Éldio Macedo: Luta após luta

Em um misto de esporte, política e samba se fez a carreira de Éldio Macedo, a voz do Ringue Doze, programa de TV que marcou a comunidade gaúcha nos anos 1960

Por Karen Vidaleti
Ao anoitecer nos domingos nos anos 1960, o destino das famílias gaúchas era quase unânime. Reunidas em frente da televisão com imagens em preto em branco, o canal escolhido era o 12, pelo qual a TV Gaúcha transmitia, direto do Ginásio da Brigada Militar em Porto Alegre, o espetáculo de luta livre Ringue Doze. Entre golpes e voadoras de personagens como Fantomas, Ted Boy Marino e Barba Roja, um homem negro vestindo smoking alinhado e sapato verniz não hesitava em invadir o ringue para entrevistar os lutadores. Era o jornalista Éldio Macedo, que comandou a atração transmitida entre 1964 e 1969.
Considerado um fenômeno de audiência, o Ringue Doze tem ainda hoje um recorde imbatível: foi capaz de fazer com que 93% dos televisores ligados em território gaúcho sintonizassem no canal 12, ao mesmo tempo. O programa ajudou a fazer de Éldio uma das personalidades mais conhecidas no Estado, mas foi apenas um dos marcos de uma carreira repleta de feitos que o colocaram em lugares privilegiados na história da comunicação e do País.

Foi um encontro com o radialista Sérgio Moraes que colocou o Jornalismo no caminho de Éldio. Servia a Escola de Cadetes do Exército, quando o amigo sugeriu fazer um teste na Rádio Gaúcha. O rapaz, cuja única experiência com o microfone havia sido no comando de alto-falantes da cidade natal, Rio Pardo, se saiu bem e acabou abandonando a carreira militar para tornar-se repórter da emissora, no final da década de 1950. Assim, começou a construir uma trajetória que incluiria ainda a TV Gaúcha (hoje RBS TV) e colaborações com Zero Hora.
Único repórter negro do rádio à época, relata que sofreu preconceito por isso. "O nosso Estado é grandioso em alguns aspectos, mas pequeno, preconceituoso em várias ordens", lamenta. Certa vez, foi chamado à sala do diretor Maurício Sirotsky Sobrinho, que soubera que Éldio, às lágrimas, havia cogitado desistir da profissão. "O ser humano tem inveja quando vê o outro progredir. Agora, tu tens que ir em frente e mostrar o teu verdadeiro valor", teria ouvido do fundador do Grupo RBS. "Sou eternamente agradecido ao seu Maurício", revela.
O desempenho ao microfone rendeu o convite para trabalhar na TV Rio, onde assumiu a direção de esportes. Na emissora, teve a oportunidade de acrescentar ao currículo mais um feito. Era 19 de fevereiro de 1972 quando a Difusora, juntamente com a TV Rio, transmitiu a cores a Festa da Uva de Caxias do Sul. Coube a Éldio conduzir a primeira entrevista na nova fase da televisão na América Latina e a personalidade escolhida foi Scila Médici, esposa do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). "Queriam que eu entrevistasse o presidente da República, mas decidi entrevistar a primeira-dama para fazer uma homenagem à mulher brasileira", esclarece. O chefe do Executivo ficou como segunda opção, mas foi entrevistado logo em seguida.

Deu política e samba
No Rio de Janeiro, foi diretor da rádio Nacional e da Manchete Esportiva, e atuou na TV Tupi. Participou da cobertura de 10 Copas do Mundo, esteve em quatro Olimpíadas e visitou 46 países, conhecendo e entrevistando personalidades e atletas, mas a atuação não se restringiu ao segmento esportivo. Como profissional concursado da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, assessorou políticos como Leonel Brizola, Paulo Brossard, Pedro Simon e Sereno Chaise - ex-vereador, ex-deputado estadual e ex-prefeito de Porto Alegre. "Toda a minha vida profissional, a maior sumidade em sabedoria que conheci foi Paulo Brossard", considera, destacando também Sereno Chaise como pessoa inspiradora.
Ainda atuou como assessor especial do presidente João Goulart (1961-1964), a quem conheceu através de seu pai, Waldemar Rodrigues Macedo. Agente da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, ele costumava embarcar os gados de Jango. Durante as férias na Escola de Cadetes, Éldio viajou a São Borja e foi apresentado a Jango. "Ele era uma figura incrível. Eu o vi ajudar pessoas muito humildes sem qualquer preocupação com aparecer. A única preocupação dele era com as pessoas", pontua.
A cobertura do Carnaval é outro tema que mobiliza Éldio desde os tempos da TV Rio, Manchete e Rádio Nacional. No último ano, participou da transmissão multimídia da Rádio Gaúcha para os desfiles do Rio de Janeiro, onde vive há cerca de 50 anos. "Nunca fui da dimensão do Cláudio Brito, um talento que considero o maior entendedor de Carnaval do Brasil, mas sempre gostei muito", afirma. Atualmente, além das participações anuais nas transmissões da festa, assina a coluna semanal Numeradas 10 no jornal Hello Brazil News, dos Estados Unidos, voltado à comunidade brasileira que vive no exterior.

Éldio Macedo no Carnaval 2016 | Crédito: Marcelo O Reilly

Éldio Macedo no Carnaval 2016 | Crédito: Marcelo O Reilly


Lembranças e heranças
Nascido em 4 de dezembro de 1935, Eldio Waldanir da Silva Macedo é o filho único da dona de casa Ecila e do agente da antiga Viação Férrea Waldemar Rodrigues Macedo, ambos falecidos. A família costumava organizar a festa de São João na cidade de Rio Pardo, onde Éldio teve as primeiras experiências como comunicador, animando o evento pelos alto-falantes. Torcedor do Inter, na juventude, conta que chegou a treinar pelas categorias juvenis do Tricolor, incentivado pelo comandante da Escola de Cadetes. "O presidente do Grêmio sabia que eu era colorado e sempre brincava comigo dizendo: vai perder de quanto?", recorda, em referência aos Grenais.
De origem humilde, orgulha-se pela dupla formação em Jornalismo e Sociologia, e pelos quatro anos de estudos em Direito, curso que só não foi concluído devido à mudança para o Rio de Janeiro. Casado com Ivone Pereira Macedo, professora, há cerca de seis décadas, é pai de cinco filhos - Kleber, Kleyton, Karen, Kassya e Rita -, todos "doutores", nas palavras dele.
A paixão pelo samba o estimulou a compor projeto com a finalidade de espalhar a música pelo mundo. Éldio formou uma orquestra brasileira que percorreu diversos países, levando espetáculos a estádios de futebol do Uruguai ao México. "Tive a felicidade de ver meu pai e minha mãe tocando e dançando em um estádio com milhares de pessoas", conta saudoso. O gosto pelo estilo musical foi transmitido aos filhos. Kleber é músico e dono da escola Batuque Digital, onde Kleyton também é um dos ritmistas.
Aos 81 anos e aposentado da Assembleia Legislativa e do Grupo RBS, é autor do livro Preto Poeta, que reúne entrevistas, poesias e pequenos contos interligados através do personagem que empresta nome ao livro. E ele não para. A expectativa agora é concretizar um projeto especial, a criação da Universidade Internacional do Esporte, em Buenos Aires, cidade que considera a capital cultural da América. A iniciativa vem sendo desenvolvida ao lado do empresário argentino Jorge Defelippis, entre outros. "É um sonho de passos curtos, mas que, se Deus me der saúde, espero deixar como legado para meus filhos e netos", conclui.

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