Bira Brasil: Louco por rádio

Apaixonado por rádio, Bira Brasil relata sua vida profissional, desafios e conquistas. Em uma traje-tória de quatro décadas, não faltam aventuras para contar.

Radialista, jornalista e publicitário, Bira Brasil se define como um "louco por rádio". Após uma trajetória profissional cheia de desafios e muitas conquistas, sempre ligadas ao rádio, Bira volta às origens, em Santa Maria. Hoje, ele mantém um home studio profissional, onde grava comerciais para todo o Brasil. E também comanda a webradio Esphera Vox (www.espheravox.com.br), que propõe uma releitura dos anos dourados do rádio.
Ubirajara Brasil Paz nasceu em Barra do Quaraim, no município de Uruguaiana, em 14 de março de 1950. Da infância, guarda como as melhores lembranças a vida saudável do interior e acordar às 6 horas da manhã, junto com o pai, Mezophante Pereira Paz, tomar um copo de Toddy com leite, "apojado no curral", comer dois ovos quentes e ir para o colégio. Mas a sua loucura por rádio começou mesmo em Santa Maria, em 1969, na Rádio Guarathan, onde trabalhou como locutor de comerciais, programador, redator e apresentador, inspirado no perfil e nos locutores da Rádio Guaíba - Sérgio Schüller, Egon Bueno, José Fontella. Em Santa Maria, Bira Brasil também passou pelas emissoras Medianeira e Imembuí. Na TV Imembuí, era o apresentador das notícias locais do Jornal Nacional.
Mudança radical
Em 1971, Bira Brasil mudou-se para o Rio de Janeiro. "Resolvi ousar um pouco", conta. Na Rádio Globo, trabalhou como locutor de comerciais, apresentador do Globo no Ar e locutor de comerciais no Programa Paulo Giovanni Show, hoje, sócio da Giovanni Associados, uma das grandes agências de propaganda do país. Em 1972, novos desafios, ao ser contratado pelo empresário português Rui Castelar, que estava no Rio de Janeiro, fazendo a cobertura do Carnaval. Em Portugal, trabalhou no Rádio Clube Português, apresentando o Programa A Noite é Nossa, das 2 às 6 horas da manhã. Nesse período, viajou pela Europa, conhecendo cidades como Paris, Londres, Madri e Barcelona.
Em 1974, Bira teve a oportunidade de testemunhar no dia 25 de abril um dos acontecimentos mais marcantes da história portuguesa, a Revolução dos Cravos, um golpe militar que derrubou o regime do Estado Novo, vigente desde 1933, e nomeou o general António de Spínola presidente da República. "Diante do acontecido, onde o Governo estatizou tudo, perdi o emprego", relata. Em maio do mesmo ano, foi convidado pelo empresário moçambicano Antônio João Gomes Leitão para trabalhar em Moçambique, na África, como diretor de Promoções da Teal Discos, uma fábrica de discos em vinil.
Em outubro, Bira enfrenta outra revolução. A Guerra da Independência de Moçambique, também chamada Luta Armada de Libertação Nacional, foi um conflito entre as forças da guerrilha da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) e as Forças Armadas de Portugal. A história oficial relata que a guerra começou em setembro de 1964 e terminou com um cessar-fogo em setembro de 1974, com a formação de um Governo de transição. Foi uma legítima testemunha ocular da história, ao acompanhar conflitos, perseguições, execuções em massa e finalmente a paz, quando assumiram o poder Samora Moisés Machel e Joaquim Chissano, presidente e primeiro-ministro, respectivamente.
"Estamos salvos!"
