Marcelo Ferla : Saudades do futuro

Movido por novidades, o jornalista transita entre o passado e o futuro, procurando sempre resgatar e antecipar tendências

Conexão é a palavra que rege a vida de Marcelo Ferla. Movido por novidades, o jornalista transita entre o passado e o futuro, procurando sempre resgatar e antecipar tendências. Por mais paradoxal que possa parecer, o coordenador artístico e editorial da recém-inaugurada Rádio Oi FM Porto Alegre se diz do tipo que encontra organização no próprio caos.

Emotivo, mas não impulsivo, é bastante calmo e dificilmente se abala, pois acredita que tudo pode ter solução. Ele concilia extremos: "Eu vivo no futuro, mas gosto pra caramba das coisas do passado. Sou alimentado por coisas novas, seja na música ou literatura, e, ao mesmo tempo, gosto de coisas antigas, de vanguarda", diz, para logo explicar: "Tem uma diferença bastante grande entre velho e antigo. O que é velho perdeu a validade. Já as coisas antigas que não perdem a validade nunca, elas continuam novas".
Amor, respeito e liberdade

Filho do motorista de ônibus Primo e da dona de casa Judith, nasceu na cidade gaúcha de Montenegro, em 26 de janeiro de 1965. Foi no berço humilde oferecido por seus pais que absorveu valores que carrega até hoje. Além de ter começado a trabalhar cedo para pagar a faculdade, junto com os irmãos Jorge, contador, e Márcia, publicitária, Ferla aprendeu a importância do amor, do respeito e da liberdade.

Assegura que, em sua casa, não havia espaço para brigas, apenas para o diálogo. As discussões, no máximo, se limitavam ao futebol - paixão que o acompanha desde a infância, quando queria ser jogador. Como não possuía habilidade com os pés (mais tarde descobriu que ela estava mesmo nas mãos), desistiu cedo do projeto, se contentando com os jogos de botão e videogame.

Gosta muito de crianças, mas ainda não planejou ter filhos. Hoje, está solteiro, mas seus relacionamentos costumam ser de longa data, todos com mais de cinco anos de duração.
Engajamento cultural

Aos sete anos, lendo gibis de bang-bang, que eram vendidos em uma banca próxima à sua casa, interessou-se pela escrita. Passada uma década, a opção por cursar Jornalismo na Unisinos foi algo que aconteceu de forma natural e que o levou mais tarde para a capital gaúcha. Com mais de 20 anos de trajetória, Ferla iniciou sua carreira trabalhando na Rádio Ipanema FM, no final dos anos 80, como freelancer. Quando estava prestes a ser admitido, a paixão pela música fez com que ele aceitasse o convite para ser divulgador da Warner Music no Rio Grande do Sul.

Cinco anos depois, devido à sua atuação na gravadora e aos contatos feitos durante o período, foi chamado para ser editor de música do jornal Zero Hora. Esta seria a sua primeira experiência com o jornalismo diário, a qual também durou cinco anos. Desapegado, sobre a troca de empregos e de namoradas, Ferla avalia: "Na minha vida, as coisas parecem acontecer tudo meio junto: começo a namorar, fico um tempo namorando, me separo, troco de emprego e fico mais jovem!".

Em 2000, mudou-se para São Paulo com a missão de integrar um time de jornalistas que desenvolveria para a Editora Globo uma revista feminina contemporânea. A proposta era inovadora, mas a 'Única' teve curta duração, tendo sida encerrada na sétima edição. Ferla, que era o quinto editor da publicação, acredita que um dos fatores que provocou a sua descontinuidade foi o fato de ter nascido na "bolha da internet".

Partiu, então, para novos rumos. O momento era de imersão no mundo editorial. Junto com os colegas Ricardo Alexandre e Emerson Gasperin fundou a Editora REM - nome inspirado na banda da qual os jornalistas são fãs e, é claro, aproveitando as iniciais de seus nomes. Lançaram duas revistas voltadas para as cenas de rock alternativo e de música eletrônica, a Frente e a DJ World, respectivamente. "Aprendemos muito mais a fazer revista do que fazê-las, de fato."

Antes de fixar residência na Capital, viveu dividido entre São Paulo e Porto Alegre, desenvolvendo, em parceria com a MTV, os projetos Quiz Feevale, Coca-Cola Music Mixer e Viva o Que é Bom Coca-Cola. Desde 2003, colabora com as revistas Bizz, Criativa (onde assina uma coluna fixa sobre música), National Geographic, Quem e Rolling Stone, entre outros.

No fim do ano passado, voltou para Porto Alegre para gerenciar uma das mais tradicionais rádios de rock do Brasil, a Ipanema FM (94.9) de Porto Alegre. Fundada em 1980, a emissora colaborou com a formação musical do jornalista, que, seis meses depois, não resistiu a um convite extremamente tentador para um cara visionário: implantar a Oi FM em Porto Alegre. A rádio chegou com a proposta de oferecer aos ouvintes uma mistura musical e cultural, de ser diferente e livre pra tocar o que quiser.

Choque de contemporaneidade é o que o jornalista ambiciona com a Oi FM. Quando voltou, ficou muito decepcionado com a maneira que a capital gaúcha passou a se relacionar só com ela mesma. "Porto Alegre perdeu o senso crítico. Opinar é algo construtivo, mas ninguém mais opina. A cidade está muito ensimesmada e chegou num ponto em que as coisas não são boas ou ruins: ou elas são gaúchas ou não são", avalia. Para ele, esta postura, além de egocêntrica, é detestável. "A cidade produz coisas muito mais legais do que parece produzir. Acontece que estas coisas acabam sendo escondidas por essa filosofia do mais fácil e barato. Ao apostar muito mais nos valores locais, esquecem a conexão com o mundo."

