Milton Jung: A mesma voz há 50 anos

A voz forte, típica de locutor de rádio, sempre chamou a atenção das pessoas. Na escola ou em casa, ele sempre salientava-se entre os demais pela entonação e jeito de ler

A voz forte, típica de locutor de rádio, sempre chamou a atenção das pessoas. Na escola ou em casa, ele sempre salientava-se entre os demais pela entonação e jeito de ler. E ali estava o Dom que Milton Ferretti Jung soube explorar bem até tornar-se um dos principais locutores da história do rádio.

Desde pequeno ele já sabia o que queria ser, seu sonho era ser locutor. Então, com a voz e o desejo, "a história não poderia ser diferente". Com uma disposição invejável, mesmo aos 68 anos, é o locutor que está há mais tempo no ar apresentando o mesmo noticiário entre todas as rádios gaúchas. O patrocinador pode mudar, mas a locução do correspondente de notícias da Rádio Guaíba é feita por ele há 40 anos. Considerado "o recordista da locução", Milton Jung revela que não imaginava "ficar tanto tempo assim no ar" e faz questão de dizer que não pretende parar: "Quando a gente gosta daquilo que faz, a motivação não acaba nunca." O primeiro emprego já deu início à carreira de locutor. Em 1954, foi contratado pela Rádio Canoas, para ser "broadcast", o atualmente chamado diretor artístico. Ali, atuou por quatro anos.

Em 1958, através de seleção, iniciou sua trajetória na Rádio Guaíba, como locutor comercial e, eventualmente, apresentador de noticiários da programação da rádio. Em 1964 estreou no Correspondente Renner, consagrando sua voz como marca registrada do noticiário, que se mantém desde 1957. Jung substituiu na época o locutor Ênio Berwanger, um dos quatro apresentadores que o noticiário teve durante estes 47 anos de existência. São 46 anos trabalhando na Caldas Júnior, 40 de locução do Correspondente Guaíba, e 50 anos de carreira como radialista. O locutor tem registro de jornalista e radialista, porém não tem formação nas áreas. "O desejo do meu pai era que eu cursasse Direito.

Ele até ficou um pouco frustrado quando viu que entrei de cabeça no radiojornalismo", conta. Ao fazer um balanço de sua trajetória, Milton Jung orgulha-se em detalhar as atividades paralelas às locuções realizadas na Guaíba durante todos esses anos. Ele já participou da rádio-teatro da emissora - como narrador do programa infantil dominical -, integrou a equipe esportiva, inclusive como narrador de jogos de futebol, de 1961 até o início de 2003. Durante os dois últimos anos, através de um acordo feito com a direção de esportes da Guaíba, Milton narrava somente jogos do Grêmio e com uma condição: só se fosse no Estádio Olímpico. Agora, o gremista de "carteirinha" não quer mais saber de narrar nenhum jogo. "Cansei, é mais fácil ficar em casa assistindo televisão". O fato de ser considerado "recorde de locução" também lhe rendeu várias propostas de trabalho em outras emissoras de rádio. Mas a história construída na Guaíba é mais forte e prevalece. "Tive algumas propostas, mas nenhuma concretizou-se. Preferi ficar aqui", diz.

A rotina do correspondente

Titular do noticiário que já foi patrocinado pelos grupos Renner e Aplub, e hoje tem a chancela da Portocred, Milton faz a locução do programa em quatro edições de segundas a sábados e nos domingos e feriados em duas edições. Por isso, sua rotina de trabalho obedece os horários do noticiário. De manhã, após apresentar a edição das 9h, ele vai tomar um cafezinho e permanece na rádio, pois ao meio-dia participa do programa de esportes Terceiro Tempo e logo apresenta a segunda edição do Correspondente, às 13h. Durante a tarde, vai para casa e lá as atividades são variadas, sempre realizadas ao lado de sua mulher, Maria Helena, com quem é casado há 15 anos. No final da tarde, às 17h30min, volta para a Guaíba, onde faz o comentário esportivo, às 18h30min, e apresenta mais duas edições do correspondente, às 18h50min e 20h. Com duração de 10 minutos, o noticiário é editado pelo Departamento de Jornalismo da Rádio Guaíba.

