Tânia Meinerz: Um olhar denso e singular

A fotógrafa Tânia Meinerz conta sua trajetória, vivida através de um olhar treinado para identificar a beleza e unicidade de cada momento

Tania Meinerz | Crédito: Tania Meinerz
O barulho do liquidificador, da máquina de moer café e das vozes que visitavam o Café do Cofre, no subsolo do Santander Cultural, expulsou a fotógrafa Tânia Meinerz da mesa próxima à sala de estar montada no ambiente, que fazia com que nos sentíssemos em casa num encontro de amigas para o café da tarde. Já no silêncio desconfortável da sala de apoio, sua voz doce e levemente trêmula cantava a nostálgica Ramilonga, de Vitor Ramil, enquanto os olhos castanhos delineados avistavam as hortas e jardins das casas de madeira do bairro Chácara das Pedras, em Porto Alegre, onde nasceu e viveu durante toda sua infância e adolescência.

Chega em ondas a música da cidade

Também eu me transformo numa canção

(?)

 Na Chácara das Pedras vou me perder?
Faz todo o sentido, enfatiza ela, para logo explicar: "O bairro tem as ruas disformes, é um caos geométrico. Antigamente, havia muitas pessoas nas ruas à noite. Uma das melhores lembranças juvenis é andar de bicicleta, jogar taco e vôlei ou apenas ficar até a meia-noite conversando na rampa da casa da Silvana, falando sobre as coisas da vida, do mundo, das pessoas?".
A irmã mais velha de Carla e Sérgio nasceu em 1968. E afirma que, apesar de muito pequena na época de forte repressão do regime militar, lembra da acirrada disputa entre o MDB e a Arena e do silêncio que imperava no País na época. "Para as crianças era tudo muito velado. O Brasil não discutia muito o assunto. Tinha que ficar no silêncio. Mas muitos falaram e agiram", reflete.
Este período começava a ficar menos pesado nos anos 80, quando desenvolveu seu aprendizado em escola pública. Aos 17 anos, época em que "ainda somos muito imaturos e não sabemos o que queremos fazer", Tânia entrou para a faculdade de Ciências Sociais, onde descobriu a Antropologia, tema que lhe dá prazer ainda hoje. Mas, por não se imaginar atuando no ambiente acadêmico, resolveu ser parte das estatísticas e tornou-se mais uma egressa do curso. Foi ser bancária, atividade que a frustrava, mas na qual permaneceu até ser demitida e, aí sim, sentiu a necessidade de ter uma formação superior.
Ouvir para registrar
A voz trêmula some aos poucos, enquanto as mãos gesticulam suavemente e demonstram sua paixão pela fotografia que, graças a cursos e oficinas específicos, aos poucos se tornava sua principal atividade. "Ainda hoje eu digo que fotografia é um exercício. A gente precisa experimentar as possibilidades, os recursos, os olhares."
Em 1999, "tardiamente", segundo Tânia, a Famecos recebia mais uma jovem sonhadora e determinada a trabalhar com o que mais amava - e durante todo o período do curso de Jornalismo, dedicou-se à fotografia. Fez monitoria, estágio na universidade e na Câmara de Vereadores, projetos experimentais. O Trabalho de Conclusão, o temido TCC, foi dedicado à análise da relação de texto e imagem no jornalismo. Em 2003, logo após a formatura, a insegurança da jovem recém-formada cedeu lugar ao orgulho de publicar suas fotos quando trabalhou na assessoria de comunicação da Prefeitura de Alvorada. Ali escrevia textos e fotografava e foi entusiasta de um jornal diferenciado de prestação de contas, por contar histórias de pessoas e cenários urbanos da cidade.
Não deixou de estudar, procurando melhorar sua qualificação e ampliar horizontes na carreira. Frequentou o tradicional Foto Cine Clube e workshops na Casa de Cultura Mário Quintana. Dos filmes fotográficos convencionais migrou para a fotografia digital, com a qual desenvolveu "experiências super legais". Refere-se ao tempo em que trabalhou em veículos como a Revista Aplauso, publicação voltada à cultura que a Plural Comunicação editou em Porto Alegre, e o jornal Extra Classe, do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS. Para a Bienal, desenvolveu catálogos artísticos e institucionais. E no Jornal JÁ, com o qual sempre manteve parcerias e amor à camiseta, por acreditar nos projetos, valores e compromisso do veículo com o cidadão. Agora mesmo, está dedicada a ajudar o projeto de financiamento coletivo proposto pelo jornal para a produção de uma publicação sobre a revitalização do Cais Mauá, de Porto Alegre.
Com o olhar inquieto, Tânia conta o segredo do sucesso que sua modéstia não a deixa ver:
- Quando eu trabalho com um jornalista de texto para uma matéria, ou livro, eu gosto de acompanhar as entrevistas. Aliás, essa é a minha premissa, ouvir a pessoa que eu vou fotografar para que eu faça uma imagem em sintonia com o que esteja sendo dito por ela. Presto atenção nas palavras, expressões? E isso é o apaixonante da fotografia no jornalismo, informar através da imagem. A foto é uma linguagem que conta e no jornalismo ela é fundamental. Não se faz uma reportagem apenas com texto. O texto pode ser bem minucioso, repleto de detalhes (que ela desenha no ar), mas às vezes a imagem conta algo que não está dito em palavras.