Além de responder pela coordenação editorial e artística da rádio, Ferla apresenta o programa Subúrbia, sobre música pop. O jornalista é autor dos livros Imort al Tricolor (L&PM, 2002), Música eletrônica (Abril, 2004), Segredo Rebelde (Futuro, 2006), que vendeu cerca de 10 mil exemplares, e Lembra do Transasom? - As histórias de um precursor da cultura jovem sulista (L&PM, 2007). Agora, trabalha em dois livros que tratam de futebol e, em uma das obras, no capítulo de sua autoria abordará a relação entre música e futebol.
Espetáculos da vida

Na opinião de Ferla, a música e o futebol são capazes de explicar e ilustrar tudo o que se passa com os seres humanos. No espetáculo da vida, o campo é o palco e a trilha sonora é fundamental tanto para quem joga como para quem assiste. Simpatizante da cultura pop, vê o esporte não apenas como um jogo e, sim, um elemento integrante desta cultura. O jornalista declara adorar a estética, o exemplo de vida, a técnica e tática esportiva, o show que o futebol dá.

Para ele, estar num estádio é uma sensação inigualável. A primeira vez que viveu esta experiência foi em 1973, quando o Grêmio enfrentou o Vasco e venceu por 1x 0. Gremista apaixonado, uma das primeiras coisas que fez ao retornar a Porto Alegre foi comprar uma cadeira no estádio Olímpico. Por gostar de música e futebol na mesma proporção, costuma acompanhar as partidas ao som de música eletrônica para explorar percepções.

Aos cinco anos, assistiu sua primeira Copa do Mundo. Mas foi em 1974 que afirma ter tido a sua "epifania futebolística", ao ver pela televisão a seleção holandesa entrar em campo. Apesar de ainda não ter assistido a um jogo da equipe, a fascinação pelo time se manteve com o passar dos anos. "A Holanda foi uma seleção de vanguarda. O time jogava de laranja. Tudo era novo! O futebol, a maneira de vestir?.", relata. Neste momento, o jornalista busca na música a explicação para o seu gosto por coisas novas: "Saudade do Futuro". Além de ser o título do primeiro disco do cantor Jimi Joe, esta é a sua filosofia de vida.

Sempre gostou de música, desde que se conhece por gente: o interesse surgiu muito cedo, aos três anos. Ele não lembra, mas a família conta que costumava rasgar e amassar tudo aquilo que lhe agradava. Fazia isso preferencialmente com as fotos da avó e as revistas dos Beatles. A influência musical também é encontrada na própria família, do lado materno, pois o bisavô era flautista na primeira banda de Montenegro.

Ao listar suas preferências, Ferla acelera o ritmo da fala e cita inúmeras bandas. É quase inevitável, mas não quer deixar ninguém de fora: Radiohead, REM, Coltrane, Bowie, Beatles, Dylan, Sonic Youth, Laurent Garnier, Chemical Brothers, Massive Attack, Burial, De Falla, Primal Scream, Daft Punk, João Gilberto, Air, Clash, Interpol, Strokes, Dinosaur Jr., Charles Mingus, Miles Davis, Morphine, MGMT, The Last Shadow Puppets, Chico Science & Nação Zumbi, Wander Wildner?

Em se tratando de cinema, gosta de Lynch, Coppola, Scorsese, Woody Allen, Jarmush, Danny Boyle, Hal Hartley, Gus Van Sant e Winterbottom. Multimídia, não abre mão de assistir muito televisão (seriados, principalmente) e de acessar a web. Adora twittar. Na adolescência, leu muitos autores existencialistas. Mas sua vida mudou com os beats, por influência do amigo e colega Eduardo Bueno, o Peninha. On the Road, de Keroauc, é um dos livros que mais gosta. Atualmente, um de seus autores preferidos é F. Scott Fitzgerald.
O caminho do meio

Ferla é perfeccionista e exigente com seu trabalho. Escrever e tocar como DJ são as duas atividades que mais lhe dão prazer. E, apesar de já ter escrito alguns livros, recusa a alcunha de escritor e critica quem "escreve meia dúzia de páginas" e se autointitula escritor. Revela que ainda quer assinar um livro de ficção e, provocado a citar uma qualidade sua, destaca o senso de justiça, além, é claro, de "torcer para o Grêmio e para a Holanda". Sem medir esforços para agradar aqueles que gosta, é do tipo que preza muito por amizades e que considera uma qualidade ter muitos bons amigos. "Sou um cara completamente emotivo, que chora por qualquer coisa, principalmente textos, bons filmes, boas músicas e bons comerciais."

Teve a sua formação espiritual desenvolvida na Igreja  Católica, mas hoje é adepto do budismo, religião que conheceu ao fazer uma reportagem. Considera a filosofia budista do caminho do meio, de deixar as coisas acontecerem, do darma e do carma grandes lições de vida.

"Tem alguns clichês que eu acho detestáveis, do tipo, 'no meu tempo'. Comigo não tem essa! Meu tempo é agora. Sempre é agora. Na verdade, meu tempo é amanhã. O hoje já passou. Ou aquela coisa: 'nossa! Já estamos em outubro! Como o tempo passou rápido!' Não! Já aconteceram coisas pra caramba, mas ainda vai acontecer muito mais até dezembro. Não é o ano que passa rápido. A gente é que passa rápido pelos anos."
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