Affonso Ritter: Com o dom da palavra

Seja no jornal, no site, no rádio ou na televisão, Affonso Ritter não se imagina longe no Jornalismo de veículo

Por Márcia Farias
Olhos azuis, pele bem branca, cerca de 1,80m de altura e até um certo sotaque deixam evidente a origem alemã de quem nasceu em Pinhal Alto, município de Nova Petrópolis. Dizem que pessoas desta origem são mais fechadas, sérias e rígidas. Pode até ser, mas tem uma qualidade que define melhor Affonso Ritter: ele é uma figura que marcou o jornalismo econômico do Rio Grande Sul. Foi um dos primeiros profissionais a abordar o assunto com domínio. Não é à toa, aliás, que foi o primeiro editor de Economia de Zero Hora, quando o tema passou a ter espaço específico no jornal.
Formado na turma de 1972 da Famecos, e, portanto, com mais de 40 anos de profissão, já que começou a trabalhar na área antes mesmo de concluir o curso. Enquanto jornalista, pôde presenciar diversos momentos importantes no Rio Grande do Sul, como os planos econômicos, as políticas salariais e as falências de bancos (Habitasul, Sul Brasileiro e Maisonnave). Sem falar, é claro, na época da ditadura militar. Deste período, porém, ele tem uma constatação: "Sofri muito mais com a censura de veículos do que com a militar. Não acredito na liberdade de imprensa, pois o que existe é a liberdade de empresa".
Aos 75 anos, Affonso Ritter pode ser considerado uma testemunha da evolução dos meios de comunicação. Ele mesmo se vê assim. Teve o privilégio de atuar no Jornalismo desde a época do teletipo, passando pelo telex, pela revolução tecnológica com a chegada do fax, chegando ao email e, agora, às redes sociais. Aliás, sobre estes avanços, Affonso Ritter decreta: "Sou um apaixonado pela tecnologia". Nada de se admirar para quem lida muito bem com internet, tem um iPhone, um Kindle e pensa em adquirir um Macintosh para ter em casa.
A descoberta de uma paixão
O Jornalismo Econômico caiu no colo de Affonso Ritter por acaso, algo como "a única opção do momento", mas, segundo ele, o assunto nem era tão desconhecido. Ligado à Política por meio da Juventude Católica, acabava entendendo um pouco do tema e aceitou a oportunidade de se aprofundar nele. O jornal Zero Hora foi o pontapé inicial, mas só o primeiro, pois ainda vieram passagens pela TV Guaíba (hoje, TV Record), pela TVE, pelo Diário do Sul (publicação extinta do grupo Gazeta Mercantil), por jornais do Interior, pela revista Veja, até chegar ao Jornal do Comércio e ao Grupo Bandeirantes - veículos onde atua.
O convite do então presidente regional da Band, Bira Valdez, surgiu em 1995. Foi nesse ano que o Jornal Gente estreou na rádio AM, com ele sendo um dos apresentadores - atividade que exerce até hoje. Não demorou a ganhar mais uma atração, o programa Empreendedores, transmitido aos sábados pela manhã. Apesar de se dizer um homem do jornal impresso, foi nesta emissora que Affonso se descobriu um apaixonado por rádio, como explica: "Que me perdoem os outros veículos, mas o rádio é o rádio". É nesse momento que conta um hábito adquirido em viagens e, agora, considerado um vício. Quando ainda tinha cabelos longos, em todo lugar que ia comprava um secador e um rádio de pilha. Hoje, tem um em cada canto da casa. "Tornei-me um fanático por rádio", conclui.
Tempos difíceis
Foram 17 anos dedicados ao Grupo RBS, entre Zero Hora, Gaúcha e RBS TV. Em 29 de janeiro de 1971, iniciava a carreira como jornalista de Economia. Lá, atuou ao lado de José Antônio Daudt em um programa matinal da rádio e assinou a coluna Informe Econômico, no jornal. Na mesma época em que foi criada a editoria de Economia, surgiu a ZH Dominical, para a qual produzia mesas-redondas com cerca de cinco convidados e cujo resultado ocupava de três a quatro páginas aos domingos. Reunia empresários, economistas e sindicalistas, entre outros, para debater temas da área que editava. "Era um trabalho muito penoso. Eu montava a discussão, gravava e editava. Fiz isso durante 11 anos. Lembro muito bem, por exemplo, de algumas participações do Olívio Dutra, na época em que era presidente do Sindicato dos Bancários", recorda.
Como nem tudo são flores na vida de qualquer profissional, não foi diferente com o jornalista. Em 21 de abril de 1988, Dia de Tiradentes, foi demitido. Em um período que chama de "juvenilização da equipe", uma expressão que, segundo ele, significa "demitir alguém e admitir quem ganhe menos". Em choque e abalado com a dispensa, Affonso Ritter diz que procurou fazer terapia para superar o momento. Apesar do período difícil, garante não guardar mágoas: "Não tenho raiva de absolutamente ninguém de lá. Isso é coisa empresarial, acontece", pondera.
Livre no mercado de trabalho, e após breve passagem pelo Diário do Sul (na época, dirigido por Hélio Gama), decidiu se virar. Criou uma rede de contatos e distribuía colunas semanais para diferentes jornais do Interior. "Foi um tempo financeiramente muito difícil, mas eu precisava trabalhar e não pensava em deixar o Jornalismo."
