Raul Ferreira: Erro, comprometimento, superação

Editor-chefe do Jornal do Almoço, Raul Ferreira revela sua trajetória de ousadia, desafios, mudanças e superação

Por Karine Viana
Raul Rodrigues Ferreira veio ao mundo pelas mãos da avó, dona Maria Joaquina, em 21 de agosto de 1956, na cidade de Pelotas. Ainda hoje, a responsável pelo parto do atual editor-chefe do Jornal do Almoço é referência espiritual. Os acontecimentos que norteiam sua trajetória pessoal e profissional moldam seu caráter e justificam suas atitudes.
Filho único até os 12 anos, quando nasceu o irmão Adilson Ferreira, Raul passou a infância e adolescência frequentando as salas de cinema, o que contribuiu para o seu desenvolvimento intelectual. "Vi filmes e trabalhos que me fizeram ter uma visão diferenciada para a vida", revela. Foi também na cidade natal que descobriu o gosto pelo futebol. Costumava assistir ao time do coração, Brasil de Pelotas, e jogava futebol de botão, cujos jogadores da mesa eram batizados com os nomes do clube xavante. A bossa nova também era admirada, do tipo de "paixões que abrem o caminho do mundo" e que o fizeram perceber a necessidade de estudar em Porto Alegre.
Chegou à Capital em 1979 para cursar Jornalismo na Ufrgs, embora também tenha cursado disciplinas de Publicidade. Formado e sem emprego na área, migrou para o teatro, onde trabalhou na produção e divulgação de peças. Em 13 de maio de 1986, teve sua primeira chance no Jornalismo, oportunizada por Cândido Norberto, então presidente da TVE, uma figura considerada anarquista por Raul, pois, para ele, "não existiam limites convencionais". Na emissora, Raul também trabalhou com Alfredo Fedrizzi, hoje sócio-diretor da Escola, figura definida como "exigente e de altíssima qualidade" e que também não poupa elogios para definir Raul: "Excelente ser humano, profissional dedicado, criativo e muito trabalhador".
Neste período, o jornalista teve a oportunidade de ingressar na RBS, mas negou. No entanto, sessões de terapia com a psicóloga Sônia Sebenelo, a qual considera sua 'coach profissional', o incentivaram a aceitar as mudanças. Já numa emissora comercial, trabalhou no Jornal da RBS, fez os dois primeiros anos do Conversas Cruzadas e, depois de uma reunião que sugeriu seu nome por unanimidade, foi dirigir o TeleDomingo, onde permaneceu por 12 anos. Criou ainda o Camarote, na Tvcom, e retornou ao TeleDomingo até o afastamento, em 2009.
Erros com comprometimentos
Raul tem uma visão que difere do convencional jornalístico. E isso se deve não somente à influência de quem o levou para TVE, mas também ao fato de não ter medo de errar. "O construtivismo é o errar para acertar", alega. Talvez por isso, o jornalista seja tão ousado naquilo que se propõe a fazer. Foi ele o responsável pelos bordões ?O Rio Grande passa por aqui?, do TeleDomingo, e ?Sua vida na TV?, marca do Jornal do Almoço.
Errar para acertar é o seu lema. E o comprometimento é a sua marca. Ivete Brandalise, que teve Raul como produtor na TVE, confessa que no período em que trabalhou com o jornalista tinha sempre a "certeza de uma pesquisa bem elaborada e convidados adequados". Lasier Martins tem uma opinião parecida: "Tive inúmeros editores-chefe, todos bons, mas nenhum tão inovador quanto ele". Tulio Milman, com quem trabalhou em diversas ocasiões, destaca o comprometimento: "É um dos profissionais mais comprometidos que eu conheço. O Raul veste a camiseta".
Raul, no entanto, carrega uma fama de 'turrão', adjetivo que ele atribui à sua objetividade nas relações de trabalho. Colega de trabalho no JA, Cristina Ranzolin ressalta a permanente atenção dele para com os colegas. "É preocupado, uma pessoa que apoia e te dá condições de trabalhar. Nunca tive tanto incentivo. Acredito que ele se envolve e também quer ver isso nas pessoas", se referindo ao motivo que possa levá-lo à fama de 'turrão'. "Quem me vê trabalhando acha que sou muito bravo, mas, na realidade, sou verdadeiro", acredita.
Uma cor estranha
Em fevereiro de 2009, após procurar erroneamente por um médico de garganta e não entender a cor do seu rosto enquanto olhava no espelho, Raul foi até o consultório do doutor Cristiano, médico da RBS, que imediatamente identificou uma doença grave. Após encaminhamento, veio o diagnóstico: um câncer na amígdala, tipo 3. "Essas palavras, câncer na amígdala, o médico te diz: 'Tu tens 90% de cura'. E o jornalista escuta: 'Tu tens 10% de chance de morrer'". Pela primeira vez, diz ter sentido a finitude.
