Celestino Valenzuela: Que lance!

Dono do bordão inesquecível, comunicador considera que a sorte sempre o acompanhou e ajudou a não temer desafios


Por Gabriele Lorscheiter
Fora das telas desde 2012, quando participou do extinto programa Lance Final, da RBSTV, Celestino Valenzuela hoje se dedica ao que mais ama fazer: pescar. No último mês, incluiu a prática do exercício físico em sua rotina. Aos 88 anos, é a primeira vez que frequenta uma academia de musculação. "Consegui, a muito custo, convencer minha esposa, Iris, a me acompanhar nessa nova empreitada", brinca. O bordão "Que lance!", que marcou a carreira do comunicador, é apenas um dos feitos conquistados ao longo dos 23 anos dedicados às ondas do rádio e às telas.
A volta para TV se deu após muita insistência da jornalista da RBS TV Rafaela Meditsch. E ela teve que ser persistente, pois foram cerca de seis meses para convencê-lo. Após muitas ligações, nas quais as respostas eram as mais variadas desculpas, todas elaboradas por Celestino e repetidas por sua cúmplice, a esposa, o plano foi desmascarado. Sozinho em casa, o comunicador aguardava uma ligação quando o telefone tocou, mas era a implacável Rafaela. "Ela se surpreendeu quando atendi e eu mais ainda, pois não tinha mais desculpa. Perguntei se poderia vir na minha casa no dia seguinte, ela topou, e desde esse dia nos tornamos grandes amigos", conta, emocionado.
Após uma entrevista, Celestino passou a apresentar o quadro Que Lance, no programa Lance Final. Desse trabalho, nasceu também a amizade com a jornalista e apresentadora Eduarda Streb. Mais do que resgatarem um dos maiores narradores esportivos da comunicação gaúcha, Rafaela e Duda produziram o livro homônimo ao quadro. Lançada em 2014, a obra conta, em primeira pessoa, as histórias e peripécias do narrador.
Do Alegrete
Filho de oficial do Exército, Celestino nasceu em 1928, em Alegrete, ou "no Alegrete", como costumam dizer os que se originam da cidade, juntamente com a irmã Alice. Sim, o comunicador era gêmeo de uma menina, e este foi o primeiro desafio de sua vida. É que, na época, o obstetra, que, por sinal, se chamava Celestino - por isso seu nome -, disse ao pai do comunicador: "Vamos cuidar da princesinha, pois o gauchinho está mal". Porém, a realidade se inverteu e Alice faleceu cerca de sete meses depois. Durante uma gravação para a Rede Globo, o narrador falou pela primeira vez na irmã: "Tem uma coisa que acontece comigo. Eu não gosto de esperar, mas a única vez que esperei é porque tinha uma mulher do meu lado".
A profissão do pai fez com que, desde cedo, se acostumasse com mudanças. O primeiro destino foi Santana do Livramento, onde nasceu a irmã caçula. De lá, foram para Santa Maria, e permaneceram um ano para que suas irmãs completassem o ano letivo. Mas foi em 1937, ao vir para Porto Alegre, que sua vida alçou rumos nunca imaginados pelo jovem ousado. Ao chegar na Capital, iniciou o terceiro ano do primário, mas estudar nunca esteve entre suas preferências. As brigas com a mãe e as irmãs para que seguisse no caminho das letras se intensificaram após a morte do pai, e, aos 14 anos, começou a trabalhar com a justificativa de completar a renda da família. "O que eu queria mesmo era parar de estudar", conta rindo.
O primeiro emprego foi como entregador de remédios. Aguentou firme a rotina de trabalhar durante o dia e estudar à noite, mas não por muito tempo. A experiência trouxe um novo emprego e um salário maior, fato que fez com que decidisse guardar os cadernos de vez no fundo armário, ainda durante o primário. Como um ser inquieto e curioso, logo veio a vontade de explorar novos ares. Partiu dos medicamentos para uma fábrica de sapatos, e, em seguida, foi ser chapeador de automóveis no Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer).
Ai, o Rio de Janeiro
Ainda no Daer, teve seu destino modificado por um acidente de trabalho, após uma fagulha saltar em seu olho. Ficou de licença e estava proibido de assistir televisão ou ler. Soube que a Escola Especial da Aeronáutica do Rio de Janeiro estava recebendo voluntários para tropas. "Pensei que, como já estava em tempo de servir, seria uma grande chance de seguir a carreira militar", comenta. De quatro em quatro meses era formada uma turma de especialistas. "Veio o primeiro exame, mas decidi que não estudaria. Resumo: ao receber a prova, só enxergava fantasmas. Matemática, então, nossa, quanto desespero! Nunca tinha escutado falar em álgebra e trigonometria. Nem fui no segundo dia de prova", relata.
