Antonio Carlos Hohlfeldt: O mestre da crítica

A carreira começou aos 12 anos, no infantil do Correio do Povo. Hoje, se divide entre a academia, uma coluna no JC e o cargo de vice-governador do Estado.

Desde pré-adolescente, Antonio Carlos Hohlfeldt é fascinado por literatura e sempre imaginou que se tornaria um escritor. Tornou-se, embora seus escritos - exceto pelas obras de literatura infantil - estejam mais na área do Jornalismo e da pesquisa acadêmica. Nascido a 22 de dezembro de 1948, já aos 12 anos escrevia histórias para um teatrinho de bonecos e para o caderno infantil do Correio do Povo. Vê-lo seguir essa carreira não era bem o desejo de seus pais: "O velho tinha um escritório de Contabilidade, se dependesse dele eu ia parar num quartel. Se dependesse da mãe, obviamente, ia virar médico", brinca, "mas não eram as coisas que me envolviam". Como não dependia mais deles para dar suas voltas, pois já ganhava algum dinheiro dando aulas particulares para os vizinhos da Vila do IAPI, onde cresceu, Antonio continuou escrevendo e freqüentando a redação do jornal.

Ele também ajudava o pai no escritório pela manhã. À tarde, estudava no Julinho e, de noite, costumava ir ao cinema ou ao teatro. Quando chegou a hora de prestar vestibular, acabou optando pelo Jornalismo, "por uma questão de sobrevivência". Ainda assim, depois de passar um tempo ajudando o colega de 2º Grau, João Gilberto Noll - "hoje, um dos nossos grandes romancistas", aponta - com o Latim, obrigatório no vestibular para Letras, Antonio também resolveu se inscrever para o curso da Ufrgs e passou. Fazia Letras de manhã, na Federal, e Jornalismo à tarde, na PUC. "Depois, porque eu gostava de cantar no coral municipal, passei o Jornalismo para a noite", revela. Só pôde cursar o primeiro ano, pois, por dificuldades com o escritório de Contabilidade, teve que abandonar a faculdade na PUC. Seguiu com Letras e no resto do dia ajudava o pai na empresa. A essa altura, já era colaborador do Correio do Povo e tinha passado pelo Jornal do Dia e pelas rádios Metrópole e Pampa, sempre sem ganhar salário.

Pagamento em cinema

Na Caldas Júnior, passou a escrever críticas de cinema e de teatro para a Folha da Tarde, no início da década de 1970. Um incentivador foi Aldo Obino, que já havia sido seu professor no Julinho: "Muitas vezes, ele me levou ao teatro e depois me cobrava a crítica", lembra. "Era uma turma de jovens. Nós nos reuníamos com o (P.F.) Gastal, víamos os filmes que tinham estreado e cada um fazia a crítica do seu. Não ganhávamos nada, só os ingressos, o que já era bom, um negócio importante, pois tínhamos uma entrada permanente no cinema dada pelo Sindicato das Empresas Exibidoras", observa. No início da década de 1970, Gastal o convidou para atuar na exposição comemorativa aos 20 anos do Clube de Cinema de Porto Alegre. "Fui a São Paulo fazer contatos para trazer gente para o festival. O evento foi tão legal que o secretário de Turismo de Gramado pediu para levar os filmes para exibir lá. Foi daí que veio o Festival de Gramado", rememora.

Antonio passou a viajar seguidamente, por conta própria e na volta sempre tinha muitas histórias para escrever. O Correio do Povo passou a pagar por artigo, até que, em 1974, resolveu contratá-lo. "Acho que o dr. Breno (Caldas) percebeu que eu estava ganhando demais como colaborador e me tornou funcionário para coibir o custo. Estava virando caro, proporcionalmente ao que se pagava para os jornalistas", brinca. Então o jornal passou a bancar suas viagens. "Mas eu sempre fui CDF, ia viajar e trazia o dinheiro que eu não tinha gasto de volta, para o desespero de quem me acompanhava", diverte-se. O jornalista diz que deve muito ao "velho Breno" e a outras pessoas que o ajudaram: "Devo essa oportunidade ao Gastal e ao Adail Borges Fortes, secretário de Redação, que sempre me ajudou, sobretudo naqueles momentos complicados da censura", conta Antonio, que já foi preso algumas vezes por seus artigos de opinião.