Rotineiro e saudável
Nem a idade, nem os ofícios profissionais, tão pouco a bagagem adquirida são capazes de diminuir o ritmo de Affonso Ritter. Considerando-se um homem rotineiro, ele é organizado e não gosta de fugir das suas programações. O despertar acontece por volta das 5h30, quando vai se atualizar das notícias do mundo. O café da manhã tem a companhia de Olavo, o gato da casa, a quem chama de "nosso companheiro". O cardápio também não muda: melão, iogurte com granola e uma fatia de pão. A rádio Band é o destino de todas as manhãs e a agenda continua com uma reunião de pauta para o dia seguinte.
Quando não há compromisso marcado para o meio-dia, gosta de almoçar em casa e a preferência culinária para este momento é denominada como "comida caseira". Ele brinca: "Acho que comida de chef de cozinha é feita mais para ver do que para comer". Gosta mesmo é de arroz e feijão, guisado com moranga, aipim - um cardápio simples assim. Depois da sesta, que dura até as 14h, a tarde é dedicada à produção da coluna 'Observador', publicada no Jornal do Comércio, e ao site que leva seu nome. Na janta, evita comidas pesadas, então escolhe apenas um café por volta de 20h30. Após, é hora de curtir o momento noveleiro. "Há muito tempo desisti de ver telejornais. Prefiro assistir a cenas leves, que transmitam fantasia", explica.
Os finais de semana são aproveitados ao lado da esposa, a socióloga Dorzila, com quem é casado há quase 40 anos. Algo raro nos dias de hoje, conforme o próprio diz: "Gostaria muito que os relacionamentos fossem mais estáveis. Eu, por exemplo, não imagino como seria minha vida sem ela". As filhas completam a família - a psiquiatra Fabiana e a psicóloga Raquel. O fato de as duas herdeiras terem seguido a área da saúde mental é motivo para fazer uma brincadeira: "Elas deviam achar que os pais tinham algum problema". Os netos ainda não chegaram, mas confessa que gostaria de experimentar ser avô. Enquanto isso não acontece, "adota as crianças dos amigos". "Conheço um casal em Berlim há muitos anos e brinco que a filha deles é minha netinha alemã."
Nos finais de semana, Affonso adotou o hábito de ir a uma feira orgânica, no bairro Menino Deus, pois gosta de cuidar da alimentação. Inclusive se policia para comer de três em três horas. Ir ao sítio que mantém em Viamão também está entre os lazeres preferidos. Além disso, ler é uma prática adotada há muitos anos, e conservada até hoje. Atualmente, tem dado atenção às obras clássicas da cultura portuguesa, como O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós.
No cinema, nada de filmes que tragam problemas, "pois os da vida real são suficientes". Gosta de tramas leves, como a mais recente assistida, 'O último dançarino de Mao', de Bruce Beresford. No campo da música, vai aos extremos: gosta de clássica, MPB e gauchesca. Conforme o jornalista, a escolha do que vai ouvir depende do momento, pois "tudo requer uma trilha sonora".
Na memória, as origens
Affonso Ritter saiu de Pinhal Alto aos 11 anos para estudar em um seminário em Gravataí - daí a lenda alimentada por alguns colegas, de que teria sido padre. A escolha não foi do então menino, e sim uma maneira financeiramente mais viável, encontrada pela família de agricultores para que pudesse estudar. Ele fez mais do que completar o colégio. Antes de ser jornalista, formou-se em Filosofia, em Viamão. Apesar do pouco tempo na cidade natal, lembra bem dos ofícios da roça. Uma das tarefas era levar aos moinhos o arroz e o trigo colhido, e isso fazia a cavalo. Também colhia feijão, como conta: "Montava no cavalo e o feijão estava em cima de uma lona. Era o animal que, com a pressão da pata, tirava o feijão do grão. São fortes essas recordações da minha infância".
Também é da sua origem que surgiu quase um poliglota. Além de dominar como poucos o português, fala alemão, francês e um tanto de inglês. "Em Nova Petrópolis se fala um dialeto que não existe em nenhum lugar do mundo, mas acabei aprendendo", diz. As diversas coberturas da Feira de Hannover, realizada na Alemanha, ajudaram na prática do idioma. As demais línguas, ele resolveu estudar de fato.
Estudar e colocar em prática o que aprendeu é regra desde os tempos de acadêmico. Acha péssimo o famoso 'nariz de cera' nos textos jornalísticos, pois acredita que a informação tem que ser dada sempre no início da matéria, especialmente nos dias de hoje, em que o tempo é escasso. "Durante muito tempo vi o Jornal do Brasil, por exemplo, como um padrão, pois primava pelo lead e pela clareza na informação, priorizando os aspectos mais relevantes primeiro", ensina. A admiração pelo veículo vem da época de estudante, pois foi o JB que abriu portas para Affonso Ritter: venceu um concurso promovido pela sucursal de Porto Alegre, em 1971, e conquistou o direito de estagiar no Rio de Janeiro por três semanas.
Desde a oportunidade, não se vê mais fora do Jornalismo. Nem dos veículos. Acha que todos os profissionais da área precisam experimentar ser repórter. "Nada contra as assessorias, até acho que são fundamentais, mas sou repórter do dia a dia e acho que jornalista tem que ir atrás da informação", decreta, para em seguida ensinar aos que estão chegando ao mercado: "Ser jornalista é ir para a rua. O fato é mais importante do que qualquer coisa. A fidelidade à informação é primordial. O resto a vida ensina".
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