Cyro Martins: Atrás da História

Diretor da TVCOM, jornalista foi o fundador do Diário Gaúcho

Cyro Martins - Reprodução

Cyro Martins, 51 anos, fala baixo. Quase monocórdico, é em razão do conteúdo que a conversa com o jornalista e diretor-geral da TVCom permanece bem distante da monotonia. A tranquilidade aparente quase esconde o espírito inquieto e interessado em renovar as coisas e que, ao mesmo tempo, valoriza a História, a ponto desta se tornar elemento decisivo nas viagens de turismo que realiza. Nascido em Uruguaiana, na Campanha, Cyro Silveira Martins Filho é provavelmente o maior responsável pelo surgimento de uma publicação que abriu novas perspectivas - e principalmente um novo público - ao Jornalismo no Rio Grande do Sul - o Diário Gaúcho. "O Diário me obrigou a descer do pedestal para entender a vida de um leitor que não lia jornais. E a vida dele é a vida da maioria das pessoas", acredita.

Ele faz questão de salientar o primeiro sobrenome - Silveira - para evitar confusão com o escritor Cyro Martins (1908-1995), com quem não tem parentesco. É o segundo dos três filhos do coronel de Artilharia Cyro Silveira Martins e da professora Leni Bastos Martins. Cyro, o jornalista, aliás, deu origem, junto com a consultora de moda Silvia Escobar de Barcellos - estão casados desde 1998 - a outro Cyro Silveira Martins, desta vez Neto, nascido em 2006. "É um garoto alto astral, como os pais. Deus pode até não existir, mas, se existir, ele é uma prova", afirma o devoto de Santo Antônio a respeito do filho.

Já na carreira profissional, o filho preferido é, sem dúvida, o Diário Gaúcho, jornal fundado em 2000 pelo Grupo RBS. O projeto surgiu em 1998. Cyro era, ao lado de Marta Gleich, editor-chefe de Zero Hora e cursava Master em Jornalismo para Editores, em São Paulo, pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais/Universidad de Navarra. O Dia, diário da Empresa Jornalística Econômico S/A (Ejesa), havia se firmado no segmento popular como um jornal bem feito. "Era campeão de banca e começava a se aproximar do público de O Globo", relembra Cyro. A Globo, por sua vez, reagiu com o lançamento do Extra. Popular, mas sem ser apelativa, combinava qualidade e serviço, a publicação inspirou o editor-chefe: "Um jornal desses a gente poderia fazer em Porto Alegre".

Para entender a crise da Argentina

Cyro imaginava o Diário Gaúcho como um jornal que deveria contemplar um público que, até então, estava excluído do consumo de jornais. O jornal, no entanto, não deveria causar vergonha ao leitor ou a quem produzisse. Para isto, seria preciso estabelecer regras editoriais rígidas. Seguindo a receita do Extra, a publicação combinaria também informação e serviço. "O Diário Gaúcho ensinou direitos para muita gente que sequer sabia que tinha tais direitos, ou que não sabia como exercer", afirma.

Para formar a equipe, Cyro convidou veteranos de Zero Hora. Ao mesmo tempo, contratou novatos. "Tínhamos de eliminar preconceitos. O primeiro era dizer 'tu não vais escrever para colegas elogiarem'. Vais escrever de forma bem didática para um público que tem dificuldade de entender", recorda. Um dos primeiros desafios foi apresentar a crise econômica que assolou a Argentina desde a década de 1990 e que se estendeu até o início da década de 2000. A redação trabalhou com afinco em um infográfico. "Até eu entendi. E, se conseguíamos tornar aquilo compreensível, poderíamos explicar qualquer coisa", diz Cyro, que permaneceu no comando do Diário Gaúcho até 2004.

A criação do jornal e o período em que dirigiu a publicação foram, provavelmente, o momento de maior desafio para o jornalista formado pela Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da UFRGS em 1989. Antes de ingressar no Grupo RBS, Cyro havia sido revisor, secretário gráfico e editor de política nacional no Correio do Povo. Em 1989, foi aprovado em primeiro lugar no curso de Jornalismo Aplicado oferecido pela Zero Hora. Entrou para o jornal no dia 2 de janeiro de 1990, como editor-assistente no Segundo Caderno. Assumiu a Revista da TV, criou o caderno de Gastronomia - "O Anonymous Gourmet, a quem reencontrei na TV, sempre lembra que fui o primeiro editor dele" -, assumiu a editoria-executiva de Cultura em 1996 e se tornou editor-chefe em 1997.

Mudar para ficar tudo igual

Na formação, além do Master em Jornalismo para Editores, Cyro acumula um MBA Empresarial pela Fundação Dom Cabral, Master em Jornalismo Digital também pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais/Universidad de Navarra e está em banca para encerrar uma pós-Graduação em Marketing Estratégico pela ESPM. Isso sem contar os três anos no curso de Engenharia Mecânica e outros três no curso de Direito, "aprendizados nunca desperdiçados", como diz, mas não concluídos.