Foram quatro meses de tratamento, que totalizou 39 sessões de radioterapia e três de quimioterapia. Neste período, apoio não faltou. Foram palavras fraternas de amigos, família, colegas de trabalho e pessoas até então desconhecidas. Foi o caso da escritora e jornalista Cíntia Moscovich que, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, lhe telefonou dando todas as orientações necessárias. Cíntia já havia enfrentado a mesma doença. Uma conversa com Marcelo Rech, hoje diretor-executivo de Jornalismo do Grupo RBS, resultou na ideia de criar um blog. 'Na luta pela vida', mantido durante todo o tratamento, e que lhe rendeu um prêmio dentro da RBS e possibilitou a troca de experiência com mais de 1,5 mil pessoas, fato que, segundo Raul, foi de extrema importância durante os momentos de tensão.
Mudanças no JA
Ao final do tratamento e ansioso por saber o resultado, Raul se submeteu a exames que indicam a possibilidade de retorno da doença pelos próximos três anos. O resultado influenciaria em sua decisão quanto a um convite para trabalhar no Rio de Janeiro.  Estava 'zerado', como diz, mas, após avaliação, considerou o apoio que recebeu dentro da RBS, incluindo as ligações de Nelson Sirotsky. "Foi o primeiro 'médico' que me explicou o tratamento, sua dureza e que eu deveria ir até o fim", conta, ao revelar que na mesma época se imaginava no seu maior desafio para 2010: remodelar o Jornal do Almoço.
"Desconstruir aquele antigo padrão de jornalismo, convencional, para buscar uma linguagem nova ao meio-dia para os gaúchos." Esse era o desafio que tinha pela frente. Uma mudança que confidencia ter sido tão dolorosa quanto a quimio e a radioterapia, uma vez que havia negado a proposta por cinco vezes. "Acho que as pessoas desta área (jornalismo) não suportam muito as mudanças. O principal medo era o erro." Para atrair a confiança da equipe, Raul chamou para si a responsabilidade sobre os erros, o que deu certo. "Mudar o programa mais tradicional foi muito difícil. Mas, felizmente, essa mudança está concretizada e com resultados positivos", avalia.
Moedinhas para o café
Raul Ferreira é um sujeito solidário, prestativo e de sensibilidade. E não é apenas o barulho das moedinhas que carrega no bolso, sugerindo que irá se oferecer para pagar um café, que lembra esses adjetivos, mas acontecimentos cotidianos que mesclam com sua história de vida. "Eu acho que não somos nada neste mundo. Se pudermos ajudar, temos que ajudar." A afirmação se refere tanto a dar quanto a receber uma palavra fraterna. Cristina Ranzolin descreve a preocupação de Raul com o bem-estar das pessoas. "Uma vez, comentei com ele que tinha uma amiga que estava doente. Imediatamente, ele pediu o número dela e conversaram. Até hoje, ela me agradece", revela.
É com visível emoção que o jornalista remonta esta história, fazendo uma alusão à época a que veio ao mundo e, por ora, deixando clara a repetição de acontecimentos, numa espécie de trabalho do destino. Dona Maria Joaquina se viu na necessidade de fazer o parto da nora, também com 16 anos à época, quando o médico afirmou que ainda não era hora do nascimento. Tão logo cortou o cordão umbilical do neto, a avó, sem saber direito o que fazer, passou o dedo no café e na boca de Raul. "Eu nasci tomando café. Meu defeito foi tomar café com 220 mil cigarros", diverte-se. Quem também brinca com a situação é Tulio Milman, que reforça o gosto do jornalista e sua gentileza. "Ele sempre tem moedinhas para pagar o café".
Futuro simples
Hoje, com uma rotina profissional mais tranquila em termos de horários, Raul não deixa de fazer o que gosta e afirma que nunca se sente realizado. Prevê um futuro de muito trabalho, porém se revela alguém bastante simples ao se imaginar como taxista, em caso de uma segunda profissão. A atividade, segundo ele, possibilita conhecer o mundo de forma privilegiada.
Raul continua realizando os exames periodicamente, mantém suas idas ao cinema, não dispensa o Carnaval carioca, atividade cultural extremamente valorizada pelo jornalista, e viaja sempre que pode. "Sou do tipo de pessoa que está em Porto Alegre e se tiver que jantar em Caxias, vai e volta. Isso me dá extremo prazer", revela.
Os medos ficaram para trás. Foram combatidos durante a batalha que enfrentou no ano de 2009. "Eu tinha muitos medos, medos fantasiosos. Hoje tenho um foco com o fato real. Deixei de ter medos fantasiosos e tenho receio de coisas concretas. E a felicidade, por exemplo, é uma coisa que está muito relacionada a esta questão dos medos, fantasmas. Acho que tu podes construir a tua felicidade fazendo o que tu queres fazer na tua vida. E eu tenho a tranquilidade de dizer que posso fazer tudo que quero", conclui, sem medos.
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