Fátima Torri: Questionadora da vida

Fundadora da Fatto Comunicação, Fátima Torri carrega consigo o instinto empreendedor e dona de si, junto à curiosidade de repórter

Fatima Torri | Divulgação
Por Karen Vidaleti
O espírito questionador é, talvez, uma das características mais marcantes da jornalista e empresária Fátima Torri. Aliada à vontade de contar histórias e à curiosidade de natureza, foi justamente essa peculiaridade que a guiou não só até a escolha da profissão, mas também pelo caminho percorrido até aqui. Há cerca de 18 anos no comando da Fatto Comunicação, ela deixa claro a disposição em criar a própria trajetória e o comprometimento com o que faz.
As primeiras experiências na comunicação foram vividas em veículos como as rádios Medianeira, Iembuí e Guarathan, quando estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Sempre em ritmo intenso, dividia a rotina entre a faculdade, o teatro e a militância estudantil, até que um estágio curricular a levou à redação de Zero Hora, em Porto Alegre. Por 40 dias, atuou na cobertura do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) na Assembleia Legislativa.
De volta à cidade natal, não demorou para que recebesse um convite de Carlos Fehlberg para retornar à equipe do jornal, em 1976. Na nova etapa, acompanhou o dia a dia da Câmara de Vereadores da capital gaúcha. "Voltei, mas se passaram quatro meses e fui demitida. Porque não concordava com as diretrizes do Jornalismo praticado pelo Grupo RBS", recorda, entre risos, a própria rebeldia. "Tu tens que parar de ser tão rebelde", ouviu, por vezes, do jornalista João Baptista Aveline, que foi chefe de reportagem do jornal.
Além do Jornalismo, ainda explorou outro ramo da comunicação, em uma breve passagem como redatora da agência Mercur Publicidade, até que, com uma indicação da jornalista Jurema Josefa, conquistou uma vaga na extinta Folha da Manhã, da Companhia Jornalística Caldas Júnior. Lá, produziu inúmeras reportagens e chegou a ter reconhecido em premiação da ARI um trabalho sobre a mulher no mercado de trabalho, temática cuja abordagem na imprensa ainda era recente.
Pós-graduada em Sociedade, Cultura e Política na América Latina, pela UFRGS , ainda voltou ao jornal Zero Hora, tendo Affonso Ritter como editor na Economia; atuou na sucursal do Estadão em Porto Alegre; e fez parte da equipe de comunicação da Fiergs,  a convite de Vera Spolidoro, lugar que considera um dos mais ricos pelos quais passou. Nos anos 1980, quase integrou a equipe que colocaria nas ruas o Diário do Sul, mas, diante do convite da jornalista Maria Iara Rech, fez uma contraproposta. "Disse a Iara que, na verdade, eu queria o lugar que ela estava deixando na Exame", relata. Provocação feita e aceita, tornou-se  correspondente durante cinco anos da revista.
Empreendedora de si
Fátima ainda encarou uma temporada em Brasília, onde trabalhou na sucursal do Estadão, participando das coberturas políticas da transição do governo Collor para  Itamar Franco, e também produziu reportagens para as publicações Marie Claire e IstoÉ. Alimentando a paixão por histórias, produziu diversos perfis e foi responsável por uma das últimas entrevistas concedidas pelo escritor Caio Fernando Abreu. Foram dias acompanhando-o, já com a saúde bastante debilitada pelo HIV em sua casa, em Porto Alegre.
Foi após um divórcio e já mãe de Bruno e Marcelo, que a Fatto Comunicação começou a ganhar forma em 1995, trazendo no nome a referência à sua fundadora, ao fato jornalístico e à palavra "feito" em italiano. No apartamento do bairro Bom fim, o fax funcionava a noite inteira, enviando e recebendo notícias e informações. Com o primeiro cliente, Renner Hermann, a empresa já mostrava a que vinha e conquistava espaços na imprensa nacional e internacional.
Da jornalista Rejane Fernandes, Fátima diz ter recebido muitos ensinamentos aplicados no cotidiano de assessoria. "Ela me ensinou como lidar com as empresas, sendo aquela que fornece informações e abastece a redação", explica. Passadas duas décadas, acredita que um dos diferenciais da empresa está na disposição e agilidade na resposta. A equipe usa os recursos possíveis para que a informação chegue ao jornalista, garante ela.
Manter relacionamentos duradouros com os clientes é, para a Fátima, uma conquista de destaque na história da empresa. A parceria com a Tramontina já dura 18 anos, Panvel permaneceu por 12 anos; Paim é cliente pela terceira vez; Iguatemi já ultrapassa uma década; com a Associação Riograndense de Propaganda (ARP) já são quatro anos.  Os motivos? "O primeiro: se me chamarem para ir à meia-noite, venço o medo e o cansaço e vou. E segundo: a Fatto tem a constância de uma esposa e surpreende como uma amante", diz, liberando uma nova gargalhada.