Em 2004, passou a responder pela gerência da Rádio Gaúcha. "Nunca havia feito rádio, mas, desde a adolescência, ouvia a Rádio Gaúcha. Não usava relógio. Eu me guiava nos horários pelos programas da emissora." No novo cargo, "o desafio era, como diria Lampedusa, mudar tudo para tudo ficar como está", afirma, referindo-se ao escritor italiano Giuseppe di Lampedusa (1896-1957). Ou seja, a Gaúcha precisava mudar para se manter no tradicional target da emissora - público A e B, acima de 40 anos. "Em quatro anos, mexemos em toda programação." Para Cyro, a tarefa, que incluiu o início das transmissões da Gaúcha em FM, foi facilitada pelo apoio recebido de Cláudio Toigo e Geraldo Corrêa, diretores do Grupo RBS, e, claro, do presidente, Nelson Sirotsky. "Sustentado por um trio desses, não tinha como dar errado. Nelson entende para caramba de rádio."

Depois, em 2008, Cyro torna-se diretor de Produtos do Grupo RBS em Santa Catarina. Retornou a Porto Alegre em 2010, para a direção da TVCom. "TV é uma nobre arte. A TVCom tem de ser a emissora mais querida de Porto Alegre. Nossa intenção é reforçar esta posição. Ela tem de ser sempre a mais lembrada", revela, destacando que, à frente do projeto, está o diretor de Operações de TV/RS, Diego Quevedo - "um grande profissional".

A maior burrice que já fez

Cyro fumou até o dia 3 de janeiro de 2006, data de nascimento de Cyro Neto. "Fumei meu último cigarro no pátio do hospital. Fumei durante 35 anos. Maior burrice que fiz", diz. Ao mesmo tempo, sempre gostou de esportes. Havia praticado capoeira e boxe. Jogava futebol. Para apagar de vez o cigarro, era preciso uma atividade física. Começou a correr e não parou mais. "Corro dia sim, dia não. Faça sol ou faça chuva." Enquanto corre, faz orações. "É uma forma de meditar, um mantra. A mente descansa enquanto o corpo trabalha. Faz bem para a alma", explica.

Bem antes disso tudo, Cyro fez tentativas na área da música. Foi vocalista da banda de rock Vergonha da Família. Não toca nenhum instrumento. "Me dava por feliz quando não tocavam nada em mim", brinca. Anterior ao rock, porém, transitou pela música nativista com algum sucesso. Ganhou, por exemplo, a Vindima da Canção, festival de Flores da Cunha, em 1984, com a canção Um Causo, em parceria com Rodrigo Piva. Com Bebeto Alves, disputou a Califórnia da Canção com a composição que tem o singelo nome de Meu Filho Antônio Voltou da Cidade Cheio de Idéias Exóticas e Estranhas à Índole Pacífica do Povo Brasileiro. Em Alegrete, na Ronda da Canção, dividiu o público, entre vaias e aplausos, com a música Verdade.

"Não canto mais", garante. Outra paixão, a leitura, permanece forte. Cyro costuma ler mais de um livro por vez, além de, frequentemente, reler obras com que se deliciou no passado. Nos últimos tempos, tem lido e relido, por exemplo, um volume de poemas do modernista inglês T.S. Eliot (1888-1965). Se delicia com o longo The Waste Land, cujos versos refletem a desilusão da geração pós Primeira Guerra, cheio de sátiras e profecias, mudanças abruptas de narrador, localidade e tempo, além de invocar uma vasta e dissoante gama de culturas e obras literárias. Poema para leitor profissional. "Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó", diz um dos versos mais famosos da primeira parte de The Waste Land, O Enterro dos Mortos.

Antes de agradecer por continuar vivo

Não em um punhado de pó, mas Cyro talvez revele o que é o medo a algumas pessoas por meio de, por exemplo, um pequeno roteiro de viagens. Publicado no perfil do jornalista no Facebook, o roteiro lista "10 lugares para visitar antes de agradecer por continuar vivo". Ele garante: gosto de visitar lugares históricos. É verdade, são lugares históricos, sim. Mas também são lugares de cenas de morte, de terror e de sofrimento. O gosto de Cyro por viagens valoriza mais um passeio por uma minúscula praça de Londres onde Jack, o Estripador, retaliou uma vítima, do que se estender preguiçosamente ao sol em alguma ilha do Caribe.

Outro exemplo? Era fim de ano em Berlim e estava frio. A noite havia caído e lá se foi Cyro em busca do Pátio do Bendlerblock, o local onde foram executados líderes do atentado do dia 20 de julho de 1944 contra Adolf Hiltler. O pátio situa-se em uma área comercial da capital alemã, pouco frequentada à noite.

Apaixonado e conhecedor de História, Cyro também coleciona bustos, os mais diversos, de qualquer valor e tipo de material. Ao se despedir da redação do Diário Gaúcho, recebeu como recordação dos colegas, não por acaso, uma charge de si próprio vestido como um romano da Antiguidade. Nas viagens, como ocorreu na mais recente, para a Irlanda, Inglaterra e Escócia no final do ano passado, o jornalista parte em busca de lugares assombrados. Muito mais do que medo, no entanto, Cyro revive e reencontra ali personagens e episódios que certamente o fascinaram nos momentos de leitura. Ele ainda não assistiu, mas talvez se sinta identificado com Woody Allen ao ver o belíssimo Meia-Noite em Paris. Tal qual Gil, personagem interpretado por Owen Wilson, Cyro, literalmente, viaja na História.

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