O ano estava para acabar e, com ele, a possibilidade de continuar na cidade maravilhosa. Veio então a chance de fazer um curso de cabo, fato que o faria servir por mais um ano. "Com mais duas tirinhas no uniforme, me tornei cabo da Aeronáutica, mas o que me prendia era aquela estupenda cidade e tudo que ela tinha de bom", confessa. No país do futebol, a bola também rolava nos campos da escola. A abertura para duas vagas na Escola de Educação Física trouxe a esperança de curtir mais um tempo em solo carioca. As cinco modalidades esportivas, apresentadas na prova prática, colocaram o futuro comunicador para jogar ao lado do lendário Nilton Santos. "Atuava como ponteiro direito e ele, centroavante. Era eu quem passava as bolas para ele marcar belos gols. Foi uma grande honra", conta, visivelmente emocionado.
Após um ano vivendo na Urca, o cabo recebeu das mãos do então Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, o diploma de Monitor de Educação Física e retornou para Porto Alegre. Com o certificado em mãos e a possibilidade de dar aulas em escolas, Celestino procurou o Ministério da Educação para se registrar, porém o fato de não ter completado os estudos fundamentais o impediu de lecionar. Sem emprego, mas em ótima forma física, passou a cogitar ser jogador de futebol. Algumas ajudas do irmão mais velho, o João Francisco, ou Tio Piloto, como era conhecido, o fizeram arriscar. Deu certo. Segundo ele, no Internacional, fez "um treino de abafar o Estádio dos Eucaliptos", e, após o intervalo, vestiu a camiseta de titular. Teve ainda passagem pelo Cruzeiro, de São Gabriel, mas admite que a fama foi passageira. "Existe no futebol o ministro, era assim que chamávamos o menisco. Durante uma partida, sofri uma queda violenta. Saí de maca, tentei voltar, mas não deu mais", descreve.
Radialista sem querer
Ainda se recuperando da operação no joelho, Celestino curtia uma agradável noite na companhia de amigos quando Omar Barbosa, locutor da rádio de São Gabriel, perguntou se ele nunca havia falado em uma rádio, no que respondeu: "Maninho, nem rádio eu tenho", brinca. Após ouvir elogios pela sua voz, recebeu o desafio. De acordo com ele, o verdadeiro plano do locutor era tirar férias o mais rápido possível e, para isso, precisava achar um substituto. Encontrou, tanto que Omar nunca mais voltou.
Passado um tempo, a saudade de casa apertou e, para conseguir voltar para Porto Alegre, inventou que estava com problemas particulares. "Sabia que não seria fácil conseguir emprego na Capital, mas novamente contei com a ajuda do Tio Piloto, que me conseguiu um teste na rádio Itaí", relata. Na época, Rubens Wagner era o diretor e, ao ouvir Celestino, o contratou na mesma hora. Por ser ex-jogador, o comunicador passou narrar atrás da goleira. Logo, veio o posto de narrador de futebol e sua primeira partida foi direto do Estádio dos Eucaliptos, em uma partida entre Internacional e Pelotas, pelo Campeonato Gaúcho. "Recebi muito apoio do Godoy Bezerra: toda vez que ficava mudo nas narrações, ele entrava com um comentário", conta, agradecido.
Nem só de esportes se deu a carreira de Celestino no veículo, pois grandes nomes da música clássica também passaram pela sua voz. Em uma seleção da Rádio da Universidade (UFRGS), pegou a folha da programação e se lembrou da prova na Escola de Aeronáutica: "Olhando aqueles nomes de Beethoven, Chopin, me deu medo, mas fui fazer o teste e, além de não errar nenhuma pronúncia, desbanquei 20 estudantes. Hoje em dia, Chopin é meu músico preferido", orgulha-se. Entre uma rádio e outra, permaneceu na da Rádio da Universidade por 34 anos.
No final dos anos 1950, o nome Celestino Valenzuela já havia ganhado o mercado, quando Salimen Júnior, então diretor da Rádio Farroupilha, o contratou para narrar os jogos. Na época, a emissora estava para inaugurar a TV Piratini, a primeira do Estado, e sem nenhuma pretensão, mas com muita audácia, lá estava Celestino. "Em 20 de dezembro de 1959, era fundado o canal e lá estava eu com a cara na tela. Fui muito elogiado", garante.
Das ondas para o tubo
Entre um comercial e uma reportagem, muitas histórias para contar. A mais marcante, e que ganhou o mundo, foi quando o grupo alemão de equilibristas Tigres Voadores estava na cidade. Eles estenderiam um cabo de aço entre os dois prédios mais altos da Capital e, sem proteção alguma, atravessariam utilizando apenas uma vara. "O grupo procurou a TV para promover o espetáculo. Não pensei duas vezes e decidi que entrevistaria eles nas alturas. Lá estava eu, pendurado a uma altura de 100 metros em uma espécie de cadeirinha, batendo o maior papo com o tal alemão", recorda. Outra grande oportunidade foi poder substituir durante alguns meses Elmar Hugo Schumacher, o conhecido Repórter Esso.
