os jornais também estavam em expansão", detalha, sempre contextualizando a situação política e econômica da época. Flávio foi convidado por Carlos Bastos a trabalhar no Esporte da RBS TV, antiga TV Gaúcha. Este foi o segundo obstáculo para o jornalista, que nunca havia falado em frente a uma câmera. Superada esta primeira dificuldade, eis que surge outra: desta vez, Flávio estava sendo contratado para ser repórter setorista do Grêmio. "Daí, eu acho que eu já não era mais gremista", brinca. "Porque eu já estava tão imbuído desta coisa de ser isento, que acho que foi mais difícil fazer o Grêmio do que o Internacional", confessa. O jornalista reconhece que, mais uma vez, a atuação do time contribuiu para o bom desempenho do seu trabalho, já que o Grêmio foi campeão do Brasil em 1981, da América em 1982 e campeão do Mundo em 1983.


TV ou jornal?


Paralelamente à RBS TV, também era repórter de Geral na sucursal do O Globo. Era 1982 e, novamente, a situação política da época fez com que Flávio passasse a atuar mais fortemente na área. "Mais tarde, isto acabou determinando uma mudança na minha carreira", lembra. A RBS TV reforçou o noticiário político e o jornalista saiu do Esporte para fazer Geral na emissora, atividade que exigiu mais tempo disponível e até mesmo viagens, fazendo com que deixasse O Globo e se dedicasse exclusivamente à televisão. Neste momento, o jornalista já se encontrava totalmente à vontade com as câmeras. "O esporte foi, pra mim, um lugar de conforto, eu tinha segurança", comenta. Logo que começou a fazer matérias para rede, em 1984, Flávio foi convidado a passar um período de muito aprendizado e experiência em São Paulo , na Rede Globo, pela RBS TV. Também teve a oportunidade de atuar no Rio de Janeiro.


"Era uma espécie de seleção que a Globo estava reunindo para cobrir as eleições daquele ano. Ali, a minha carreira explodiu, porque era tudo novo. Eu tenho testemunho da TV ter chegado a lugares que nunca tinha estado antes, a TV estava ganhando uma nova dimensão no Brasil", relembra. O jornalista, mais uma vez, se questionou. "Será que eu sou do jornal impresso ou da TV? Eu sempre fiquei nesta dúvida? será que eu sou de um ou de outro?". Como recentemente estava atuando em jornal e televisão, simultaneamente, Flávio chegou à seguinte conclusão: "O jornal é mais importante, mas a TV gera um impacto maior". Tal dedução hoje é um dos temas de seus estudos enquanto mestre e doutor.


Em 1986, deixou a Rede Globo/RBS TV para, a convite de Paulo Martimbianco, estrear o Jornal Meridional, um telejornal diário da TV Pampa. Mas o novo projeto só durou um ano, devido às críticas que o programa fazia ao governo em função da greve dos professores e conseqüente retirada do patrocínio pelo banco. Foi quando Flávio retornou ao impresso, passando a atuar na sucursal de Porto Alegre da Gazeta Mercantil. "Foi a minha terceira crise? pensando bem, volto pro jornal", diverte-se. A experiência durou dois anos, até receber uma proposta de trabalho no SBT, em 1988, para implantar o TJ Rio Grande, núcleo regional do TJ Brasil. Em 1991, quando Sílvio Santos criou o Aqui Agora, o telejornal foi desbancado pela audiência do programa popular. Foi quando Flávio voltou para a RBS TV como repórter especial, onde ficou até final de 1994.


O gosto pela pesquisa


Neste momento, sem perceber, o jornalista deixava pra trás as funções de repórter. Flávio atuou na TVE de 1995 a 1996 e de 2003 a 2004, como diretor de Programação e diretor de Relações Institucionais nos respectivos períodos. Neste meio-tempo, trabalhou na UniTV, emissora universitária da PUC, onde lecionou de 1990 a 2004. Foi quando Flávio resolveu voltar a estudar, concluindo mestrado em 2001 e doutorado em 2004, pela mesma instituição. Com as qualificações necessárias para prestar concurso para a Ufrgs, em 2005 o jornalista ingressou como professor na instituição, que exige dedicação exclusiva. "E agora eu vou aqui pra sempre, porque na real, eu tenho este caráter afetivo com a Ufrgs, pois me formei aqui?", destaca sobre o compromisso de transmitir aos alunos o conhecimento acumulado ao longo de 30 anos. "O fato de eu ter atuado todo este tempo, me fez sentir a necessidade de estudar melhor a TV?"


Flávio leciona nas disciplinas de Redação Jornalística em TV, Técnicas de Telejornalismo e Seminário Comunicação e Política, da graduação em Jornalismo. Ele acabou de ser credenciado para a pós-graduação e, em seguida, estará lecionando e orientando trabalhos de mestrado e doutorado. O jornalista ainda é coordenador da Rede de Pesquisa em Telejornalismo da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). Juntos, os profissionais que integram o grupo publicam os trabalhos realizados em congressos científicos para compartilhar conhecimento com os alunos. É autor do livro "No ar: TV Universitária" (2002), baseado em sua tese de mestrado, organizador da obra "Telejornalismo: a nova praça pública" (2006), tem participação em "Edição em Jornalismo: Ensino, Teoria e Prática" (2006) e "A sociedade do telejornalismo" (2008)


"O que me move hoje é fazer estes questionamentos? eu não quero nunca me desligar das disciplinas práticas, mas os alunos também têm que saber pensar sobre TV", considera o professor sobre a importância de formar profissionais mais críticos. "Tenho uma missão muito importante aqui: milhares de vidas passam pelas minhas mãos? então eu quero ser um professor legal, ajudá-los a tornarem-se bons jornalistas e, acima de tudo, boas pessoas", projeta.

Imagem

Comentários