No auge da Guerra da Independência de Moçambique, ao retornar da Teal Discos, fábrica onde trabalhava, Bira encontrou a cidade cercada. Ele conta: "Vinha no meu Land Rover com meu empregado doméstico Antônio. Sim, era comum ter-se um 'black' como doméstico para as lides da casa. Somos parados pela Frelimo com enormes troncos de árvores na avenida. Eles, guerrilheiros da Frelimo, e Antônio conversam em changane, ronga ou swaili, os três dialetos mais falados dos 185 existentes no continente. Antônio explica que sou brasileiro, seu patrão e que está tudo bem. Eles estão armados com facões, rifles, pedaços de pau e começam a bater no jipe, não acreditando na palavra de Antônio, pois teria havido, pouco antes, um massacre de 'blacks' na periferia das Machambas da cidade. Isso era comum, todos os dias. Em pânico, dou ré no jipe. Lá, a direção é do lado direito. Bato de traseira em um caminhão que estava sendo examinado pelos guerrilheiros. Engato a tração 4X4 e entro na savana, em direção à cidade. Ando uns três quilômetros e vou sair em uma avenida, perto de casa. Estamos salvos! Graças a Deus e ao Antônio, embora não muito convincente. O caminhão, aquele que estava atrás de nós, foi incendiado, com quatro pessoas dentro. Fúria extrema! Sem controle! Esses ataques eram comuns, tanto da parte negra como dos comandos portugueses. Famílias inteiras incendiadas dentro de suas casas. Crianças de dois, três meses, partidas ao meio, picadas em pedaços e incendiadas, junto com seus pais".
Com a estatização de Moçambique, Bira teve que arrumar as malas e retornar às pressas para o Brasil. "Acho que sou revolucionário ou um baita pé frio", confessa. No Rio de Janeiro, tenta voltar para a Rádio Globo, sem sucesso. "Teria que esperar 30 dias, pelo menos, por uma vaga", lembra. O que era inviável naquele momento. Então, viajou rumo "ao meu Rio Grande do Sul, Porto Alegre, onde estou em casa, finalmente", recorda.
Atendendo ao convite de Marcus Wesendonck, Fernando Westphalen e Luiz Eduardo Moreira, ingressou na Rádio Continental 1.120, onde trabalhou de 1º de dezembro de 1974 até 1979. Ainda em 1978, trabalhou na Rede Pampa, com o Otávio Dumit Gadret, na Universal FM e na Pampa. Já em 1979/1980 registrou uma passagem pela Rádio Gaúcha, a convite de Celso Ferreira. Na TV Gaúcha, hoje RBS TV, chegou a convite de Fernando Miranda, onde atuou como locutor de chamadas da programação até 1985. Simultaneamente, em 1980, chamado pelo amigo e padrinho Júlio Fürst, trabalhou na Gaúcha Zero Hora FM, que hoje é a Atlântida FM.
Verdadeira história
"Nome, aliás, criado por mim", revela, com orgulho. Pedro Sirotsky recebeu do pai, Maurício Sirotsky, a missão de colocar no ar uma emissora com perfil jovem. O objetivo era fazer frente à Cidade FM, do Grupo Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, inaugurada havia poucos meses em Porto Alegre. "Pedro estava apreensivo e nervoso no seu escritório do terceiro andar do prédio da RBSTV, no Morro Santa Tereza, onde operava a Gaúcha Zero Hora FM. Perguntei se poderia ajudar. Pedro respondeu: 'Estou com um pepino na mão. O pai (Maurício) me colocou a responsabilidade de pôr no ar uma rádio com perfil jovem, só que não tenho o nome'. No que, de pronto, eu disse: Posso criar um agora. Atlântica. Atlântida. Atlanta. Pedro, com brilho nos olhos, pede: 'Repete pra mim? Atlântida.' Atendi, com voz macia: Atlântida FM", relata Bira, com riqueza de detalhes.
