Floriano Bortoluzzi: Sonhador incansável

Amante da liberdade, o fotógrafo e editor Floriano Bortoluzzi, da Revista Imagem News, conta sua trajetória através dos momentos vividos e não do tempo

Floriano Bortoluzzi |Crédito: Rafaeli Minuzzi
Dos longínquos campos da Bossoroca, pequeno município do Noroeste do Estado onde nasceu, ele veio para causar. Determinado a perseguir, literalmente, seus sonhos, Floriano Bortoluzzi conta com orgulho suas conquistas profissionais como um dos primeiros repórteres fotográficos de jornal e como empreendedor corajoso que se considera. Avesso a contar o tempo, seja em minutos, horas, anos ou épocas, ele prefere distribuir seus 70 anos em momentos de dedicação profissional - e não esconde a alegria que sente ao aproveitar as pequenas felicidades do dia a dia.
Apesar da voz grave muito apropriada para locutor de rádio, o filho único do seu José Bortoluzzi e da dona Júlia Goulart descobriu cedinho sua vocação e paixão pela fotografia. Em uma visita com os colegas de classe ao Jornal A Notícia, em São Luiz Gonzaga, onde morou do primeiro ano de vida até seus 10 anos, Floriano se encantou com a redação e a oficina gráfica onde as linotipos funcionavam. "De repente, vi um fotógrafo com uma câmera Rolleiflex e pensei: é isso que quero fazer. E assim, foi formado meu objetivo de vida", simplifica.
Depois de tanto se perder no tempo e nos campos e rios do interior, o menino esguio se mudou para a capital gaúcha, onde traçou sua trajetória de determinação e coragem como todo bom cidadão missioneiro. Após o falecimento de sua mãe, morando com sua avó materna e o pai, Floriano precisava e queria trabalhar. Em uma editora de livros desenvolveu características natas de descendentes italianos - de conversador, como diz -, e árabes - neste caso, de vendedor. "Eu entregava os livros nas escolas para as professoras e falava sobre as obras que ainda não tinha lido. Elas confiavam no Embaixador da Cultura que me autodenominei e eu vendia inúmeras coleções", lembra.
Floriano fez cursos de curta duração para realizar seu sonho de se tornar "um grande fotógrafo" e, aos 14 anos, ao passar em frente ao estúdio fotográfico Casa do Amador, na Rua da Praia, se encantou pela vitrine cheia de fotos. De terno e gravata subiu a escadaria do prédio e pediu emprego como fotógrafo aos irmãos castelhanos proprietários do estúdio. Após um diálogo em espanhol, estava acertado: um salário mínimo para atender à clientela e limpar e organizar a vitrine e, posteriormente, fotografar. Permaneceu ali durante três anos.
A vez da reportagem
Em 1966, Floriano foi apresentado ao chefe de fotografia do Jornal Zero Hora, Assis Hoffmann. "Ele me encheu de elogios. Eu me puxava para fazer um bom trabalho, conhecia luz e tinha didática e a maioria dos fotógrafos não possuíam cursos como eu". Ele topou o desafio de, durante uma semana, da meia-noite às seis da manhã, fazer reportagem policial carregando uma câmera velha e um flash que pesava uns bons cinco quilos. Surpreendeu positivamente, e aos poucos começava a conquistar a cidade grande. "Porto Alegre foi tudo que eu sempre sonhei. São Luiz era pequeno demais pra mim."
Entre um gole e outro de refrigerante no Memorial da Livraria do Globo, atual Café do Porto, ele lembra da resistência de sua tia, com quem morava na época, à escolha de sua profissão e enfatiza sua teimosia e ousadia. "Minha família dizia que ser repórter fotográfico era muito difícil. Eu respondia: "Óbvio, e é por isso que eu estou tentando. Difícil é bom. Se for fácil, tu consegue fácil. Eu gosto de desafios, de ultrapassar barreiras"". O guri magricelo fazia maratonas. Trabalhava à tarde no estúdio, das 19h às 24h na coluna social do jornal Zero Hora e das 24h às 6h na reportagem especial.
Na época da ditadura militar, Floriano realizou coberturas fotográficas de passeatas e protestos, mas afirma não ter se envolvido em nenhuma confusão. "Eu tinha a preocupação de fazer o meu trabalho. Corria, fugia, tirava as fotos e entregava ao editor sem maiores complicações. Ele escolhia as fotos que seriam publicadas e, apesar de querer que meu trabalho fosse pra capa ou mesmo para página interna, compreendia se as fotos não fossem publicadas, pelo contexto da época. Vivi bem essa época difícil".
Quando questionado sobre seus trabalhos mais significativos, Floriano não os qualifica. Para ele, fazer uma grande reportagem ou pequena tinha a mesma importância, mas lembra das coberturas da morte da cantora Elis Regina, em 1982, e do escritor Erico Verissimo, em 1975. E se define como um pescador. "O que caía na minha rede era peixe. Colocava minha visão de profissional no trabalho. Fiz coisas muito tristes e muito alegres em função de trabalhar nas editorias social e policial. Era um contraponto diário, a alegria e a tristeza". Depois da ZH, Floriano foi para a Caldas Junior, onde fotografou para Correio do Povo, Folha da Manhã e Folha da Tarde, os três diários que a empresa editava naquela época, entre os anos 70 e 80. Na Caldas Junior começou sua carreira junto aos clubes da Capital e do Interior.
Sonho e realidade
