Mauro Toralles: Sem medo de errar

Jornalista da Zero Hora fala da mudança, após 36 anos, da editoria de Esportes para a Geral e dos desafios da nova função

Um sujeito simples, de olhar sereno, trajando calça jeans e tênis All Star azul. Essa é a primeira impressão que Mauro Toralles, conhecido por Boró, passa. Uma conversa mais demorada, e a simplicidade dá lugar à determinação. Boró é daqueles repórteres que se dedica com afinco à busca e à apuração de suas matérias. Prova disso é o convite recebido há cerca de um mês para assumir o projeto de reportagens especiais do jornal Zero Hora.

Após 36 anos na editoria de Esportes, cobrindo Copas do Mundo e eventos esportivos aqui e ali, Boró tem o desafio de voltar para as ruas em busca de notícias. Mas não são as notícias de ordem geral. São os fatos periféricos do cotidiano, aqueles que só são percebidos com um olhar aprofundado sobre o assunto. O jornalista ganhou um espaço diferenciado na publicação e liberdade para criar: "O lado legal dessa nova atividade é o vínculo que estou estabelecendo com as pessoas que entrevisto. Me tornei um contador de histórias. Estou me reinventado como profissional".

Sua estreia na função foi no último domingo, 25, com a reportagem O mistério das luas grandes. Desde então, recebeu inúmeros e-mails repercutindo o assunto. A matéria versava sobre o misterioso caso de um animal selvagem, supostamente um puma, que costuma devorar ovelhas em noites de lua cheia lá pras bandas de Viamão. "Sair pra rua e apurar as notícias está me fazendo muito bem", comenta. Segundo ele, seus textos têm um padrão mais próximo da crônica. São informações recolhidas a partir da observação. "Esses detalhes ajudam o leitor a ter uma dimensão maior do acontecimento", esclarece.

O jornalista, porém, não esconde a surpresa com o convite para trocar de editoria após tantos anos escrevendo sobre esportes. "Eu não esperava. Mudar de trabalho radicalmente é difícil. Estou encarando como um desafio." Mas confessa que só aceitou a troca com a condição de cobrir a Copa do Mundo de 2010. "O esporte é a minha vida, foi nesta editoria que fiz meu nome."
Com disciplina e criatividade

Boró encara a nova atividade como um mundo a descobrir. O primeiro dia trouxe de volta a adrenalina dos tempos de iniciante: "Estava com aquela gana de repórter novo, sabe?". Com tanta inspiração, está se descobrindo um conversador. Como não é adepto do bloco de notas nem do gravador, concentra-se nas conversas, que, em geral, lhe rendem bons detalhes para as matérias. A rotina de produção do texto é determinada em função do prazo. "Se tenho mais tempo para entregar, gosto de redigir em casa. Na redação, acabo dispersando." Ele explica que, já no caminho de volta ao jornal, vai construindo a matéria mentalmente. Sentar para escrever só mesmo depois de tudo alinhavado na cabeça. "Sou muito obcecado pelo que tenho para fazer, não gosto de perder tempo. Chego e já vou redigir."

A disciplina e a criatividade para o trabalho são, segundo ele, herança dos pais, Dalva e Darci Toralles. "Minha mãe sempre foi muito dedicada aos trabalhos manuais, criava coisas incríveis. Já meu pai era mais sério e compenetrado no trabalho", lembra. A infância pobre também contribuiu para a capacidade criadora. Sem dinheiro para comprar brinquedos, o jeito foi improvisar. Mauro e o irmão, Fred José, quase sete anos mais velho, construíam os próprios brinquedos.

O talento para criar logo chamou a atenção de Mauro para a escrita. Quando criança, produziu um livrinho em que o personagem chegava à lua, em 1959, 10 anos antes de o fato realmente acontecer. O hábito pela leitura, ele adquiriu paralelo à sua vontade de escrever. Em certa ocasião, quando morava com a família em Santo André, na Grande São Paulo, um vendedor deixou uma coleção de livros infantis para que sua mãe avaliasse a possibilidade de compra. Neste meio-tempo, Mauro, à época com 10 anos, leu toda a coleção. Cúmplice do filho, a mãe avisou ao comerciante que não poderia comprar e devolveu o material, que a esta altura já estava gravado na memória do pequeno.
E Boró criou o Peninha 

Boró e o irmão nasceram em Rio Grande, interior do Rio Grande do Sul, mas se mudaram com os pais para o estado paulista na década de 1960. Cinco anos mais tarde, voltariam para o Rio Grande do Sul, desta vez para a Capital. Em Porto Alegre, estudou, como bolsista, no colégio Anchieta, passando pelo Júlio de Castilhos, conhecido como Julinho, e, por fim, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), onde cursou a faculdade de Jornalismo.

Da época de estudante no Julinho, surgiu o apelido que carrega até hoje. O nome é em função de uma oficina de surdinas chamada Boró, que ainda existe, faz questão de frisar, próxima ao colégio. "Como eu tinha uma voz grossa, alguém me chamou de Boró e o apelido pegou." O nome o acompanha desde 1967 e "já foi caso de dupla personalidade", brinca. Na Zero Hora, quando alguém pergunta por Mauro à telefonista, ela responde: "Qual deles? o Boró?"