Mesmo com toda bagagem, Celestino reconhece que não agradava a todos e que era impulsivo. Durante um comercial, apresentado ao lado de Margarida Spessato, famosa garota-propaganda da época, percebeu que, em sua fala, havia um erro, o qual o comunicador corrigiu na hora. Para sua surpresa, a agência de propaganda se ofendeu e, mesmo provando que estava certo, ele foi suspenso pelo diretor. "Não pensei muito e bati na máquina de escrever meu pedido de demissão da rádio e da TV", descreve.
Na Rádio Difusora, narrou campeonatos escolares de vôlei, comerciais e demais programas que surgissem. Foi lá também que apresentou o Clube da Noite, programa que ajudava casais a se conhecerem. "Entre uma música e outra, lia uma carta e dava muita força para quem estava procurando seu par. Lembro que em uma das uniões fui convidado para ser padrinho de casamento, mas não aceitei devido aos meus compromissos", conta. Não demorou para migrar para Rádio Gaúcha, encabeçando as transmissões de futebol, vôlei e basquete, além de comandar o programa Domingo Esporte Show.
Na estreia do Jornal do Almoço, programa que poucos acreditavam, já que o horário do meio-dia não era atrativo, lá estava Celestino, encarando a apresentação do esporte. "Fazia uma espécie de loteria esportiva. Dava cada dica furada sobre os resultados dos jogos. Fiz muita molecagem. Fiquei atrás da goleira, dei notícias sobre o cenário esportivo em nível estadual e nacional, e, ao longo dos anos, fomos inovando", afirma, completando que a estreia em narrações na TV aconteceu em uma partida de Grêmio e Pelotas, pelo Campeonato Gaúcho.
A cada jogo Celestino imprimia suas características, entre elas a de narrar com um cigarro e tomando uísque."Gostava muito de um bom trago e de fumar. Um dia, durante a transmissão de um jogo do Grêmio, estava na cabine do Olímpico e decidi que naquele momento pararia de beber e fumar. O Tricolor sempre me deu sorte, levo aquela cabine no meu coração", descreve, emocionado. Aliás, a dupla Gre-Nal foi de extrema importância para a carreira do comunicador, que narrou a vitória do Grêmio pela Copa Libertadores e pelo Mundial de Clubes, em 1983, além dos três títulos do Colorado pelo Campeonato Nacional, em 1975, 1976 e 1979.
O nascimento do bordão
Era mais um jogo entre Pelotas e Grêmio, o placar estava zero a zero e o juiz prestes a dar o apito final, quando um dos jogadores quase acerta o gol tricolor. "De forma instintiva, fui diminuindo o tom da narração e simplesmente disse: que lance, hein!". No outro dia, foi chamado na sala do chefe e chegou perguntando se estava demitido, mas foi levado para assistirem à narração do dia anterior. No ponto da tal frase, ouviu o conselho: "Diga isso sempre". E assim surgiu um dos bordões mais conhecidos da comunicação gaúcha. "Ao longo dos anos, fui aperfeiçoando. Ele nunca significou gol e tem um segredo: a entonação é de acordo com o tipo de lance", desvenda.
Era Ano Novo de 1989, quando Celestino resolveu que era hora de parar. Jaime Sirotsky se surpreendeu com a notícia e o questionou sobre a decisão. "Aleguei que estava em um bom momento e não queria estar de bengala vindo para a emissora. Além disso, queria pescar e não tinha tempo", recorda, ao confessar: "Meu real motivo foi que passei a me preocupar com a visão e, como não queria fazer feio, percebi que era a melhor coisa a fazer". A saída oficial se deu após seis meses, tempo que a emissora demorou para achar um substituto, que viria a ser o jornalista Paulo Brito, até hoje no ar. A aposentadoria foi completa, pois deixou a TV e também a Rádio da Universidade.
Celestino por Celestino
Casado com Iris, a quem conheceu entre um pagamento e outro na Caixa Econômica Federal, Celestino tem dois filhos: César, que é fisioterapeuta e pai da Marina e do André; e Valena, jornalista. Dos três vícios citados, apenas a pescaria permanece em sua vida e viaja constantemente para viver novas aventuras. Para terminar a conversa, o comunicador diz: "O Celestino é o cara da história que te contei, que teve muita sorte. Deus é a minha religião e sempre me ajudou a realizar aquilo que parecia impossível. Não sou otimista, mas sou um cara que sempre acreditei em mim e, por isso, nunca tive medo de fazer as coisas".

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