Estava criado o nome que Pedro Sirotsky tanto precisava. No momento seguinte, Pedro liga para o irmão, Nelson Sirotsky, que estava em Santa Catarina, e anuncia a criação do nome da nova emissora jovem de Porto Alegre. "Essa é a verdadeira história", garante Bira, que em seguida transmitiu para Pedro Sirotsky o briefing da nova FM, baseado na lenda de Atlântida, o continente perdido. Magia, misticismo, imaginação, mistério, sedução, personalidade estavam embutidos no nome. "O rádio é como impressão digital. Pessoal, única e intransferível", explica Bira. Em seguida vieram outros profissionais para a nova rádio, como Elói Zorzetto, Sérgio Duerre, João Batista Shüller, o Megaton, Ivan Fritsch, Júlio Fürst, Celso Loureiro Chaves, Augusto Palmeira Triste e tantos outros. Bira lembra que foi produzida, pelo Paulinho Bufara, uma megacampanha com a Garota Atlântida, o Príncipe Atlântida. "Detonou a Cidade. Literalmente", diverte-se.
Em 1983, Bira deixou a Atlântida FM para ir para a Rede Globo, no Rio de Janeiro. Projeto que acabou não se concretizando. "O Roberto Talla, diretor da TV Globo, não chegou nos meus números", ri. Na época, Bira tinha cinco empregos: Atlântida FM, TV Gaúcha, TVE, Rádio Gaúcha e Artecsom, uma produtora de áudio, na qual trabalhou junto com Júlio Fürst, Rui Carvalho, Antônio Carlos Niederauer, Bira Valdez, Ester Castro, Elizeu Pacheco, contratados, com exclusividade, pelos diretores Gerson Quadrado e Paulo Cezar, o PC.
Na RBS TV trabalhou até 1986. E ficou fora do ar durante dois anos, até que Edson Araújo, o Camarão, diretor de Programação da Band FM, o chamou para trabalhar. E, mais uma vez, ele fez parceria com Júlio Fürst, que apresentava o Estúdio 2, e com Rui Carvalho, que comandava o Rota 99, entre outros. Na Band ficou até 1994, apresentando programas e gravando comerciais. Nesse ano, novamente a convite de Júlio Fürst, que já havia saído da Band, Bira retornou para a RBS Rádios, na Gaúcha FM, gravando comerciais, apresentando programas e notícias, junto a grandes figuras, como Lila Vieira e Rogério Mendelsky, e na Gaúcha AM, junto a Ruy Carlos Ostermann, Lauro Quadros, Kenny Braga, Wianey Carlet.
Começar de novo
Ainda em 1994, Bira lançou a Vox Cine Vídeo Produções, uma produtora de áudio criada para atender diretamente aos seus inúmeros clientes. "Um absoluto fracasso", lamenta. Pego pelo Plano Real e por um planejamento ousado, com investimentos pesados e em dólar, foi à falência em 1997. Desde então, trabalhou como autônomo, gravando nas produtoras de áudio de Porto Alegre. Hoje, tem um estúdio profissional em casa, onde grava comerciais para rádio, televisão, cinema, audiovisuais e campanhas políticas. Também mantém uma webradio, a Esphera Vox, onde toca sucessos dos anos 1960 a 1980, em parceria com o amigo Cezar Barrios.
Entre idas e vindas, Bira enfrentou vários desafios. Encarou a vida, aos 22 anos, no Rio de Janeiro. "Um mundo de maravilhas nunca imaginadas", revela. Conheceu a Europa e "todos os seus mistérios, charme, glamour e diversidades". Viveu na "Mama África, dos contrastes. Dos apartamentos de luxo à beira-mar à miséria absoluta dos guetos blacks, Machambas, guerras, guerrilhas e morte de inocentes", relata.
Hoje, perto de completar 62 anos, com mais de 40 anos de histórias, se considera uma pessoa realizada. "Fiz o que sempre gostei de fazer. Fiz com prazer, vontade, alegria, honestidade, respeito e profissionalismo! Se pudesse, faria tudo outra vez", garante. Divorciado, depois de sete casamentos, "alguns bem-sucedidos, outros nem tanto", é um pai e um avô-coruja. Do primeiro casamento, tem a filha Ivy Paz, 36 anos, e curte a neta Helena, cinco anos. Nos momentos de folga, gosta de "beber uma gelada e jogar sinuca com os amigos". Também não dispensa fazer um churrasco e "namorar, quando possível".
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