Erico Valduga: Informação ilimitada

Crítico sobre política e comportamento, o jornalista cultiva o hábito da leitura como forma de alimentar o corpo e a mente

Falante, espontâneo, cheio de disposição e opinião. Não poderia ser diferente, tratando-se do jornalista político Erico Valduga. Todos os dias, ele tece análises e comentários críticos sobre a política gaúcha e comportamento. As notas são publicadas em seu site - www.ericovalduga.com.br -, lançado há seis meses. O profissional ainda produz conteúdo para a Periscópio, newsletter diária distribuída a 48 mil leitores assinantes. Logo cedo, antes de começar a trabalhar, Erico examina diversos jornais locais, nacionais e internacionais. Segundo ele, o gosto pela angulação política vem do hábito de ler. "Desde guri eu lia muito, sempre gostei de ler. Eu tenho mais de 3 mil livros, todos lidos", assegura. Aos 62 anos, seu estímulo para acordar sempre bem disposto e escrever é a busca da informação e o prazer em trabalhar.


Em 40 anos de jornalismo, Erico Valduga atuou em redações de jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão. Foi repórter, redator, editor, colunista, chefe de reportagem e chefe de redação. Tem passagens pela Folha da Tarde, sucursais do Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil, Folha do Sul, TV Guaíba, rádio e TV Band, TV Pampa, revista A Granja e Editora Abril, e em todos esses veículos sempre atuou na área da Política. Também coordenou as áreas de comunicação da Assembléia Legislativa, CEEE, Associação dos Fiscais de Tributos Estaduais (Afisvec), Sindicato das Seguradoras do Estado do Rio Grande do Sul (Sindisergs) e Diretório Estadual do PMDB.


A idéia de dedicar-se exclusivamente à produção de conteúdo para o site e newsletter surgiu da necessidade de contribuir com informação de qualidade sobre um campo que ele conhece muito bem. "Neste tempo todo de jornalismo em diversos veículos e nos dois lados, aprendi muito. E acredito ser uma obrigação que tenho com a sociedade da qual faço parte: usar o aprendizado para tentar interpretar e comentar os fatos do dia-a-dia, em especial da área política. Ao mesmo tempo, continuo aprendendo. E durmo bem, pois a minha parte estou fazendo", explica Erico.


Acesso ilimitado aos livros


Erico Valduga nasceu em 5 de maio de 1946, em Bento Gonçalves. Ele mesmo chama a atenção para o fato de que o número cinco está sempre presente em sua vida, seja no dia e mês de aniversário; seja na quantidade de letras do primeiro nome, ou mesmo na numeração do quarto do hospital, no horário em que nasceu e no número de irmãos. O pai, figura pela qual demosntra imensa admiração e respeito, era gerente do Banrisul. Por este motivo, ainda menino, foi morar em Garibaldi e depois em São Luiz Gonzaga, na região das Missões, local onde passou maior parte da infância. "A minha infância foi maravilhosa. Eu era o legítimo guri do Interior do Rio Grande do Sul. Me criei andando de pés descalços, fazendo funda, subindo em árvore, comendo fruta, jogando bolita?", relembra a época de garoto.


Já na adolescência, a família mudou-se para Santa Maria, e logo depois veio para Porto Alegre. Apreciador de uma boa leitura, sempre encontrou no pai um grande incentivador. "Ele foi o maior amigo que eu tive. O meu pai era espetacular, era companheiro. Se eu pedisse dinheiro pra ir ao cinema, ele me dava uma corrida. Mas se eu pedisse dinheiro pra comprar um livro, ele entregava com prazer. Em Santa Maria, eu tinha conta na livraria do Globo", orgulha-se em contar sobre o acesso ilimitado à cultura que tinha à disposição. Tanto que, aos quatro anos de idade, já sabia ler e escrever. O escritor predileto do jornalista é o português Eça de Queiroz, mas também aprecia muito a narrativa de Erico Verissimo, autor que inspirou seu pai a dar-lhe este nome, ao ler a obra "Olhai os lírios do campo".