Anos mais tarde, seria o responsável pelo nascimento de outro apelido famoso na redação. Foi ele quem chamou o jornalista Eduardo Bueno de Peninha pela primeira vez, no final dos anos 1970. Recém-chegado à redação, o jovem magro, alto, de cabelos lisos e espetados, era muito desajeitado. "Ele tropeçava o tempo todo", relembra o ?veterano?. Depois de vê-lo quase cair pela milésima vez, Boró se virou para os colegas e disse: "Gente, contratamos o Peninha". Era uma alusão ao sobrinho do Tio Patinhas que, além de atrapalhado, exibia os cabelos lisos e desgrenhados e também era repórter.
Sem levar desaforo para casa

Fazendo jus à voz que lhe valeu apelido, Boró chegou a fazer o curso para radialista da Fundação Educacional Padre Landell de Moura (Feplam). O pânico pelos microfones de rádio, porém, o afastou do ofício já nos primeiros anos de faculdade. Como sempre gostou de ler e escrever, quando optou pela profissão de jornalista já sabia que acabaria no impresso. Foi repórter num tempo em que coletar e apurar as informações era a parte mais fácil. O difícil mesmo era fazer transmissões via telex. "Em coberturas fora do Estado, tínhamos que bater a notícia à máquina, depois levar as laudas em uma agência dos Correios e esperar o término da transmissão para ficar com a fita", explica.

O processo trabalhoso e as dificuldades da profissão não fizeram o profissional desistir. Pelo contrário, orgulha-se do caminho que tomou. Já se chamou de burro várias vezes por ter largado o trabalho em uma imobiliária para seguir o jornalismo, mas a raiva logo passa e ele percebe que não teria sido tão feliz em outra área. "Escolhi com o coração", avalia. Antes de se decidir, porém, pensou em cursar Sociologia, influência das reuniões, em plena ditadura, para debater a política do país com os colegas de aula. Mas o curso havia sido suspenso na Universidade Federal, única opção para o jovem estudar. Depois de desistir também da carreira de Diplomata, já que na época era muito difícil ingressar no meio sem ter alguma relação com o Itamaraty, migrou para o curso de Jornalismo por ser a opção mais próxima das duas outras.

Ingressou na Ufrgs em 1971, junto com o irmão mais velho, que decidiu cursar Publicidade e Propaganda. Mauro e José chegaram a ser colegas nos primeiros anos. O jornalista iniciou também o curso de Economia na Faculdades Porto-Alegrenses (Fapa). Como considerou o curso muito chato, três meses depois abandonou as aulas, formando-se em Jornalismo em 1975.

Nesse período, já havia estagiado na editoria de polícia da Zero Hora e estava trabalhando no extinto Diário de Notícias. Lá, fazia de tudo. Trabalhou um ano como repórter do Diário e demitiu-se após ter uma de suas matérias engavetadas. "Na época, repórter não levava desaforo para casa", comenta. O ímpeto juvenil lhe custou alguns meses de procura por um novo emprego, até que surgiu uma vaga na editoria de Esportes da Zero Hora. De lá só saiu 36 anos depois, agora, que foi para a editoria de Geral.
Feliz, graças ao bom Pelé 

Dos anos como repórter esportivo, guarda com carinho a lembrança do dia em que conseguiu entrevistar Pelé, que, na época, jogava no Santos, em 1974. "Fiz a última entrevista com ele, ainda como jogador, publicada aqui no Estado", lembra. O jornalista havia sido avisado que Pelé estaria na Vila Belmiro, estádio do time paulista. "Por volta das 10 horas, ele foi no barbeiro, que ficava próximo do clube. Fui atrás e consegui conversar com Pelé, sem precisar disputar horário com assessoria de imprensa", conta. O fato o deixou o feliz da vida, afinal "era repórter novo".

Prestes a completar 60 anos e estreando em novo desafio profissional, se declara vitorioso e ressalta: "Sem passar por cima de ninguém". Se não fosse repórter, gostaria de ter sido piloto de avião ou cantor. Segundo ele, estas profissões estão ligadas à intensidade, que o segue no jornalismo.

A intensidade também marca seu relacionamento com a advogada Helena, com quem está casado há 31 anos. O primeiro contato com a esposa foi via telefone porque uma amiga em comum achou que eles combinavam. Certo dia, chegou em casa e tinha um recado para ligar para a Helena, mas não tinha a menor ideia de quem fosse. Muito menos a Helena tinha ligado. Foi a moça quem ligou, e que hoje ele chama carinhosamente de Cupido porque esqueceu o nome. O telefonema durou cerca de uma hora e rendeu um convite para um chope no dia seguinte. Muitos chopes depois, casaram-se em sete meses, em julho de 1978. Da união nasceu Fernando, hoje com 31 anos, formado em Educação Física. De influências do pai, somente a paixão por esportes. "Nunca trouxe meu filho na redação, já basta um nesta vida dura de repórter", comenta.

Mesmo com os planos de aposentadoria para breve, ele informa que não vai parar de criar. "Pretendo escrever algo, mesmo que seja só para eu ler", brinca. No projeto, está a vontade de produzir algo para o público infantil. "Acompanhei a infância do meu filho e de uma sobrinha que mora conosco. Criança sempre esteve no meu universo, curto muito essa relação", diz. A vida no sítio - o casal mora em Eldorado há 11 anos - também lhe proporciona um bom repertório para desenvolver histórias. Outras possibilidades para depois da aposentadoria são a criação de contos e o curso de História Antiga. "As ideias estão aí me aguardando. Quando chegar a hora de parar, vou sair à francesa."

O conselho para quem está começando é "ter garra, disciplina e humildade". Conforme ele, é preciso ter noção de que tudo passa muito rápido. Desde que sofreu perdas familiares, começou a dar mais valor para as coisas simples. O fato influenciou a sua maneira de fazer jornalismo. "Descobri um texto mais solto. Não tenho mais medo de errar." Sobre a aprovação ou não de seu trabalho, o novo lema é: "Se gostarem tudo bem. Se não, tudo bem também".
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