De castigo

O jornalista permaneceu no Correio até a falência. Embora tenha sido demitido durante uma greve, entrou com uma ação e foi reintegrado. "Com o castigo de não poder assinar minhas matérias, mas conversei com a editora e a gente fazia a assinatura por dentro", lembra. Nesse período, viajou muito e teve diversas reportagens publicadas no jornal. Entre essas viagens, está a que realizou para o Canadá, em 1974. Acabou permanecendo lá por um ano, atuando no setor brasileiro da rádio Canadá e como correspondente.

Além do Correio, trabalhou no Diário do Sul, uma experiência da Gazeta Mercantil no Estado, e no RS, jornal de Sérgio Jockymann, para o qual escreveu durante anos voluntariamente até que a parceria acabou por uma desavença sobre o Theatro São Pedro. Foi quando surgiu o convite do Jornal do Comércio, que estava sendo reestruturado, depois que Mércio Tumelero assumiu a direção, para escrever uma coluna semanal de críticas de teatro. "Minimamente uma vez por semana, mas quando tem muita coisa, faço duas", explica.

Rebeldia e disciplina

Antonio ainda atua como professor na Faculdade de Comunicação Social da PUC. Seu envolvimento com o mundo acadêmico começou logo que retornou do Canadá. Foi convidado por Antoninho Gonzales, que era o diretor da Faculdade de Comunicação da Unisinos, para dar aulas na universidade. "Eu estava habilitado para lecionar mesmo sem ter o diploma, pois tinha o registro profissional de jornalista", explica, "me formei apenas em Letras, embora tenha sido um aluno rebelde. Me neguei a participar da formatura pública durante a ditadura militar, acho que inventei uma diarréia". Em seguida, realizou o mestrado e o doutorado em Letras, ambos concluídos na PUC, onde passou a dar aulas, em 1984.

Em 1999, foi convidado a assumir a coordenação do Programa de Pós-Graduação da Famecos, com a tarefa de implantar o doutorado. "Demos uma dinâmica para o programa, porque ele passou a pleitear um reconhecimento do Capes. Hoje, é nível A", comemora. Em 2002, o professor foi eleito vice-governador do Rio Grande do Sul e deixou a coordenação. "Continuei dando aula, nunca parei, nem na graduação nem na pós", diz. Atualmente, está fascinado com uma nova cadeira da graduação, o seminário Leituras de Jornalismo, no qual os alunos lêem textos de jornalistas ou sobre jornalistas. Hohlfeldt se esforça ao máximo para nunca faltar às aulas da graduação. Com o fim do mandato se aproximando, ele faz planos de retomar projetos de pesquisa e a literatura infantil. Também planeja uma viagem para fazer pós-doutorado, em 2008. Ainda não se decidiu entre Barcelona e a Cidade do Porto, mas admite que os planos podem mudar.

Sempre pelo social

O cargo de vice-governador foi uma ascensão natural de sua carreira política. Desde menino, no IAPI, Antonio participa de movimentos sociais da comunidade. "Participava da igreja - não cheguei a ser coroinha - ajudava a editar o jornal da paróquia. Depois, participei da edição do jornal da associação do bairro. Atuei também no Sindicato dos Jornalistas e quando fui lecionar na Unisinos, ajudei a fundar a associação de docentes", justifica. Lá, encontrou João Verle e Raul Pont. "Eu já conhecia o Olívio Dutra, do Sindicato dos Bancários. Inclusive, quando começou o PT, por volta de 1980, eu fiz uma longa entrevista com ele para a Revista de Civilização Brasileira, do Rio de Janeiro, acho que foi a primeira grande entrevista do Olívio como liderança política", lembra.

Hohlfeldt acabou participando ativamente da fundação do PT e se elegeu vereador pelo partido, "mesmo sem saber direito o que um vereador fazia", confessa. A campanha contou com o apoio da Caldas Júnior, que tinha a política de dar os santinhos para os funcionários que fossem candidatos. Ele dividiu o mandato com a suplente Ana Godoi, como orientava a sigla. "Isso foi importante, porque, na prática, nós duplicamos o mandato do partido. De um vereador, passamos a ter dois", explica. Depois, no PSDB, voltou a ser o único vereador da legenda. Hoje, está no PMDB, mesmo partido do governador Germano Rigotto.