Foi na Capital gaúcha que Erico e Ligia, sua esposa, se conheceram. Advogada, natural de Livramento, ela chegou na vida de Erico para complementar os roteiros percorridos pelo jornalista no Estado. De vez em quando eles vão até a fronteira visitar os familiares de Ligia e passear. Por isso, e por ter morado em muitas cidades, ele se considera um verdadeiro conhecedor dos quatro cantos do Rio Grande do Sul. Juntos há 29 anos, eles têm três filhos: Lourenço, 27, estuda Engenharia da Computação; Gonçalo, 20, vai seguir a profissão do pai: já está no 5º semestre e faz estágio no portal Terra; e Vitória, de 9 anos.


Primeiros passos na Capital


Recém-instalado em Porto Alegre, pensava em seguir a carreira diplomática pelo Itamaraty, na Escola Rio Branco. Chegou a fazer os exames, sendo aprovado. "Fui ao Rio de Janeiro e não gostei muito do que eu vi dos ditos diplomatas. Muito salamaleque? então resolvi fazer vestibular para Direito e para Jornalismo", lembra Erico, que em 1967 ingressou nos dois cursos e, obviamente, nunca concluiu o de Direito. Entrou no mercado de trabalho em 1968, ainda na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da URFGS, em uma oportunidade disputada através de concurso por muitos estudantes: uma vaga de estágio na sucursal do Jornal do Brasil em Porto Alegre.


"Lá trabalhei com gente de grande competência, como o Joseph Zukaustas, o Lucídio Castelo Branco, a Eunice Jacques, o Carlos Alberto Kolecza? Eu percebi que o que a escola ensinava era muito pouco, e que eu tinha que aproveitar pra aprender mais dentro das redações. Então eu tive a sorte de aprender com estes bons profissionais". E é o que Erico considera ter feito durante toda a sua trajetória profissional: ensinar os jovens que com ele trabalharam. Entre os seus aprendizes, ele cita José Barrionuevo, Marcelo Villas Boas, Renato Rossi, Eduardo Meditsch.


Momentos de repressão


Um ano depois, em 1969, foi contratado pela Caldas Junior. Conquistou uma vaga na editoria de Turfe da Folha da Tarde, extinta há mais de uma década. Trazia matérias sobre o esporte que promove e incentiva corridas de cavalos. Em seis meses, foi promovido a editor de Turfe e repórter da Geral. Depois, paralelamente à função de editor, ainda foi chefe de Reportagem, editor e colunista de Política. Em 1983, foi demitido. "Eram os tempos da Ditadura Militar, onde era mais importante o que pensava um coronel do que o que pensava um deputado. De qualquer forma, era o que se tinha de política de fato", relembra.


"Eu, como colunista de Política, sempre tentei ser absolutamente limpo. Por exemplo: eu nunca tive outro emprego enquanto estava dentro da redação. Nunca sentei nas duas cadeiras porque eu não acredito nisso. Não acho que é possível fazer um trabalho sério desta forma", acredita. Erico escreveu, de caso pensado, uma nota em sua coluna que fazia uma provocação a um grande amigo de Breno Caldas, dono do jornal: João Leitão de Abreu, professor da faculdade de Direito, que substituiu o general Golbery, então chefe da Casa Civil no governo do General Geisel. "Era um homem respeitabilíssimo, mas autoritário. Então eu escrevi que um militar com a alma de civil, que era o Golbery, tinha sido substituído por um civil com a alma de militar, que era o João Leitão de Abreu. Aí fui demitido, após 13 anos de Caldas Junior".


Erico lembra que foi a primeira das demissões que teve por motivo político. "E depois disso foram vários acontecimentos neste sentido, por acreditar - continuo acreditando até agora e vou morrer acreditando nisso - que quem compra um jornal, ouve uma rádio ou assiste à televisão tem todo o direito de ser informado corretamente, doa a quem doer. Todos nós temos a liberdade de se expressar, desde que tu o faça de forma civilizada", defende. "Nós, repórteres, somos canais. Os fatos independem da nossa vontade. O jornalista deve reproduzir o acontecimento que viu com a maior objetividade possível", enfatiza Erico sobre o que considera ser o conceito mais importante da profissão. "Os editores e os donos de jornais têm a responsabilidade de questionar-se sobre que tipo de comportamento está sendo induzido com o que está sendo publicado", alerta.