Em meados de 80, por fazer muitas fotos na editoria de social para jornal e não conseguir publicar todas, ele viu uma oportunidade de realizar um sonho: abrir seu próprio negócio de fotografia, editar uma revista. Ouviu muitas opiniões negativas, mas a dica do colunista social do Rio de Janeiro, o então famoso Ibrahim Sued, o encorajou. "Você vai ficar milionário com essa revista, quando te mudas para o Rio?". Ficou na contramão de tudo e todos, mais uma vez, e decidiu permanecer em Porto Alegre, onde casou com Nanci, chamada carinhosamente por ele de "a Alemoa de Santa Cruz", e lançou, em 1981, a revista Imagem News, um periódico de publicação dedicado a festas e eventos sociais em geral da Capital e de todo o Estado.
Ao contar a história da revista, que diz ter sido inspirada na carioca O Cruzeiro, repete que foi algo muito simples, apesar da descrença dos que o cercavam e não acreditavam que houvesse mercado para o tipo de publicação à qual ele e a esposa se propunham. "Mas eu tenho um sonho. E cada sonho deve ser realizado. Devemos ao menos tentar. Como guerreiro da Fronteira que sou, acredito que se a gente não tentar, nunca faremos nada". Produziu um boneco, isto é, uma edição piloto mostrando como queria sua revista e foi pra rua. No final de 1981, com a renomada colunista social Gilda Marinho como madrinha, a revista foi lançada com a presença de um público respeitável, empresários inclusive. "Essa é mais uma daquelas publicações que nascem mortas, me diziam. Mas eu rebatia: é tudo uma questão de perspectiva e garra. Tenho um desafio e vou à luta." O resultado da persistência é que a revista sobrevive há 33 anos, para alegria de seu editor.
Sua vaidade, extravagância e ousadia (assim como sua gravata vermelha) se tornaram mais conhecidas no ano da graça de 1982, quando, juntamente com o polêmico cronista social Roberto Gigante, fez fotos nuas do meio-de-campo do Internacional na época, Cleo Hickmann. As fotos, publicadas na segunda edição da revista, provocaram muitas polêmicas, ao mesmo tempo em que contribuíram para que a tiragem da revista subisse de 5 mil para 30 mil exemplares vendidos. Foi a primeira e única vez que tal tiragem foi atingida, mas valeu, inclusive pela repercussão até em Barcelona, pois na época o jogador estava sendo vendido para o clube espanhol.
Ruídos da Rua da Praia se mesclam com as conversas no Café do Porto. Enquanto a máquina mói os grãos do café, Floriano lembra do barulho que ele e o cronista fizeram na época. "Foi um estardalhaço. Muitos me aplaudiram e outros caíram em cima com críticas. Mas era isso que eu buscava. Queria que balançasse a roseira. Para mim, uma crítica e um comentário bom têm o mesmo significado. O importante é a repercussão - falem bem ou falem mal, mas falem de mim." E assim, consequentemente, falavam também da revista, que era o que ele queria, tanto que o slogan é "Exibição permanente, é na Imagem News".
Apesar de já ter produzido também a Revista Gaudéria, com fotos de eventos tradicionalistas gaúchos, a Imagem News é seu xodó e orgulho. Graças a ela, consegue fazer o que mais gosta, conviver com as pessoas. É na família que tem o pilar de sustentação em qualquer projeto de vida, e aqui também só tem alegrias, pois a filha jornalista Juliana e o filho administrador e fotógrafo Julian também se envolvem com a publicação. Mas a funcionária titular, como menciona Floriano, é a gata persa Belinha, que está sempre ao seu lado no escritório que tem em casa, no Bairro Praia de Belas.
Rotina da longevidade
Floriano mantém a autoestima e a vaidade sempre em alta. Para conservar-se enxuto, como diz, faz sua caminhada matinal diária em dias de sol no Parque Marinha ou no Brique da Redenção, e musculação em dias cinzentos. No entanto, o segredo para manter a energia aos setentão é outro, segundo ele mesmo: o exercício diário de ser feliz, seja olhando a paisagem de sua janela no início do dia ou o horizonte da estrada para Bossoroca, Cidreira ou qualquer lugar, desde que possa sentir que o mundo lhe pertence.
O tempo é ignorado pessoal e profissionalmente. Para ele, importante é viver o momento e fotografar sem pressa para não perder nenhum fato significativo. Só tem medo de perder sua liberdade: "Se um dia por alguma infelicidade a liberdade me fosse tirada, eu morreria. Seria uma morte prematura, mas a liberdade é tudo que eu preciso diariamente".
O sotaque do interior deu lugar ao "canto" dos porto-alegrenses, a paixão pela natureza é demonstrada pela plantação de árvores de amora, cereja e abacate no pátio de sua casa. E garante que é por ser "completamente apaixonado" pelo convívio com as pessoas que ainda se mantém resistente às redes sociais. Considera-as culpadas pela apatia do convívio social, apesar de reconhecer sua importância.
Gosta de livros de autoajuda e às vezes arrisca-se a rabiscar alguns textos, mas a inquietude e a sede pela liberdade o fazem querer ver e sentir a rua, a natureza, o horizonte, o sol, o mar, o mundo. "A fotografia é o retrato da realidade e o fotógrafo que gosta de ficar em casa não vê a realidade", reflete.
Para o futuro, Floriano não se preocupa em acumular riquezas, pois leva consigo o ensinamento dos pais e avós de que sua maior riqueza é a vida. Já tem um novo projeto - surpresa - em processo de planejamento, e quando é questionado sobre a coragem em montar um negócio em tempos de crise, explica: "Com criatividade, a oportunidade pode surgir da crise. Tire o S da palavra, e ela se torna CRIE. Enquanto tiver forças continuarei criando, sonhando e concretizando todos os meus sonhos. Mas continuo um jornalista pobre".

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