Fazer comunicação é um desafio diário, algo que entende como quase impossível, uma vez que a leitura da mensagem está sempre sujeita a uma visão desenvolvida por quem a recebe, a partir do seu próprio mundo. "A comunicação só será mais clara quando houver muitas perguntas. Quanto mais questionamentos se fizer, maior é a possibilidade de alcançarmos algo próximo à verdadeira comunicação", sintetiza. Sem espaço para acomodação, a jornalista entende que renovar é preciso. "A Fatto está hoje em um momento de transição. Estamos nos reinventando e repensando a comunicação de antigos clientes, criando um novo jeito de nos relacionar", adianta.
O exemplo ao lado
Com a certeza de que há mais a conquistar, Fátima parece ter herdado do pai o gosto pelo trabalho. Homem simples, agricultor da colônia, Antônio Victor Torri  conduzia uma pequena empresa, tocava diversos instrumentos - como gaita, piano e violino - e provava os filhos diariamente que, mesmo sem cursos, é possível inovar com vontade e coragem. "Ele me ensinou que quem tem preguiça não chega a lugar nenhum, e que sorte não existe. Sorte a gente conquista com muito trabalho. Não acredito em nada que venha de mão beijada. Até na loteria, a gente tem que ir lá e apostar, e, para mim, a vida é uma grande loteria", enfatiza.
Do modo como o pai levava a vida, acredita ter tirado a coragem necessária para buscar caminhos quando, aos 16 anos, perdeu a mãe, Modesta. "Foi marcante e rendeu anos de terapia. Mas, tive que me virar com isso", afirma. Transformar experiências ruins em estímulo positivo é algo que se habituou a praticar. "Todas as pessoas que foram duras comigo e, na época, as achei injustas foram as melhores. Todos que te exigem, te tiram do lugar, eu sou muito grata a essas pessoas. Tudo que me incomoda me interessa", ressalta.
A infância em Santa Maria,  no bairro da Medianeira, foi vivida em meio à natureza, com direito a banho de chuva e brincadeiras no barro. E os sinais de que ali crescia uma empreendedora se tornaram perceptíveis desde cedo. A família tinha o único telefone da rua e, aos 8 anos, a menina resolveu aproveitar a oportunidade para fazer um pequeno negócio. Enquanto os pais emprestavam aos vizinhos sem qualquer custo, o mesmo aparelho era por ela alugado e as moedas recebidas eram usadas para comprar picolé e sorvete. "Meus pais sabiam que eu cobrava um aluguel do telefone, mas nunca me reprimiram e os vizinhos também não reclamavam", relata, divertida.
Filha do meio na família formada por mais dois irmãos homens, aprendeu a dirigir precocemente, aos 15 anos, orientada pelo pai. Embora compreenda a prática como errada, havia ali mais uma oportunidade de Antônio para transmitir aos filhos autonomia. Coincidência ou não, foi o estilo de vida do pai que escolheu seguir. "As mulheres estavam sempre olhando para baixo. No mundo do meu pai, ele olhava para frente, para tudo ao redor. Foi esse mundo que eu escolhi para mim."
Construir e desconstruir
Ler, assistir a filmes e séries no Netflix, e receber amigos em jantares em casa estão entre as atividades preferidas para descontrair. A relação com os filhos Bruno, psicoterapeuta, de 31 anos, e Marcelo, publicitário, 27, é de muito aprendizado e autoconhecimento. "Como todos os filhos mais velhos, Bruno é um sobrevivente de guerra.  É o meu grilo falante, o que me lembra que tenho que ser melhor como pessoa. Ambos são pessoas muito generosas, mas enquanto Bruno é mais observador, Marcelo  tem mais descontração, chega mais nas pessoas. Eles são os dois lados de mim", resume.
Intensidade é algo que costuma levar em todos os aspectos da vida, seja pessoal ou profissionalmente. Lembra que, por vezes, "brigava" com o cliente para convencê-lo de alguma ideia, pois não desiste facilmente. "Atendimento não é só simpatia, é entender como funciona o negócio do cliente. No relacionamento da empresa com o jornalista, queremos sempre mostrar o que há de melhor, mas é importante não esconder os problemas. Nossa equipe sabe que a prioridade é do jornalista ao cliente. Cliente sem boa relação com a imprensa não tem benefício nenhum", argumenta.
E reforça: "A Fatto é feita de gente que quer fazer. Tenho uma equipe maravilhosa e competente ao meu lado, com destaque para a Cristiane Medeiros e a Alice Kuchenbecker. Sem esquecer do nosso varão, João Vitor, da Julianne, da Amanda, Kizzy, da Rosa e também de nossas queridas mulheres de apoio, Adri Zottis e Carol Borne".
Bastante exigente, admite que tem um lado autoritário, mas também acredita ter a capacidade de compreender o outro que poucas pessoas dispõem. "Tenho uma amiga, a Gisele Porto, que diz que não sabe se me tornei jornalista porque pergunto muito ou se pergunto muito porque sou jornalista", brinca. A mesma ideia é expressa na frase de outra amiga, Susana Terra: se Fátima não estiver questionando, é porque não está bem. No ponto de vista da própria jornalista, em um processo de constante criação, traduz sua personalidade. "Estou sempre em construção e acho que, por querer ser melhor, é que questiono e exijo muito".
 

Comentários