Alerta vermelho

Para Antonio não é difícil conciliar as carreiras: "Tem que ter certa relação entre o jornalista, o professor e o político. O jornalista tem a mania de falar sobre tudo, de criticar, de meter o bedelho. O professor tem a mania de ter solução para tudo, teoria sobre tudo. E, como político, chega a hora de fazer as coisas, de pegar a crítica e a teoria e transformar na prática. Acho que nesse sentido não são coisas tão díspares", comenta. Para dar conta de todos os compromissos, sua amiga inseparável é a agenda: "Não marco compromissos sem consultá-la, já considerando os tempos de deslocamento para cada coisa. Não marco nem um chopinho se não olhar na agenda para saber se há condições", brinca.

O vice-governador assegura que separa bem os papéis: o trabalho acadêmico é na universidade e os assuntos do Governo são tratados no Palacinho da Cristóvão Colombo, residência oficial, que ele transformou em gabinete. Em sua sala, um antigo telefone vermelho o alerta sobre os assuntos mais importantes. Ele tocou durante a entrevista e ele explicou: "O telefone vermelho é só para secretários e para o governador". Do outro lado da linha, era justamente o secretário de Comunicação, Celito de Grandi. Também não leva problemas de trabalho ou de Governo para a casa: "Separo completamente a minha vida privada da minha vida pública, acho que isso ajuda bastante", conta. "O problema é que eu já casei nessas condições. Ela sabia que ia ser assim", brinca. Ele é casado com a professora aposentada Conceição, com quem tem um filho de 28 anos, Samir, profissional de Educação Física.

Trabalho e lazer

Antonio adora ir ao cinema e ao teatro, mas pegou a mania do profissional: "Sempre sei como a história acaba", lamenta. Esse trabalho para ele também são hobbies, programas que se tornam até familiares, já que sua mulher o acompanha na maioria das vezes. Também aprecia concertos, mas a falta de educação de muitas pessoas faz com que ele prefira ouvir um CD ou DVD em casa. "Confesso que esse hábito chato das pessoas conversarem durante as apresentações, falarem no celular, comerem bala, pipoca, essa mania americana, me irrita", conta. "Outro dia, aconteceu durante uma ópera na PUC. O celular tocou e a idiota atendeu. Botei-lhe a boca. Eu sou de botar a boca, se me incomodou, eu tenho que devolver, senão fica engasgado na garganta. Tenho que dizer uns desaforos, porque é uma falta de respeito!", desabafa. Embora consiga evitar os concertos, de ir ao cinema não abre mão: "Tem toda a magia da tela grande, do escuro, do som. Até tenho uma grande coleção em casa, mas eu gosto mesmo é de ir ao cinema", revela.

Outra paixão é a terra. Embora tenha uma casa em Porto Alegre, para onde se mudou por não conseguir acomodar sua biblioteca em um apartamento, é no sítio de Nova Petrópolis que ele pratica seu lado agricultor. Também lê bastante sobre o assunto e planta de tudo um pouco: tomate, berinjela, milho? "Para consumo próprio e também para distribuir entre o pessoal. Não vendo nada, é um desperdício de dinheiro, mas me dá um prazer enorme. Nada como fazer uma sopa e ter vegetais frescos, orgânicos", pondera. Para o sítio, costuma ir sozinho e ficar completamente isolado. Lá, não tem telefone nem televisão, mas está sempre atento ao rádio. A televisão evita por ser um vício: "Sou fascinado pelo vídeo, então tive que estabelecer algumas regras de convívio com a televisão. Em casa, não tenho TV por assinatura, só canal aberto. Quando estou em hotel, tenho que me controlar para não entrar a madrugada vendo filmes e documentários no sistema fechado, é uma tentação", admite.

Foi pelo rádio, por exemplo, que soube do conflito entre a Brigada e torcedores, durante um jogo do Internacional no ano passado. Estava no sítio, mas pôde ir até o quartel da cidade e começar a resolver a situação com alguns telefonemas, já que ele estava como governador em exercício. É que ele também acompanha o futebol: "Sou gremista desde criancinha, mas não sou anti-Inter", explica. Em casos de emergência, seu telefone de contato quando está em Nova Petrópolis é o da Brigada Militar. "Uma vez, estava trabalhando na terra, todo sujo de lama e chegou um brigadiano para dar um recado. Ele perguntou pelo governador e eu disse "sou eu". Ele me olhou, todo cheio de lama, não acreditou muito?", diverte-se.

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