Fernando Bueno: Entre fotos e livros

Há 30 anos na área de Comunicação, Fernando Bueno fala sobre a carreira que foi do fotojornalismo e da publicidade ao mercado editorial

Um espaço no centro de Porto Alegre, onde habitam a música clássica, livros que resgatam a história e um acervo de mais de 100 mil fotografias. É assim o escritório em que Fernando Bueno trabalha, lugar escolhido para recordar a trajetória de mais de 30 anos na Comunicação. Publicitário por formação, jornalista por profissão e fotógrafo, tem grande parte da carreira traçada junto ao mercado da propaganda, área na qual teve experiências boas e ruins.  Sujeito despojado e aparentemente tranquilo, revela-se um brigão assumido. "No tempo que estava na publicidade, eu tinha uns dois ataques de estupidez por dia. Agora, tenho um por semana ou, às vezes, um a cada 15 dias", brinca. Hoje na área editorial, comanda a Buenas Ideias ao lado do irmão, o jornalista e escritor Eduardo Bueno, o Peninha.
Foi nos tempos do Colégio Anchieta que Fernando foi oficialmente apresentado à fotografia, por meio de um curso profissionalizante. Como não gostava de ser fotografado, ao invés de fugir das lentes, optou por posicionar-se atrás delas - assumindo o posto de fotógrafo da família. Com a câmera do pai, uma Konica Autoreflex T, fez os primeiros trabalhos. Conquistou diversos prêmios no Salão da Propaganda e, em 1978, foi um dos responsáveis pela entrada do The Image Bank no Brasil - banco de imagens que atualmente faz parte da Getty Images.
Aos poucos, afastou-se da área para encarar o mercado editorial, administrando os direitos autorais de Peninha e, mais tarde, criando a Buenas Ideias. Orgulha-se de trabalhar ao lado do irmão e diz que a parceria é gratificante. "O Eduardo tem uma parcela importante em relação ao brasileiro ler história. Fez com que lesse em livro de livraria, não apenas de escola. Isso criou uma tendência e é um caminho para a cidadania, principalmente no Brasil, que é especialista em demolir ou sumir com a história". A fotografia permanece como uma terapia ou uma forma de lazer, que gosta de exercitar tendo a natureza como objeto principal.
Um fotógrafo, dois mercados
Apesar de ter feito carreira na propaganda, foi no Jornalismo que toda a trajetória teve início. Era 1972, quando teve a primeira experiência profissional, em Zero Hora, logo que começou a cursar Publicidade na PUC. De estagiário a subeditor de fotografia, deixou o jornal para montar a própria empresa, a FBueno, que por muito tempo abasteceu com imagens as sucursais gaúchas de publicações como Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, O Globo, Veja e a extinta Manchete. Da experiência, herdou a agilidade no ato de fotografar. "A capacidade de enxergar o que está acontecendo e conseguir retratar com rapidez de raciocínio e de composição. Isso só o Jornalismo que dá. Ao contrário da propaganda, que é um exercício de repetição", explica.
Problemas com pagamentos e direitos autorais levaram ao afastamento de Fernando da publicidade. Como representante do The Image Bank no Brasil, encontrou dificuldades ao tratar sobre o tema em um mercado que, segundo ele, desconhecia ou não estava acostumado a cumprir esse direito. Lembra que o assunto constituía uma área de atrito com as empresas e acredita que a luta pela causa e a atuação junto à Associação Brasileira dos Fotógrafos de Publicidade (Abrafoto) tenham contribuído para um desgaste na sua relação com as agências.
"Enchi muito o saco para que o mercado se tornasse mais profissional, mais honesto e mais transparente. Se sobrevivi tanto tempo, é porque sou muito bom. Senão, tinham me mandado à merda antes", reconhece, acrescentando em seguida: "A modéstia dos Bueno é a maior do mundo". Ainda assim, crê que a área também lhe proporcionou boas vivências. "Conheci pessoas inteligentíssimas, criativas, muitos são meus amigos até hoje. Pude trabalhar com excelentes clientes, com postura profissional, que sabem que o produto deles depende de uma imagem e de uma história, que precisa ser preservada".
Em família
Apesar de ter a Capital gaúcha como cidade natal, tem forte ligação com o município de Canela, onde mora. Desde a infância, os pais Milton e Beatriz tinham casa na região, mas foi há cerca de 10 anos que concretizou o desejo de fixar residência na cidade serrana. "Morar em Canela me faz bem. Não tem sinaleira, você não precisa fechar o carro, conhece todo mundo. É uma cidade com senso de comunidade, sabe que depende de todo mundo pra funcionar direito", comenta.