Uma imagem vale mais que mil palavras? A questão não é tão simples, relata Tânia, com paciência e didatismo: a imagem se tornou um instrumento certeiro para as pessoas mostrarem algo. Isso serve também para discutir o poder de testemunho da fotografia. "Mas a fotografia não é sinônimo de verdade", apressa-se em explicar. "A imagem tem o poder de criar situações. E por isso eu acho que ela tem mais valor quando tem essa coisa intrínseca com o texto, a própria diagramação ou o áudio. Mas tente dizer algo sem palavras. A fotografia é uma linguagem própria, mas pode esconder e contar de acordo com seu interesse, visão de mundo. E toda tua influência cultural, pessoal e psicológica interferem no jeito de contar."
Atualmente, Tânia faz trabalhos nas áreas de assessoria de imprensa, endomarketing, materiais empresariais, cobertura de eventos e divulgação de produtos. Mas os trabalhos que lhe dão mais prazer são de cunho cultural, que lhe dão a oportunidade de conhecer e participar de outras histórias, como a obra sobre os 100 anos do registro de imóveis de Porto Alegre. O álbum foi enriquecido com o resgate arquitetônico e de fotos do registro de propriedades de escravos no século 19.
O olhar de si e para o outro
Apesar do incentivo de muitos amigos, Tânia não se encorajou a expor seus trabalhos, resultado do seu olhar denso, sensível, técnico, humano, crítico e singular. Olhar que viaja pelo alto pé-direito do espaço ao lembrar de um momento importante na sua formação, as aulas da faculdade com Jacqueline Joner, então editora de fotografia do Diário do Sul, hoje extinto. Ao imaginar o jornal em suas mãos, sorri: "Tinha um formato standard, páginas enormes, e às vezes as fotos ocupavam metade delas. Jaqueline organizou um grupo de alunos que acreditava que tinham talento e dedicação à fotografia e organizava exposições. Foi a minha única participação pública, por enquanto", lembra com carinho.
Na hora de olhar para o outro, não economiza elogios e confetes. Lembra então dos projetos realizados com o amigo jornalista Paulo César Teixeira, com quem participou da produção e edição de fotografias em três livros - "Esquina Maldita", "Darcy Alves - Vida nas Cordas do Violão" e "Nega Lu, Uma Dama de Barba Malfeita", todos relacionados à boemia da cidade de Porto Alegre e seus personagens.
Acredita que esses trabalhos são importantes para a memória coletiva, como o caso do professor e músico Darcy. "Eu o ouvia e admirava sua música na antiga Casa de Teatro e nos bares São Jorge e Dragão, que hoje não existem mais. Depois tive a oportunidade de conviver com ele. O dia da sessão fotográfica dele foi memorável. Levei luzes especiais, uns rebatedores, umas sombrinhas, e fundo escuro. E a gente se divertiu bastante. Eu percebi o quanto ele estava se sentindo valorizado pelo livro e pelas imagens".
E no seu caso, qual seria a melhor foto? Antes de responder, Tânia se emociona e volta no tempo. Sua lembrança fica dedicada a um autorretrato no mar, à noite, em noite de lua cheia. A câmera em um tripé. Os cabelos - na época, longos - balançavam com o vento enquanto corria em direção à câmera. O corpo humano transforma-se em uma espécie de vulto, uma transparência com a imagem das ondas iluminadas pela lua. "Eu nunca tive uma descrição exata de qual era a minha foto preferida. São várias, mas essa eu destaco porque fala muito de mim. Adoro caminhar na beira do mar, na areia. Olhar, sentir, respirar."
Herança de valores
Tânia carrega consigo o apoio na profissão e valores herdados do falecido pai, formado em Filosofia, e da mãe guerreira que realizou múltiplas atividades para ajudar no sustento da família - com quem mora e a quem dedica seu cuidado atualmente. "Apesar de terem dificuldades de entenderem as coisas dos novos mundos, meus pais sempre foram pessoas abertas, que se esforçavam para compreender o outro", detalha a fotógrafa.
Quem conhece Tânia atesta: é uma pessoa sensível, aliás, como sua profissão exige. Considera importante colocar-se no lugar do outro, compreender a situação do próximo, suas condições, sua forma de pensar, a situação que vive. "Isso é uma coisa que falta nos tempos contemporâneos e aí meus pais merecem o meu reconhecimento, pois me deram este fundamento. Não é só a coisa do respeito, mas também de fazer a sua parte no todo, no coletivo". Acredita tanto que tenta constantemente ter este tipo de influência junto aos sobrinhos, João, de 9 anos, e Rafaela, de 5, com quem gosta de brincar, fazer caretas e, claro, fotografar. E aos quais dedica boa parte de seus momentos de lazer.

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