Recomeçando


Não demorou muito para surgir uma oportunidade na sucursal de Brasília de O Globo. Apesar de ter se deparado com problemas, como o preconceito por usar barba - por este motivo Erico acredita que era tido como comunista -, já estava tudo acertado para a sua mudança para a Capital Federal. Mas, em 1984, seu pai veio a falecer e o jornalista acabou optando por ficar em Porto Alegre, já que era o único dos filhos que conhecia seus negócios. Algum tempo depois, Erico foi convidado para chefiar a assessoria de imprensa da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Voltou a trabalhar ali outras duas vezes, mas garante que não pretende repetir a experiência. "Não quero voltar mais, porque é a coisa mais estranha aquela forma de agir da Assembléia. Tu trabalhas como um "mouro" para organizar a área de Comunicação. Daí tu sai de lá, e uma semana depois vê que desfizeram tudo", lamenta.


Fora do trabalho


Entre as atividades extra-jornalismo, uma delas, que exerce com incontido prazer, é criar ovelhas em um sítio de sua propriedade em São Francisco de Paula, a qual chama carinhosamente de "fazendola". É a Cabanha Tirol. "Isso evitou que eu enlouquecesse, como acontece freqüentemente com os nossos colegas", brinca. Até o ano passado, ele criava animais puros de pedigree da raça Texel, de cuja associação - Associação Brasileira dos Criadores de Texel (Brastexel) -, foi presidente. "Mas hoje só tenho rebanho geral. Não agüentei os prejuízos e a irritação provocada por roubos de carneiros e ovelhas", justifica.


Muitos dos finais de semana são curtidos na "fazendola", mas ele também gosta de passear na região próxima à Lagoa dos Patos, nas cidades de Mostardas, Tavares e São José do Norte. "É uma das coisas mais lindas que existe no Rio Grande do Sul. Foi a primeira região no Estado a ser povoada? Então, exatamente por elas estarem ilhadas, a culinária permanece completamente distinta. As expressões que eles usam, não se ouve em outros lugares? é uma gente maravilhosa", define. Durante a semana, fora do horário de trabalho, lê sempre, assiste a um filme em DVD de vez em quando, e gosta de cozinhar.


O periscópio


De casa, sentado em frente ao computador, o jornalista trabalha para abastecer de informações seu site e a newsletter. Usa a figura de um periscópio como referência. Acessório fundamental dos submarinos, é um instrumento óptico que permite ver por cima de um obstáculo, usado para captar imagens acima da água. Também foi usado em guerras, para observar movimento inimigo de dentro de trincheiras. "Imagina que tu fica abaixo da linha da água. Portanto, tu não estás chamando atenção sobre ti. Como repórter, eu nunca deixei de, em cobertura de rua, entrevistar gente e olhar o entorno do local. Eu acho que o periscópio me permite olhar o entorno por uma lente, não digo sem risco, mas com liberdade. Se houver algum problema, o meu submarino volta pra superfície", explica Erico sobre o conceito de periscópio relacionado ao nome que deu à sua coluna diária.


Modesto, ele considera que não tem facilidade pra escrever. "Escrever é 99% de transpiração e 1% de inspiração. Eu durmo muito pouco, sempre foi assim. Todos os dias acordo entre 4h e 5h da manhã já desperto. Acordo pronto e vou ler todo o noticiário". Assim, o jornalista lê a Folha de S. Paulo, O Globo, o Estadão e outros sites de notícias. Depois é a vez de Zero Hora, Correio do Povo, Jornal do Comércio, BBC, Clarin e La Nacion. "Aí, conforme os acontecimentos do dia, que eu de véspera já venho pensando, eu dou uma pesquisada em algum jornal francês, ou nos jornais da Itália ou Espanha, como o El País, que tem boas informações sobre a Europa".


Jornalista realizado com a profissão que escolheu, garante que repetiria "as mesmas bobagens" que fez no passado. "Se eu escrever com qualidade e com clareza o meu site e a minha newsletter, eu fico satisfeito", diz ele sobre seus objetivos. E garante que o segredo do sucesso se resume a "trabalho, trabalho, e prazer em trabalhar. Tu tens que gostar do que faz".

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