Ao lado da casa, construiu um estúdio. "Posso ir de pijama. Só desço uma escada e subo outra", conta. É lá onde atende a alguns clientes e mantém um acervo com mais de mil obras sobre o ato de fotografar. "Acho que, além de praticar, é preciso enxergar, porque tudo o que tu viste vem à tua mente no momento de capturar a imagem", argumenta.
Casado há 12 anos com a jornalista que atua na área de eventos Liliana Reid, vive hoje o segundo romance com a companheira. Isso porque o primeiro relacionamento entre os dois aconteceu ainda nos tempos da faculdade. Passados quase 30 anos sem se verem, reencontraram-se e acabaram retomando a relação. Pai de Gustavo, 23 anos, do segundo casamento, compartilha com o filho a paixão pelo Grêmio e agora o gosto pela fotografia, já que, recentemente, começaram a trabalhar juntos no escritório. "Ele usa um tipo de câmera que eu não uso, vai a lugares que não vou. É algo que tem funcionado bem", reflete.
A verdadeira fotografia
Um projeto do qual fala com bastante entusiasmo é o Instituto de Fotografia e Artes Visuais de Canela. A iniciativa, que foi formalizada no ano passado, funcionará nas Ruínas do Cassino - área cedida pela prefeitura. A ideia é resguardar a memória da fotografia brasileira e de profissionais que, a partir da explosão tecnológica, perderam a garantia de preservação de suas obras. "É uma missão, um trabalho difícil, que precisa de bom investimento e de paciência para se envolver com tanta burocracia".
Ferrenho defensor da fotografia analógica, costuma argumentar que a versão digital é apenas uma captação de imagem que usa equipamento semelhante. "A verdadeira fotografia é analógica, é ótica, física, química, matemática, tudo junto. Tem um processo de formação e de criação diferente da digital, que é alfanumérica, é uma combinação que forma a imagem", detalha. Ainda que contrário a esse tipo de foto, revela que está nos planos para o instituto em Canela um centro de tecnologia digital para o ensino da técnica.
Para ele, todo fotógrafo tem um mestre e o dele é Pete Turner, fonte de inspiração em estética, criação e composição de imagens. Com o norte-americano, revela que absorveu muito mais do que técnica, aprendeu o valor de compartilhar o conhecimento. "Estive no estúdio dele em Nova Iorque e ele me disse: "Eu posso te ensinar e eu vou ser sempre Turner, e você, Fernando Bueno"". A frase o incentivou a lecionar, carreira que exerceu na PUC, como professor da cadeira de Fotografia Publicitária. Fascinado por cores, provoca os amantes do preto e branco. "Não sou cachorro, enxergo colorido", conta aos risos.
Papo reto
Admirador da sétima arte, tem no cinema atividade com que preenche os momentos de lazer. Gosta bastante de Quentin Tarantino e do trabalho de Clint Eastwood, seja como ator ou diretor. "Ele é um cara que faz e entende de cinema, foi execrado no passado e hoje tudo que ele faz é clássico", lembra, ao relatar que tem até camisa assinada pelo norte-americano. Defende ainda que não se deve intelectualizar tudo. "Gosto de coisas imbecilizantes, que não tem que ficar pensando. Acho que pode ser bonito. É piegas? A vida da gente também é".
Quando o assunto é literatura, prefere reservar a prática ao trabalho na editora. Um gosto especial está nas histórias em quadrinho do cowboy Tex, da qual é colecionador. "O Clint, aliás, é o Tex vivo", relaciona, como todo bom fã. No estilo musical, costuma escutar as clássicas "para desestressar", um hábito que herdou do pai. Também ganham seus ouvidos o gênero country rock e rock em geral. Adora Johnny Cash, Willy Nelson, Roy Orbison, Bob Dylan, Beatles, Elvis. "Escuto mais música estrangeira do que brasileira", revela.
Acredita ser alguém de personalidade justa e leal, no entanto, traz como defeito o excesso de espontaneidade. "Falo sem pensar. Já fui totalmente fora de controle, hoje estou quase sob controle", afirma. Ainda assim, garante ser um cara de fácil convívio e atribui ao signo de leão, com ascendente em sagitário, parte dessa característica. "Em geral, os Bueno quando dão entrevista têm sempre um advogado do lado, porque sempre rola um processo. Esse negócio de dizer o que pensa não é fácil", conclui.

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Fernando Bueno | Crédito: Dudu Contursi


 

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