Milton não participa da produção e recebe o texto alguns minutos antes de entrar no ar. "Eu às vezes começo sem saber o que vou ler". Porém, a prática de 40 anos, a experiência no radiojornalismo e o conhecimento geral das notícias ajudam na eficácia da locução, já que geralmente não faz uma leitura prévia do texto. "Eu não vejo o texto e nem participo da edição, eu só leio". E as falhas nesses tantos anos de locução são mínimas. "Claro que algumas coisas passam, como pronúncia de nomes estrangeiros. Mas erros de leitura acontecem mesmo", explica o locutor. Depois de cinco décadas na atividade, ele afirma que há cada vez mais motivação e orgulho em trabalhar. "Se não tivesse motivação, não trabalharia mais. Quando tiro férias, não consigo escutar os outros colegas. Fico louco para voltar", revela.

Longe dos microfones

Nas horas de folga, além de curtir sua família, aproveita para ir ao supermercado, tomar banho de piscina, ir à missa (todos os domingos de manhã), navegar na internet e andar de bicicleta - atividade favorita que faz acompanhado de Maria Helena. "Adoramos andar de bicicleta e o nosso bairro, o Assunção, é tranqüilo para isso". Milton tem três filhos do primeiro casamento: Jaqueline, que é professora, Milton Júnior, que seguiu a mesma profissão do pai e hoje atua no "CBN São Paulo", da Rádio CBN, e no Jornal do Terra, e Cristian, que trabalha como mestre de cerimônias do Palácio Piratini. "Nota-se que a família gosta de falar no microfone?", brinca Milton, que orgulha-se ao contar o nível de convivência com os filhos. Milton Júnior reside em São Paulo, mas o pai não deixa de escutá-lo nunca. "Todos os dias eu acompanho o trabalho dele pela internet. Assim não fico com tanta saudade", diz.

E a família do locutor é formada ainda pelos netos Vitória, Fernando, Gregório e Lorenzo. Os dois últimos moram em São Paulo e são visitados pelo avô geralmente nas comemorações de seus aniversários. "Tenho que ir sempre no aniversário dos dois, para não causar ciúmes entre eles." Milton gosta muito de viajar. Já visitou vários países em viagens profissionais, entre as quais destaca as coberturas de três edições da Copa do Mundo de Futebol pela Rádio Guaíba.

Nos últimos anos, o destino é sempre o mesmo: Buenos Aires, Argentina, lugar preferido de Milton e a esposa. O casal não vai ao cinema, prefere ficar em casa assistindo a DVD's. "Nós não acompanhamos muito a programação de TV aberta e por isso assistimos a muitos filmes", conta. A leitura é outro passatempo predileto do locutor. Lê sempre antes de dormir e as preferências são por livros de ficção, policiais e, principalmente, pelas obras de suspense e terror do autor Stephen King. Aprecia também escutar uma "boa música" e para ele não há muitas restrições em relação aos estilos. "Sou eclético, mas o que ultimamente tenho apreciado é tango e bolero."

E as especialidades na gastronomia?: "Não cozinho absolutamente nada e não sabia nem fazer café até pouco tempo. Aprendi depois que surgiram as cafeteiras", ironiza Milton. "Sou teimoso e birrento", admite o locutor ao citar os defeitos e ainda reluta em aceitar as críticas. "Pelo menos é isso que a minha mulher diz." No entanto, essa teimosia levou-o a ser persistente para alcançar os objetivos, o que acredita que seja o segredo de "qualquer sucesso". Milton não esconde sua vontade intensa de viver e curtir com alegria cada momento.

Com uma grande gargalhada, ele não hesita em dizer que seu grande projeto do momento e para o futuro é "seguir mais 40 anos" e completa revelando que seu único desafio é continuar vivendo.

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